Bye, Bye São João: sem festas por causa do coronavírus, Bahia pode perder R$ 1 bilhão

Com grandes eventos, cidades como Amargosa, Ibicuí e Cruz das Almas já anunciaram o cancelamento dos festejos

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 8 de abril de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marcos Peixoto/Divulgação

Assim que acaba o fervor do Carnaval, aceleram-se os preparativos para o São João, a maior e mais aguardada festa do interior da Bahia. Este ano, no entanto, a organização dos eventos juninos foi desfeita em pelo menos 13 cidades baianas. Por causa dos riscos de aglomerações em meio à pandemia do novo coronavírus, dez prefeituras que abrigam os mais cobiçados festejos  de junho no estado resolveram, de uma vez só, anunciar  na terça-feira o cancelamento dos arrasta-pés.

Em comum acordo, os prefeitos de Amargosa, Cruz das Almas, Ibicuí, Irecê, Itaberaba, Miguel Calmon, Piritiba, Santo Antônio de Jesus, Seabra e Senhor do Bonfim assinaram um termo para suspender a festa nas cidades, em atendimento às recomendações do Ministério da Saúde sobre a necessidade de manter o isolamento social, especialmente, porque o pico de contaminação pela Covid-19, na Bahia é esperado para maio - apenas um mês antes dos eventos juninos. 

Ao mesmo tempo, as prefeituras de Camaçari, Conceição do Almeida e Vitória da Conquista aderiram ao movimento das outras dez cidades e também cancelaram a realização da festa. Além dos riscos de contágio, a decisão leva em conta a urgência em direcionar atenção e recursos para o combate à doença em seus territórios. 

Ao CORREIO, o prefeito de Amargosa, Júlio Pinheiro (PT), afirmou que a cidade já tinha a grade de atrações praticamente montada e boa parte dos contratos com os artistas prontos para serem assinados, bem como as licitações de infraestrutura e comunicação do evento. “Mas acabamos acometidos por essa pandemia, que tem colocado não só a gente, mas o mundo inteiro de joelhos. Sabemos que o São João de Amargosa não é só uma festa, é a nossa identidade, é economia, é oportunidade para a população, mas nossa preocupação agora tem que ser cuidar da vida das pessoas”, disse.

Segundo Pinheiro, o município reúne até 80 mil pessoas nos dias de grandes atrações. Estima-se que, durante os festejos, cerca de R$ 20 milhões circulam na cidade de apenas 38 mil habitantes, localizada a cerca de 240 quilômetros da capital. O prefeito destaca que é no período junino que as pessoas montam negócios temporários e  que há grande incremento de vendas no comércio local. “Com 80 mil pessoas aqui, é como se a cidade praticamente dobrasse a sua população. Tem gente que vende mais em quatro dias de São João do que num mês inteiro. Para nós, é mais importante do que o Natal”, dimensiona.

Grande movimentação

De acordo com a Secretaria de Turismo da Bahia (Setur), mais de 300 municípios do estado se mobilizam em junho para a realização de festas de São João, Santo Antônio e São Pedro. Em 2018, o governo da Bahia calculou que os eventos juninos movimentaram em torno de R$ 1 bilhão, valor que dverá sofrer alto corte este ano. 

Esses festejos, juntos, levam mais de um milhão de soteropolitanos a deixarem a capital rumo ao interior, além de mais um milhão de pessoas de outras regiões. Em 2019, só pela rodoviária de Salvador passaram cerca de 180 mil pessoas na semana do São João, segundo dados da Agerba, que ofertou 1.800 horários extras na época.

No final da semana passada, o Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas dos Municípios já havia recomendado que as prefeituras se abstivessem de realizar qualquer festejo junino com recursos públicos e indicou que fossem suspensas todas as licitações relacionadas aos eventos, como contratos de bandas, artistas, montagem de palco, som, iluminação, entre outras. Antes, no final de março, a União dos Prefeitos da Bahia (UPB) já havia classificado o cancelamento do São João como "inevitável".

Com uma população de cerca de 16 mil habitantes, Ibicuí, no Sudoeste baiano, também se viu no mesmo dilema entre o forró e a pandemia. No município, é forte o segmento de aluguel de casas durante as festas. Há 18 anos trabalhando como corretor de imóveis na cidade, Gaso Matos, 41, conta que, entre outros contratos, já tinha fechado uma casa no valor de R$ 20 mil para uma excursão de 120 pessoas que sairia de Salvador. 

