Cadê o tesão? O gato (não) comeu

Vá levar seu vírus para a casa da desgraça. Aqui não entra nem bebendo álcool gel e tomando banho com água sanitária

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 26 de abril de 2020 às 11:20

- Atualizado há um ano

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Meu amigo disse que libido é energia criativa e que eu devo ter deslocado a minha pra outro lugar. Bom, a não ser que limpar casa, cozinhar e lavar compras sejam atividades criativas, não acho que seja isso. Das duas, uma: a menopausa começou a se anunciar (tenho 45 anos) ou é o mais puro instinto de preservação se manifestando de forma veemente em uma mulher solteira que está em inegociável isolamento social. Seja pelo motivo que for, o fato é que "tesão tem, mas tá em falta". Pelo que, diante das circunstâncias, fico grata.

Cada um/a passa pela pandemia como pode, mas senti foi tédio quando um amigo me contou que as "lives" na casa dele têm sido ele mostrando o pinto e as moças mostrando xoxota. Quero não, obrigada. Em outro momento, um ex meu, das antigas, pediu que eu mandasse "fotos". Nem com três taças de vinho na cabeça, deu vontade. Talvez porque nenhum dos dois seja meu foco. Normal. Só que não consigo rastrear ninguém que seja possibilidade de desejo atual, ainda que remota. Isso sim, é uma novidade na minha vida que, até fevereiro, sempre foi bastante interativa e do balacobaco.

Logo que me isolei, pensei em reinstalar o Tinder, criando um perfil alternativo, porque fui banida (suspeito da denúncia de um exemplar carentíssimo que bloqueei no aplicativo e no Whatsapp). Sei lá, prospecção para quando "tudo isso passar". Só que já chegam notícias da interação virtual entre gêneros, "em tempo de pandemia". De acordo com as amigas que permanecem guerreando no virtual, está sendo necessária pelo menos uma graduação em psiquiatria pra encarar as demandas dos "presentes de deus". "Nâo tô saindo pra nada, mas sairia pra te encontrar" is the new "sou casado, mas com você é especial" o que mostra que, mesmo durante uma catástrofe mundial, eles continuam mentirosos e pensando com a cabeça de baixo.

(Não só por isso, mas observe que homens são a maioria, nos números da Covid-19, entre as vítimas, inclusive fatais)

Vá levar seu vírus para a casa da desgraça. Aqui não entra nem bebendo álcool gel e tomando banho com água sanitária. Não tá entrando amigo/a que dirá objeto sexual. Sim, poderia ser só virtual. Se também não já chegassem as notícias de que se acentuou a tendência de nos tratarem como psicólogas online. Além de todas as demandas que já trazem assim que a conversa começa a engrenar, agora tem isso de lidar com os medos e limitações da pandemia, porque querem quebrar a quarentena, mas se cagam de medo de morrer. Esse é o nosso contraditório "homem hetero tradicional". Pra mim, principalmente neste momento, não dá.

Espero que a minha libido faça morada lá onde ela está. Por aqui, não faz a menor falta, inclusive agradeço se nunca mais voltar. Não acredito em tamanha bênção, mas seria maravilhoso nunca mais desejar um cara e ter, finalmente, a mais completa liberdade sexual e emocional. Deve ser temporário, no entanto. Por isso, aceito, agradeço e aproveito com a mesma alegria que me acompanha nos dias inteiros com meu filho. Não, não é um momento bom, mas algumas coisas podem ser legais. Entre elas, pela primeira vez na minha vida, simplesmente, não querer ninguém específico nem sentir o desejo genérico que sempre me acompanhou. Pra quem tá sozinho/a e com tesão, juízo e boa sorte. Mas pra mim, desse jeito, tá massa. Glória! Amém! Axé! Namastê! Tudo odara!.