Carlos Rodeiro, o Joalheiro das Estrelas, agora é uma delas; conheça a história

Designer de joias que encantou de Hebe a Madonna, de Daniela a Beyoncé, faleceu nesta segunda (26) em Salvador

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  • Da Redação

Publicado em 27 de julho de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Foto: Divulgação A fé e a cultura popular são dois dos maiores tesouros da Bahia, e há quase quatro décadas havia quem duvidasse que tamanha riqueza pudesse continuar a transcender, na concretude da arte, além do já visto em fotografias de Verger, pinturas de Carybé ou esculturas de Mário Cravo. Nesta segunda-feira (26), passou a constar no olimpo iconográfico da religiosidade dos baianos, igualmente em memória e para a História, o designer de joias Carlos Rodeiro, o Joalheiro das Estrelas, que acaba de virar uma delas.

Baiano de Salvador, Carlinhos, como era chamado pelos amigos, não resistiu a um tumor cerebral, descoberto em abril, e faleceu em uma clínica no bairro de Nazaré, acompanhado de familiares. Transformou em joias alguns dos principais ícones da fé – notadamente o candomblé e o catolicismo – na nossa terra, e pintando a própria aldeia, se tornou um artista universal. 

Sua lista de clientes conhecidos vai de grandes nomes nacionais, como as cantoras Daniela Mercury, Ivete Sangalo e Anitta, até astros pop mundiais como Beyoncé, Elton John e Madonna, a qual usou um colar com diversos símbolos religiosos, como as medalhas de Nossa Senhora e o Sagrado Coração, na cerimônia do Oscar de 2019. 

Em 2018, a Rainha do Pop celebrou seus 60 anos usando peças assinadas por Carlos Rodeiro. Em 2021, lamentamos a perda dele, três dias depois do seu aniversário – vaidoso, ele não revelava a idade. Madonna com joias de Rodeiro (Fotos: Divulgação) Apesar da lista interminável de ricos e famosos entre os fregueses dar a impressão de que a obra dele era inacessível aos pobres mortais, ostentar um pingente, medalha, pulseira, brinco ou figa, por exemplo, de suas coleções poderia ser algo ao alcance da maioria. 

“Tenho coleções democráticas com peças que custam a partir de R$ 300”, lembrou Carlinhos, ao se deparar com um efeito colateral da fama: as imitações.“Trata-se de uma coleção democrática, que oferece joias de todos os preços e que traz o axé do Gantois. E qual graça há em usar e mostrar algo falso? Acho ainda que nenhum joalheiro vai querer imitar uma criação minha marcante, reconhecida facilmente em todo o mundo, já que isso provaria extrema falta de capacidade e criatividade”, comentou em entrevista ao Alô Alô Bahia, em 2017.Um dos seus clássicos é a pulseira do Senhor do Bonfim, trabalhada em ouro e brilhantes. A peça, inspirada na fita do Senhor do Bonfim, caiu nas graças de celebridades internacionais, como as princesas Caroline e Stéphanie de Mônaco. Hebe Camargo e as amigas de Rodeiro, Flora Gil e Aurora Mendonça (Fotos: Reprodução) Em 2018, a pirataria se intensificou, até porque, as criações da Coleção Búzios, criadas em 2014 e mencionadas acima, passaram a aparecer todo santo dia na novela das 8, horário nobre da TV Globo. Os personagens de ‘Segundo Sol’, folhetim ambientado na Bahia, usaram muita coisa produzida por Rodeiro, embora esse bom uso não fosse novidade. Em 2011, colares, chokers, gargantilhas e braceletes já pintavam nos pescoços e pulsos do elenco de ‘Insensato Coração’. 

Filantropia e amizade Coração sensato e caridoso, Rodeiro era conhecido pela solidariedade.“A vida inteira eu me preocupei em ajudar tanto os amigos que passavam por alguma dificuldade quanto instituições de caridade”, disse o joalheiro que, durante a pandemia, intensificou o auxílio com doações, além de manter todos os funcionários, inclusive seus ourives. “Foi minha prioridade”, revelou ao Alô Alô. Deborah Secco, atriz de 'Segundo Sol', e Ivete Sangalo (Fotos: Reprodução) Pessoa muito próxima de Rodeiro, o maquiador e fotógrafo Fernando Torquatto fez um post emocionado sobre a amizade que cultivava com o joalheiro há mais de 15 anos. A publicação foi feita na última terça-feira (20), quando o estado de saúde de Rodeiro já era bastante delicado, por ocasião do Dia do Amigo.

“Muito além da palavra, Carlinhos me mostrou muito cedo o que era ser parceiro, apoiar o outro, criar oportunidades, dar atenção, carinho, afeto, estar sempre pronto pra se divertir, mas também pra chorar junto e ser o ombro mais acolhedor do universo. Sempre soube que tendo ele por perto, nada de mal me aconteceria”, postou Torquatto, ao escolher Carlinhos como uma das melhores personificações do adjetivo. “Você é e sempre será um Sol nas nossas vidas”, concluiu.

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Outra amiga muito próxima, a empresária Regina Weckerle faz coro. “Carlinhos é uma pessoa de excelente coração, sempre pronto a apoiar os amigos em qualquer momento das suas vidas”, comentou ela, dias antes do falecimento. 

