Carnaval pra cima dessa onda careta

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  • Fernando Guerreiro

Publicado em 29 de fevereiro de 2020 às 11:35

- Atualizado há um ano

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Mascarados voltaram a aparecer no Carnaval de Salvador (foto/Betto Jr.) Cresci e me entendi como gente no Carnaval: isso mesmo que você está lendo caro amigo, cara amiga. Aos 7 anos, minha família, toda foliã, já me levava para a avenida para “apreciar” a pândega. Não sei se por opção, ou por falta de, a verdade é que me vi solto naquele mundo fantástico, colorido, lúdico e aparentemente sem regras, em plena infância. Na época, predominavam as “caretas” e as batucadas, cadeiras eram colocadas nas calçadas e a festa terminava ao entardecer, pois “gente de bem” (sic) não podia ficar nas ruas à noite.

Logo, o negócio foi evoluindo e aos 11 saí no Broco do Jacu, Broco mesmo, com R, e não parei mais. Passava o ano contando os dias e não havia proposta que me afastasse da festa. E ela se enraizou em minha vida de tal forma que arrisco dizer que foi determinante na minha formação como artista e cidadão."Liberdade. Palavra-chave dos dias de Momo, pautou minha paixão pela ausência de regras."Lá podíamos fazer de tudo, ou quase tudo, inventando, transgredindo, inovando. Tudo podia acontecer, a cada minuto, cada virada de rua, cada bloco que se aproximava. A vida pulsava numa velocidade e colorido ausente da rotina chata do dia a dia. Me esbaldava e aproveitava cada minuto, num caleidoscópio delirante de sensações. Nada era proibido, e dançávamos, pulávamos e cantávamos como se não houvesse amanhã.

Diversidade. No asfalto dos cordões vi muita gente diferente, o primeiro travesti, Valéria, no Jacu; o primeiro bloco de índios, o Apaxes do Tororó; o primeiro trio elétrico, o Tapajós, com seus acordes eletrizantes; os primeiros artistas; o primeiro beijo; a primeira agarração. A0 som de Chuva, Suor e Cerveja, fui escorregando até a Praça Castro Alves e me apaixonei. Queria morar naquele território livre, em que todos se amavam, formando uma grande família coordenada por Baco e Gregório de Matos. Lá aprendi a ser artista, única forma de prolongar aquela sensação lúdica durante o ano inteiro.

Invenção, o tempo todo. Cada ano um novo ritmo, uma nova dança, novas músicas, fantasias. Passei pelos Novos Baianos, Trio de Armandinho Dodô e Osmar, blocos afro, afoxés, axé music, Daniela, Ivete, Bell, Luiz Caldas, Laurinha e Sarajane, pagodão, com direito a dança da garrafa, Carla Perez, bloco com corda, pipoca, bloco sem corda, camarotes, Mascarados com sua diva Margareth, caretas, fantasias, mortalhas, macacão, abadá, novamente fantasias, Brown e BaianaSystem. Não tem movimento mais criativo no mundo, alguém duvida? E haja novidade, ideias para montagens, criações, conversas, movimentos, tendências. Existiriam Tropicalistas ou Tribalistas, sem o Carnaval? E Ney Matogrosso e A Bofetada e Los Catedrásticos e o Bando de Teatro Olodum? Jamais, em tempo algum!"Identidade, RG, CPF. Minha persona pública e privada se desenhou a partir do furdunço momesco."Guerreiro veio de alguma escola de samba, de algum bloco de índio, de alguma agremiação carnavalesca. Meu humor, meu estilo, deboche, senso crítico, impaciência, noção de ritmo, agonia, pressa, criatividade e outras coisitas mais foram geradas pelos deuses terrenos carnavalizados.

 Minha estética exagerada, minha maneira rasgada de fazer humor, meu gosto pelas cores, pelas pessoas barulhentas, expostas, sinceras, surpreendentes: tudo Carnaval. Minha paixão pela verdade, meu horror pelo falso, dissimulado, disfarçado. No mês de fevereiro temos o espaço em que as pessoas abandonam as máscaras e se revelam. Contraditório, reverso ou revelador?  Tudo isso e muito mais!"Por tudo isso e muito mais, vou amar o Carnaval e pular na rua até quando meu corpo aguentar, no meio do povo, em cima do trio, no bloco de corda, sem corda, no camarote, na praça, na Barra, na Avenida, no Pelô, em outra cidade, onde estiver, vou brincar e agradecer a esta festa que me ensinou a ser o que sou e como sou.  Muito obrigado, Rei Momo!"E vamos ser mais foliões para batermos de frente com esta onda careta e conservadora que quer se “botar” em cima da gente. Folia nesta galera maldita, alegria nesta turma recalcada, verdade nesta turba hipócrita, amor nestas pessoas que só sabem blasfemar e odiar! Paz para estas almas turbulentas e inquietas, destrutivas e negativas. Não preciso mais me guardar para quando o Carnaval chegar, como dizia Chico Buarque, ele está aí o ano inteiro e vai passar de trator (rsss) em cima destas almas sebosas!

Fernando Guerreiro gravou uma série massa sobre Carnaval. Reveja os vídeos: