Briga de municípios por descarte de baronesas vai parar na Justiça

Faixa de areia do litoral de Ilhéus ficou coberta de vegetação e lixo

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  • Gil Santos

Publicado em 6 de dezembro de 2022 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Uma planta aquática está sendo motivo de briga entre dois municípios no Sul da Bahia. A Procuradoria de Ilhéus e duas Organizações Não Governamentais (ONGs) em defesa do meio ambiente acionaram a Prefeitura de Itabuna na Justiça por conta do descarte irregular de vegetação no Rio Cachoeira. Nesta terça-feira (6), haverá uma audiência para discutir o assunto.

A presença de baronesas é comum na região, mas elas têm se proliferado. No sábado (3), moradores registraram a ação de retroescavadeiras da prefeitura de Itabuna empurrando a vegetação rio abaixo. As imagens que viralizaram foram feitas na ponte do Marabá. No dia seguinte, as ONGs fotografaram as praias de Ilhéus poluídas com plantas e lixo.

A região Sul do estado tem sido castigada nos últimos dias com chuvas que elevaram o nível dos rios, provocando alagamentos e deixando famílias desabrigadas. As máquinas trabalhavam para retirar a vegetação que se acumulou ao lado da ponte, mas, segundo a denúncia, ao invés de recolher os detritos, estavam empurrando para o município vizinho.  

A advogada da ONG Grupo de Amigos da Praia (GAP), Jurema Cintra, que assina a Ação Civil Pública com cerca de 200 páginas apresentada, no domingo (4), na 2ª Vara da Fazenda Pública de Itabuna, explicou que o objetivo da medida é obrigar o município a fazer o descarte da vegetação de forma adequada.

“A falta de esgotamento sanitário e a poluição do rio fazem as baronesas se proliferarem. Em dezembro do ano passado, Itabuna assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público por conta dessa poluição. Esse é um caso de saúde pública, porque a vegetação descartada dessa forma arrasta também animais mortos para o litoral”, afirmou.

As imagens feitas por moradores e ambientalistas mostram a poluição nas praias. “O juiz volta de férias nesta terça-feira (5) e temos uma reunião marcada para discutir o assunto. O que queremos é que o Município descarte a vegetação de maneira adequada, somente isso. São 84 km de litoral poluído por conta dessa ação irregular”, contou a advogada.

A Procuradoria de Ilhéus foi provocada pelas ONGs e também acionou a Justiça, no domingo (4), para que o Município de Itabuna adote providências. Em nota, a Secretaria Especial de Meio Ambiente destacou os impactos ambientais do descarte irregular.

“A vegetação afeta a balneabilidade e traz riscos aos animais marinhos, como por exemplo as tartarugas, que têm dificuldade de acesso para fazer a desova. Ademais, as baronesas chegam à faixa de areia carregadas de lixo, resíduos sólidos e animais peçonhentos. O descarte inadequado também traz prejuízos à atividade turística e, consequentemente, ao desenvolvimento econômico da cidade”, diz a nota.

Planta da Amazônia A Eichornia Crassipes é uma planta aquática natural da Amazônia e que é usada na limpeza de lagos e rios, porque faz a depuração da água conseguindo absorver até mesmo metal pesado. Porém, o diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Francisco Kelmo, explica que se não houver controle o que era um ganho ambiental pode se transformar em um problema sério.

“Esse tipo de planta se reproduz muito rapidamente. Ela recebe nutrientes na parte de baixo enquanto a parte que fica sobre a água faz a fotossíntese, como ela é larga, em excesso acaba dificultando a passagem de luz e isso mata as algas que fazem a oxigenação da água. Sem oxigênio em nível adequado outros organismos também morrem”, explicou.

Por isso, o professor afirma que é muito importante fazer o monitoramento populacional dessas plantas. “O excesso tem que ser retirado e levado para outro ambiente, onde ela está menos presente, enterrado ou incinerado. São as destinações mais adequadas”, afirma.

Os predadores desse tipo de planta são peixes e mamíferos herbívoros, como vacas e capivaras. Em períodos de chuva como o atual, as águas arrastam para dentro dos rios nutrientes que facilitam a reprodução e quando são levadas pela correnteza, no caminho até o litoral, elas arrastam animais de seus habitats naturais. Em contato com a areia da praia entram em decomposição, atraem insetos e provocam mau cheiro.

O oceanógrafo e doutor em Geologia Marinha, Costeira e Sedimentar, Rian Pereira, pesquisa o litoral de Ilhéus há anos. Ele explicou que o lixo arrastado pelas baronesas sofre a ação da força das marés, que distribui a vegetação e os detritos ao longo da costa.

“A consequência são muitos lixos na praia, difícil acesso, podendo as pessoas se machucarem, porque às vezes têm seringas e animais peçonhentos, e o aspecto não muito agradável que fica na linha de costa, principalmente nesses meses de festa”, explicou.

Parte das plantas são soterradas junto com o lixo, mas quando acontece uma ressaca os detritos voltam a aparecer. “É preciso que os municípios tenham uma política pública com relação aos descartes de resíduos sólidos e tratamento de esgotos de suas cidades para que nossos rios nãos sejam atingidos dessa forma”, disse.

Problema antigo A diretora-presidente da ONG Instituto Nossa Ilhéus, Maria do Socorro Mendonça, que também assina o documento, disse que o problema é antigo, que todas as cidades da região contribuem com a poluição, mas que resolveram acionar especificamente o Município de Itabuna porque é o maior poluente.

“O que aconteceu no sábado acontece ano após ano. Eles tiram a vegetação de um lado da ponte e colocam do outro lado para que a correnteza leve. É preciso destinar corretamente os resíduos sólidos, não podemos deixar chegar à costa, e não apenas por uma questão recreativa, mas porque é uma ameaça a vida marinha”, afirmou.

Ela contou que animais como capivaras e caranguejos são arrastados pela vegetação até o litoral e ficam perdidos fora do habitat. As ONGs afirmaram que vão solicitar informações da Embasa sobre as ações adotadas para reduzir a poluição e cobraram a revitalização do Rio Cachoeira. “É um projeto que só tem promessa”, disse Socorro.

A Prefeitura de Itabuna foi procurada, mas disse que não conseguiu contato com a Procuradoria. Já o Inema, o Ibama e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) não se manifestaram.