Prejuízos culturais e econômicos

“É um baque muito grande. Todos os anos, a cidade inteira fica na expectativa dessa festa, por ser uma renda extra. Aqui existem quase 250 casas para aluguel, além das pousadas. Nós cuidamos de 80 casas e, em fevereiro, a gente já tinha muitas delas alugadas. As pessoas fazem a reserva pagando 50%, e ainda estamos vendo como faremos para devolver esse dinheiro. Vamos dar a opção de deixarem o contrato de pé para o ano que vem”, contou ele.

Pensando justamente nos comerciantes com estoque para o São João, o prefeito de Itaberaba, Ricardo Mascarenhas (PSB), também optou pelo cancelamento da festa agora, para dar uma margem de 60 dias a quem pode ter prejuízo. Por lá, a prefeitura já havia feito pré-contratos com Saia Rodada, Elba Ramalho e Bell Marques, mas não chegou a efetuar. Conforme estimativa da Setur, só uma banda de forró de médio porte pode gerar até 100 postos de trabalho.

“A notícia é difícil, mas necessária. A gente se incluiu na decisão para que os comerciantes possam se preparar com máxima antecedência para não ter endividamento. Festa todos os anos a gente tem e, tudo dando certo, nós vamos dançar em dobro em 2021, quem sabe até aumentando um dia de festa”, sugere Mascarenhas. 

Ainda de acordo ele, é bastante esperado que em breve a cidade venha a registrar contaminação pelo coronavírus, já que está próxima de cidades como Palmeiras e Utinga, que têm um caso cada. “Não podemos esperar o caos chegar para agir”, conclui.

Compreensão

Natural de Seabra, mas hoje morando em Luís Eduardo Magalhães, a estudante Angélica Machado, 27, conta que costuma aproveitar o São João para rever a família na cidade natal, mas acha válida a decisão de cancelar a festa da cidade, que também fica próxima de Palmeiras. De acordo com ela, Seabra recebe muita gente da região da Chapada Diamantina, fluxo que pode contribuir para a disseminação do vírus. “Reconheço a importância do turismo nessa época, gera renda e empregos, mas a situação esse ano necessita de medidas extremas”, defende.

Secretário de Saúde de Camaçari, Luiz Duplat justificou a suspensão do Camaforró, que leva até 50 mil pessoas à cidade e teria duração de quatro dias. Segundo ele, o processo de transmissão da covid-19 tem quatro fases de transmissão. Em maio, a Bahia terá seu pico de casos e, em junho, estará na terceira fase, que é a de desaceleração, quando a curva de casos começa a diminuir. “Então, realizar eventos que gerem aglomeração de pessoas, como o Camaforró, é jogar fora todo o esforço que a população tem feito até aqui”, comentou.

Prefeito de Ibicuí, Marcos Galvão (PSD) conta que a festa da cidade completaria 65 anos de história este ano e que os prejuízos culturais e econômicos somam-se nesta hora. Por sorte, a prefeitura não chegou a fechar os 10 contratos pré-acordados com artistas. A cidade de Ibicuí atrai em média 50 mil pessoas por ano, mais de três vezes o número da sua população, e fica localizada a apenas 50 Km de Itororó, que já registrou quatro casos de covid-19.

“Temos um dos maiores festejos juninos da região e precisamos dar o exemplo, além de termos a responsabilidade no combate à propagação do vírus, por isso entendemos que a única forma de evitar aglomerações é o cancelamento da festa este ano”, afirmou o prefeito. A expectativa dos gestores que já cancelaram suas festas é também servir de inspiração para outras cidades que ainda estão na dúvida quanto à realização.

Segundo Galvão, ainda não se sabe para onde vão os recursos que a Bahiatursa costuma enviar para a realização das festas. Procurada, a entidade não explicou qual deve ser a destinação dos valores. 

O bom é que baiano que é baiano sempre se reinventa. Morador de Senhor do Bonfim, o funcionário público Marcos Rodrigues, 34, já tem ideias de como as pessoas podem curtir as festas: voltando ao início da tradição. “Recorreremos ao São João de fogueira na porta”, aposta, com cada um na sua casa, com suas famílias, comendo milho assado e tomando licor.