Caraíva: polícia decide que índio responderá por estupro de vulnerável

Inicialmente, delegado enxergava crime como importunação sexual

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  • Fernanda Varela

Publicado em 4 de fevereiro de 2020 às 15:38

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo pessoal

A Polícia Civil encerrou as investigações do caso de suspeita de estupro da jovem Maria do Carmo Ribeiro, de 27 anos, no dia 21 de janeiro, em Caraíva, distrito de Porto Seguro, no Extremo-sul baiano. O inquérito foi concluído e encaminhado para o Ministério Público estadual (MP-BA). As qualificações do crime também foram alteradas.

Inicialmente, o índio pataxó Tacio da Conceição Bonfim foi autuado em flagrante por crime de importunação sexual e furto do celular da vítima. Após a investigação, a polícia decidiu que ele agora responderá por crimes de estupro de vulnerável, já que a vítima estava dormindo e sem possibilidade de se defender, e roubo qualificado, já que ele entrou na casa escalando uma escada e levou o celular da jovem.

De acordo com o advogado da vítima, Alex Ornelas, além dos depoimentos colhidos, uma perícia foi realizada na casa de Maria do Carmo nesta segunda-feira (3). "A polícia foi até Caraíva e realizou a perícia na casa dela, para ver a altura que foi escalada, verificar como ele entrou e saiu do imóvel e outros detalhes", explica.

O CORREIO entrou em contato com a 1ª Delegacia de Porto Seguro, responsável pelo caso, para saber qual o prazo para divulgação do laudo da perícia, mas não obteve resposta.

Tacio foi detido no dia seguinte ao crime e teve prisão preventiva decretada no dia 29 de janeiro, após novo depoimento de Maria do Carmo, de testemunhas e do surgimento de uma segunda vítima. 

Com a conclusão do inquérito, o MP-BA denunciou Tacio por estupro de vulnerável e furto qualificado por invadir a residência daa mulher e “praticar atos libidinosos” com a vítima enquanto ela dormia. A denúncia foi oferecida à Justiça pela promotora Michelle Souto, na segunda-feira (3). 

O MP acrescentou ainda que, segundo a denúncia, Tácio Bonfim é suspeito de ter cometido abusos contra mais cinco mulheres.

Ao CORREIO, Maria disse se sentir mais tranquila ao ver seu agressor preso. "Recebi amor de amigos, desconhecidos, família, apoio da comunidade e da polícia, que me ouviu novamente e tem me dado suporte. Já estou dormindo melhor também, embora às vezes ainda tenha pesadelos. Me sinto bem mais forte que semana passada", declarou ela, que uma semana após o crime relatou dificuldade para dormir.Crime Segundo Maria, ela dormia em uma casa alugada quando acordou com um homem estranho em cima dela, tocando sua vagina com uma mão e se masturbando com outra. 

O imóvel onde ela dormia está em reforma e será usado para que ela possa trabalhar com serviços de massoterapia e astrologia. Por isso, o teto do banheiro ainda estava sem telhas."Eu e meu companheiro temos uma casinha  no centrinho de Caraíva, mas estávamos num imóvel na Aldeia Xandó. Ele (Tacio) aproveitou que o banheiro estava sem telhado e botou uma escada encostada na parede e entrou", relata.A jovem, que é carioca e se mudou para a Bahia há três anos, tinha voltado de uma festa e dormia quando foi vítima do estupro. 

Como voltou da festa sozinha, Maria adormeceu na cama, por volta das 2h30. Ela não sabia que seu companheiro, com quem se relaciona há um ano, estava deitado na sala quando tudo aconteceu. Suspeito usou escada para invadir casa onde Maria dormia (Foto: Acervo pessoal) "Meu companheiro tava dormindo na sala, mas eu não sabia que ele estava em casa. Quando comecei a luta corporal com Tacio, fiquei com medo. Comecei a gritar, aí foi que meu companheiro acordou e eu soube que tinha mais alguém em casa. O suspeito fugiu em seguida".

Maria narra ainda que percebeu como o agressor entrou no imóvel quando o viu correndo em direção ao banheiro. "Na hora de fugir, ele foi em direção ao banheiro e pegou impulso no vaso sanitário. Daí pulou pelo teto e saiu. Foi quando entendi como ele entrou lá", completa. Jovem pediu ajuda para pagar advogados (Foto: Reprodução) ***

Abaixo, confira a íntegra do relato de Maria do Carmo nas redes sociais:

"Fui estuprada e não vou me calar.