Pioneirismo Regina Weckerle, que é dona da grife Paradoxus e acompanhou o início da trajetória do joalheiro, também relembrou a longa rodagem de Carlos Rodeiro até o sucesso. Durante as quase quatro décadas de atuação, ele conquistou uma clientela fiel e disseminou pioneirismos no comércio de luxo e na divulgação da Bahia mundo afora. Chegou a ter uma vila de lojas com seu nome, a Villa CR, na Bahia Marina, período em que sua fama já estava mais que consolidada. Reynaldo Gianechini, Maíra Azevedo, Paula Fernandes, Paolla Oliveira e Claudia Raia (Fotos: Reprodução) Porém, muito antes disso, trilhou um longo e difícil caminho para se tornar uma referência em design de joias, um astuto divulgador e negociador de seus trabalhos e, claro, o maior anfitrião da Bahia.

“Eu conheço Carlinhos há 34 anos. Iniciamos juntos a nossa carreira de lojistas no Shopping Barra. Apesar da loja dele ser naquela época no segundo piso, e a Paradoxus no terceiro, nos tornamos muito próximos e formamos junto com Lia Ferreira, Claudia Costa, July um grupo que participava de vários programas sociais, além de termos feito muitos eventos de loja em parceria”, relembra Weckerle sobre a gênese da CR Joias, hoje no andar de cima.

Todo ano, a principal vitrine de apresentação das novas coleções de Rodeiro era a semana de moda do Shopping Barra, o badalado Barra Fashion. “Era um show sempre muito aguardado. Os lugares na sua plateia eram disputados. (...) Ele consolidou a fama no decorrer da vida de lojista, principalmente após a criação de coleções desenhadas por ele próprio”, comenta Weckerle. Daniela Mercury e Carlos Rodeiro durante o Barra Fashion (Foto: Divulgação) Uma das edições mais marcantes foi em 2018, quando a cantora Daniela Mercury, usando um vestido longo e dourado, trouxe as peças da nova coleção à passarela. O joalheiro escolheu a modelo a dedo. “Ela é a artista que melhor representa a cultura e a religiosidade da Bahia no Brasil. Daniela sempre trabalhou com os elementos do candomblé em suas músicas e espetáculos”, comentou Rodeiro, na ocasião. 

Regina Weckerle lembra que ao amigo não faltava cacife para empreender.“Ele sempre foi também um vendedor nato. Comentava conosco que ainda rapaz, de seus 18 anos, já começou a vender joias, atendendo os clientes em suas residências. Sempre teve o dom de captar o estilo do cliente e sugerir a peça que lhe cairia melhor. Daí a sua ascendência sobre a clientela. Tornou-se amigo de grande parte”, destaca ao mencionar a astúcia e obstinação do amigo.Voos mais altos Essa aspiração a voos cada vez mais altos levou Rodeiro à criação de escritórios em São Paulo e Paris, além de uma representação numa loja multimarcas em Mônaco. O passo mais sonhado, no entanto, ficou no projeto: entrar no mercado de Nova York. Léo Santana e Anitta com joias de Rodeiro (Fotos: Reprodução) Quem lembra dessa intenção de invadir Manhattan é Torquatto. Quase dez anos antes, numa minibio para a Revista Quem, ele “apresentava” o amigo ao Brasil dessa forma: “Designer conhecido por transformar em joias ícones da fé popular da Bahia, como símbolos do candomblé e do catolicismo. Entrou no mundo das pedras preciosas aos 16 anos, quando reuniu um grupo de compradores para apresentar a um joalheiro. A iniciativa deu tão certo que, em três dias, o baiano comprou um carro.”

Sucesso precoce, Torquatto lembra também que Rodeiro abriu o primeiro escritório ainda aos 18. “Depois disso, fez curso de ourives e, em seguida, montou sua primeira oficina. Hoje, possui três lojas na Bahia”, dizia em 2009. Hoje, o principal legado de Rodeiro é uma legião de admiradores enlutados por perda tão precoce e trágica. Quem vai cuidar do espólio serão pai, mãe e dois irmãos, que acompanhavam sua carreira de perto. Patrícia Poeta e Lilia Cabral usam joias de Rodeiro (Fotos: Reprodução) Grande anfitrião da Bahia Na sua chegada ao céu, Carlos Rodeiro merece a melhor recepção, e tudo por uma questão de compensação. Nos círculos sociais mais badalados da cidade, há muitos anos, era tido como um dos melhores anfitriões da Bahia. 

“Ele recebia gente o tempo todo, no apartamento do [Edifício] José Silveira [no Corredor da Vitória], em um flat também na Vitória e em uma lancha, que estava sempre repleta de amigos. As festas mais animadas e concorridas de Salvador eram as dele, tanto as da empresa quanto as da pessoa física”, lembra um amigo próximo, que prefere não se identificar.

“Houve jantar da Dom Perignon no apartamento dele, lançamento de nova edição de IstoÉ Gente, festa do Alô Alô Bahia, e o almoço de Carnaval, que era tradicional aos domingos, e eram os mais badalados. Teve ainda almoço em torno de Gilberto Gil, aniversário de Marlon Gama... E sempre no dia 24 de dezembro ele promovia uma grande festa de Natal, que varava a madrugada. Sem contar que no verão, o apê dele recebia todas as celebridades que estavam de passagem pela Bahia, além de jornalistas”, continua a fonte.

O jornalista e colunista do CORREIO, Osmar Marrom Martins, confirma essa fama de longa data. “Carlos Rodeiro foi um dos personagens mais influentes na sociedade baiana não só como joalheiro, mas como anfitrião que recebia amigos e celebridades em seu apartamento no Corredor da Vitória”, afiança. 

Com a morte de Carlos Rodeiro, asseguram todos que com ele conviveram, a Bahia perde um tanto do seu brilho.