Cadê o século 21?

Por Aninha Franco

Publicado em 1 de setembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Talvez eu tenha pensado pela primeira vez na vinda do século 21 assistindo 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Kubrick (1928-1999), no Cine Tupy. O filme estreou nos Estados Unidos em 1968 e foi exibido no Brasil durante uma ditadura civil/militar que durou 25 anos e censurou um outro filme de Kubrick sobre o Século 21, Laranja Mecânica (1971). Enquanto os cineastas estadunidenses filmavam a inteligência artificial do Século 21, um cineasta brasileiro, bom como Kubrick, Glauber Rocha (1939-1981), filmava o medievalismo brasileiro em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964).

Admirável Mundo Novo (1932) do inglês Aldous Huxley (1894-1963) e A Obra de Arte na Época de Sua Reprodutibilidade Técnica (1936) de Walter Benjamin (1894-1940) são sobre o Século 21, ambos publicados nos Anos 1930, quando um golpe militar levou Getulio Vargas ao Poder. A ditadura Vargas implantou a censura prévia no país e, através do DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, controlava as emissões da imprensa e da arte, para que todas elogiassem Getulio, o Pai dos Pobres, e enaltecessem sua figura.

Em Memórias do Cárcere (1953), Graciliano Ramos (1892-1953) conta seu encontro com Nise da Silveira (1905-1999), os dois alagoanos, levados pela polícia da ditadura de Vargas ao Complexo Presidiário Frei Caneca. A verdade é que talvez haja tantos brasileiros desejando uma ditadura, porque a história brasileira é muito benevolente com ela. Nos Anos 1970, aluna de Direito da Ufba, assisti ao Mestre Raul Chaves, em Júri, descrever como os opositores de Vargas eram torturados e atirados das prisões conduzidas por Filinto Muller. Era o julgamento de um mandante de crime político, em Sergipe, Raul Chaves era assistente da promotoria, e sua coragem e agilidade intelectual eram assombrosas.

A Europa sobreviveu a duas guerras monstruosas que atingiu alguns de seus mais brilhantes pensadores e criadores. Walter Benjamin poderia estar vivo escrevendo sobre a sobrevivência da Aura no Século 21, que ele condenou à morte em 1936. Às vezes eu o evoco, alto, Benjamin: E  Jojô Todynho? Sim, foi uma Aura. Mas que Aura foi essa? Porque nós, brasileiros, isolados da contemporaneidade por 400 anos de colonialismo, pelas ditaduras, pela censura, pela pobreza política, pela deseducação, fomos atirados na mais alucinada passagem de século de todos os tempos, arrancados de um mundo físico medieval e jogados num mundo virtual que chegou mais surpreendente do que todas as previsões. E ficções.

E as emissões? Bem, o cinema brasileiro que deveria falar da mudança não sai das superações do Século 20. O teatro, essa linguagem chiquérrima que consegue estabelecer contato direto com o receptor, que faz de cada plateia um espelho, mal começou a falar brasileiro e aconteceu tudo que a gente já sabe, e voltou a falar em outras línguas. A música? Ou é a música do Século 20 que já não comove mais porque fala do século passado, ou são trilhas da criminalidade que assola o país.

A política e economia que movem todas essas falas, todas essas emissões e recepções, explicam o porquê, desde ontem, jabuticabas eletrônicas, no horário eleitoral das eleições de Outubro.