Me chamo Maria, tenho 27 anos e moro em Caraíva, no extremo sul da Bahia. Às 5h30 da manhã do dia 21 de janeiro de 2020, na última terça-feira, acordei na minha cama e havia um homem em cima de mim. Suas pernas estavam sobre as minhas, uma de suas mãos estava esfregando minha vagina e com a outra ele se masturbava. Uma camisa vermelha encobria seu nariz e sua boca. Assim que me viu abrir os olhos ele continuou, como se nada tivesse acontecidon. Nunca esquecerei daqueles olhos frios e daquele corpo asqueroso sobre o meu. Não sei de onde tirei forças - comecei a bater nele e levantar. Ele se esquivava e tentava segurar meus braços, comecei a gritar e xingar. Foi aí que ouvimos meu companheiro, que eu não sabia que dormia no cômodo ao lado, despertar e perguntar o que houve. Num pulo o agressor, que agora sei que chama Tacio da Conceição Bonfim, abriu a porta do banheiro, pegou impulso no vaso e na máquina de lavar e pulou pela parte destelhada da casa.

Meu companheiro passou a procurá-lo às voltas das casas enquanto aos gritos eu lhe informava da camisa vermelha. Enquanto meu companheiro buscava voltei ao quarto e notei que havia sumido meu celular. E uma cueca e um protetor solar que ele usou como lubrificante em mim repousavam sobre a cama.

O estuprador estava escondido atrás de uma moita e fugiu na direção oposta a que fomos procurar, fato que soubemos posteriormente, através do meu vizinho que o viu atravessar seu quintal. Sem camisa. Com uma tatuagem nas costas e boné preto. Encontramos a camisa vermelha numa moita.

Passei o dia inteiro descrevendo o fato e o homem pras pessoas do vilarejo e mostrando os pertences que ele deixou pra trás. Buscamos incansavelmente por ele e pistas. À noite já sabíamos o nome de quem me estuprou - a descrição, a tatuagem, a camisa e o fato de ele ter um histórico de acusações anteriores nos levou a identificá-lo. Só faltava ele aparecer.

Na noite do dia seguinte, na certeza de que nada aconteceria, ele foi à vila e foi contido. Imediatamente me chamaram pra reconhecê-lo. Arrogantemente ele portava meu celular, com a mesma capinha e película que eu usava. Reconheci o aparelho e o homem na hora.

A polícia veio à Caraíva pra leva-lo, saímos às 1h30 da manhã e chegamos às 3h30 na delegacia de Porto Seguro, onde prestei declarações, enquanto ele ainda teve a pachorra de negar o crime. Meu celular me foi restituído e voltei pra casa. Exausta, abalada, exaurida.

À sua conduta foram imputados dois crimes: IMPORTUNAÇÃO SEXUAL e FURTO SIMPLES, crimes brandos cuja pena mínima é 1 ano!!!!!!!!!

Nesse meio tempo muita gente me procurou pra dizer que há outras vítimas dele com medo de se manifestar, pq sua família é numerosa. Muitas confirmaram seu perfil agressivo e frio. Meu vizinho está com medo de depor. Mulheres estão com medo de represálias. Amigos e conhecidos que ajudaram na identificação do estuprador pediram que eu não citasse seus nomes.

A justiça, sem saber destes detalhes, concedeu a ele liberdade provisória mediante o pagamento de fiança no valor mínimo. Ou seja - se pagar 3.500 reais, Tacio, que me estuprou há menos de uma semana, vai voltar às ruas da pequena vila onde resido, oferecendo perigo para mim em especial, mas também para outras potenciais vítimas. Além disso, uma onda de denúncias vem se alastrando por aqui e + casos começaram a pipocar com minha denúncia, o que indica que a liberdade desse criminoso vai ajuda-los a se sentirem livres e protegidos pra seguir nos estuprando, violando e agredindo.

Por mim e por todas as mulheres, quero contratar um advogado para acompanhar o andamento do procedimento policial e garantir que a justiça tome conhecimento do perigo de sua soltura. Este homem precisa ser afastado e punido pelos bárbaros crimes que cometeu.

Me expor depois de tanta violência, responder ao sem fim de perguntas e passar madrugadas entre pesadelos reais e também pelos gerados por meu inconsciente abalado tem sido muito difícil.

Mas para mim seria mais difícil deixar tudo como está. Me esconder. Deixá-lo tomar as rédeas da minha vida, da minha integridade e dignidade e das minhas escolhas.

Falo isso porque preciso de proteção! Preciso de divulgação massiva! E porque quero justiça! Este e outros abusadores não podem pensar que vão seguir violando nossa dignidade, nossa integridade física e emocional, tampouco objetificando nossas vidas e corpos!

Sou mulher e mereço segurança. Mereço respeito. Mereço dormir e acordar em meu quarto sem que um homem se ache no direito de me invadir, machucar, violar."

* A foto de Maria do Carmo foi utilizada pela reportagem com o consentimento e autorização da vítima