Capitães da República dos Vagabundos

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Publicado em 4 de junho de 2020 às 05:00

- Atualizado há 10 meses

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Na Rússia, Jorge Amado sempre foi e continua sendo o escritor brasileiro número um. E mais do que isso: para nós, russos, ele é o próprio Brasil.

A adaptação de Capitães da Areia filmada pelo diretor norte-americano intitulado, em russo, Generais da Areia, se tornou um cult. Só durante um ano o filme foi assistido por 34 milhões dos espectadores. No ano seguinte, o jornal juvenil mais popular Komsomolskaia Pravda destacou Generais como o melhor filme estrangeiro. 

Infelizmente, Generais da Areia foi proibido no Brasil na época da ditadura militar e os brasileiros não podem compreender a razão desta popularidade. A origem do sucesso do filme foi o contraste entre os destinos dos personagens do filme e os dos jovens soviéticos. O filme teve um efeito de bomba: os personagens, jovens e crianças da nossa idade, viviam em condições tão desumanas que sequer podíamos imaginar!

As almas dos espectadores ficavam transbordadas não apenas de cólera por causa da injustiça social, mas também de admiração. Estes adolescentes abandonados, a despeito de horríveis condições de vida, puderam encarnar as melhores qualidades humanas: nobreza e coragem, fidelidade aos amigos e capacidade de amar. A intolerância dos poderosos e a humilhação permanente não foram capazes de alquebrá-los. Se recusam a ser vítimas, lutaram pela liberdade, pelo direito de serem homens, de viver e de amar.

Para nós, a luta dos personagens foi uma parte da luta do povo brasileiro contra ditadura. Solidarizávamos-nos com essa luta. Eu mesma, quando estudante universitária, organizei um comitê de ajuda para as crianças abandonadas do Brasil. Minha história começou porque não havia tradução para o russo de Capitães da Areia. Prometi a mim mesma que traduziria o livro. A tradução foi publicada em 2000.    E gostaria de anunciar uma pequena descoberta filológica. Em 1987, na entrevista publicada no diário soviético Izvestia, Amado informou que na sua juventude ele gostou muito do livro República Schkid, de Belyk e Panteleev, e o traduziu para o português. Fiquei muito intrigada com a informação e questionei: se ele traduziu, então, de qual língua e qual foi o destino da tradução?

Consegui achar a informação apenas em 2010, durante a minha viagem ao Brasil. Na Biblioteca Nacional encontrei o livro: Belyk e L. Panteleev, A República dos Vagabundos, tradução de Jorge Amado. O livro foi publicado em 1947 pela Editora Martins.Se Jorge traduziu Doña Bárbara, de Rómulo Gallegos, ele também poderia traduzir A República dos Vagabundos do espanhol. Faltava apenas descobrir se existia uma tradução em espanhol deste livro nos anos 30. 

A Internet respondeu a esta pergunta. A editora Cenit de Madrid publicou o livro de Belyk e L. Panteleev em 1930 com o título Schkid: La república de los vagabundos. Então, um jovem escritor brasileiro, inspirado pela obra de autores soviéticos, escreveu seu livro sobre crianças de rua do Brasil; o diretor norte-americano ficou tão impressionado com este livro que filmou a adaptação que enlouqueceu toda a União Soviética e a menina russa se apaixonou pelo filme e traduziu o livro de Amado para o russo que se tornou um dos mais populares entre os  leitores russos. O círculo se fechou.

Elena Beliakova é escritora, tradutora e pesquisadora da obra de Jorge Amado

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