Caixão é deixado em cemitério e ausência de parentes chama a atenção de vendedores

Segundo a Sesab, família desistiu de fazer enterro na Quinta dos Lázaros e corpo ficou no local até ser levado para Serrinha

Publicado em 1 de maio de 2020 às 13:41

- Atualizado há um ano

Um caixão numa sala de velório de um cemitério público de Salvador não é novidade. O que chamou a atenção na manhã desta sexta-feira (1º) foi a ausência de alguém para velar o corpo, se despedir do ente querido. Foi isso que vendedores de flores, que trabalham justamente em frente a uma das salas de velório do Cemitério Quinta dos Lázaros, na Baixa de Quintas, observaram no início da manhã.

Por volta das 7h15, um caixão de madeira, embalado em um plástico - protocolo usado em alguns casos de morte por covid-19 - foi deixado por uma funerária na sala de velório que fica do lado de fora do cemitério, pouco antes do portão que dá acesso ao local. Em seguida, o funcionário da funerária deixou o local, mas não apareceu ninguém para velar o corpo.

De acordo com a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), que administra o cemitério, o caixão foi deixado no local por volta das 7h15, mas a família desistiu de fazer o sepultamento em uma das gavetas do cemitério - que, segundo a Sesab fica em uma área que, assim como a sala de velório, também não é administrada pela pasta."Enquanto os familiares foram dar providências para o sepultamento em outro local, deixaram o caixão lá. Por volta das 8h30, o caixão foi retirado", inormou a Sesab, em nota.Por conta da ocorrência, a secretaria determinou que só serão permitidos velórios no local para os corpos que já estiverem com a guia de sepultamento para o próprio cemitério.

Em entrevista à TV Bahia, o responsável pela Funerária Mattos, em Brotas, afirmou que recolheu o corpo no Hospital Municipal de Salvador, na Boca da Mata, e que o deixou no cemitério à espera da família, que é da cidade de Serrinha, no Nordeste de Bahia. O corpo acabou sendo levado para a cidade, onde será sepultado.

"Só fiz o trâmite profissional de levar o corpo, não tive profundidade sobre o documento. A família pegou depois e conduziu. Se você tiver um carro como uma pick-up, que possa caber, dá para colocar a urna e não tem problema", disse ele ao CORREIO, mas não soube confirmar para qual novo cemitério a vítima foi levada.

Ainda de acordo com funcionário da funerária a pessoa que teve o corpo deixado no local morreu de câncer, mas há uma suspeita de que tivesse contraído covid-19. O CORREIO procurou a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS), mas ainda não há confirmação de que o corpo tenha saído do Hospital Municipal, nem que houvesse uma suspeita de morte pelo novo coronavírus.

Um homem que trabalha na região do cemitério contou ao CORREIO que o corpo foi deixado numa área para famílias que não têm condições de pagar pelo sepultamento. Segundo ele, a família retornou ao local para buscar o corpo. O vendedor de flores Márcio Alex, 41, explicou que o velório de pessoas vítimas da covid-19 não tem sido permitido no local, o sepultamento é imediato. "Aqui não vela corpo com 'corona', vai direto para a gaveta. Esse corpo chegou de manhã, preparou e levou para outro cemitério. Botou aqui para preparar o corpo e depois levar. Era um homem adulto", contou.

A Arquidiocese de Salvador, que administra parte das carneiras no interior do cemitério, pertencentes a irmandades da Igreja, também foi procurada, mas disse que não é responsável pelo local onde o caixão foi deixado.

Trâmite funerário

De acordo com explicações disponíveis no site do Cemitério Campo Santo, o trâmite funerário de morte em hospital se dá primeiro pela emissão de Declaração de Óbito (DO) assinada por um médico da unidade de saúde. Só com esse documento em mãos a família pode contratar o serviço funerário para remoção do corpo para o sepultamento.

O familiar deve comunicar o falecimento à funerária, informar o local do corpo, apresentar a declaração de óbito e documentos pessoais do falecido para registro. Com a declaração e o registro de óbito em mãos, o familiar de primeiro grau (preferencialmente pai, mãe, filhos ou cônjuges) deve dirigir-se ao Cartório de Registo Civil correspondente ao local do falecimento para a emissão da Certidão de Óbito. 

Em Salvador, uma legislação municipal exige que o parente compareça pessoalmente, portanto não sendo possível envio de despachante ou outras pessoas. Após o registro em cartório e escolhido o local do sepultamento, é preciso entregar os documentos necessários no cemitério para confecção do contrato. 

Prefeito ACM Neto: 'Não vamos permitir que em Salvador aconteça a mesma coisa que em Manaus'

O prefeito ACM Neto anunciou, nesta sexta-feira (1), que a administração municipal fará compra de 4 mil gavetas de cemitério, além da abertura de chamamento público para a compra de caixões. A medida vem respaldada pela previsão municipal de 900 mortes por covid-19 na capital baiana somente neste mês de maio. Em entrevista à TV Bahia, ele afirmou que estudos indicam que a cidade pode ter até 70 óbitos por dia por conta da pandemia no mês.

"Estamos infelizmente preparando a prefeitura. Comprando caixões e aumentando o número de cremações por dia para evitar que os corpos contaminem outras pessoas. Não vamos permitir que em Salvador aconteça a mesma coisa que em Manaus, onde abriram verdadeiras valas para enterrar as pessoas como indigentes. Infelizmente estamos nos preparando para um aumento mais grave do número de mortes”, afirmou.

A gestão municipal cuida de 10 unidades cemiteriais de Salvador, são elas: Pirajá, Plataforma, Periperi, Paripe, Brotas, Itapoan, Ilha de Maré, Ilha de Bom Jesus dos Passos, Ilha Ponta de Nossa Senhora e Paramana (Ilha dos Frades). A prefeitura já publicou, no Diário Oficial do Município (DOM) desta quinta-feira (30), uma convocação emergencial para a contratação de empresa especializada em construção civil para erguer 1.820 vagas de gavetas nos cemitérios municipais de Brotas e Plataforma.

Colaborou Hilza Cordeiro e Marina Hortélio sob supervisão da editora Clarissa Pacheco