Carneiro Ribeiro, um dos maiores baianos da História, falecia há 100 anos

Filho de família humilde de Itaparica, educador e filólogo travou batalhas intelectuais históricas com Ruy Barbosa sobre o Código Civil brasileiro; polêmica agitou jornais

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  • Nelson Cadena

Publicado em 1 de outubro de 2020 às 05:00

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Fotos: Reprodução Em 13 de novembro de 1920 falecia em Salvador, vítima de uma erisipela, Ernesto Carneiro Ribeiro, um dos baianos mais ilustres de todos os tempos, educador e filólogo de uma inteligência extraordinária. Então, era o presidente da Academia de Letras da Bahia, o primeiro da instituição fundada por Arlindo Fragoso em 1917.

Carneiro Ribeiro, itaparicano de família humilde, submeteu-se a todos os concursos públicos que o magistério exigia, naquele tempo, até se tornar uma referência de educador, na Bahia e no Brasil, admirado e louvado por seus discípulos, dentre eles, JJ Seabra, Euclides da Cunha, Rodrigues Lima, Braz do Amaral e o Conselheiro Rui Barbosa. Era chamado de mestre, sábio e venerado. 

O nome de Carneiro Ribeiro ganhou dimensão nacional, a partir da polêmica em torno da redação do novo Código Civil, travada com o seu discípulo Ruy Barbosa, em 1902, em alto estilo, repercutida pela imprensa.

Nelson Werneck Sodré, no seu livro sobre a história da Imprensa no Brasil, salientou o impacto do debate: “a polêmica se desenvolveu tempestuosa, ocupando a atenção dos jornais”. E, não pense o leitor que se deu em breves discursos, ou com um par de laudas publicadas. Mais de um milhar de páginas foram escritas pelo mestre e discípulo. E quem tinha razão? Provavelmente, os dois. 

Em janeiro de 1902, José Joaquim Seabra, presidente da Comissão Especial do Código Civil, na Câmara de Deputados, convidou Carneiro Ribeiro, referência de maior filólogo do Brasil, para emitir um parecer sobre a redação do documento.

Após recusar, pelo pouco tempo disponível, quatro dias apenas, aceitou a tarefa da revisão gramatical de 1832 artigos, encaminhando seu parecer ao Senado, apontando as falhas no vernáculo e sugerindo nova redação.

Ruy Barbosa não gostou, mais por motivos políticos do que por outra razão, já que Seabra lhe fazia velada oposição. E, emitiu um longo parecer condenando o de Carneiro Ribeiro, publicado no Diário do Congresso, em 27/07/1902. 

A réplica não tardou a acontecer. Carneiro Ribeiro refutou o texto de Ruy no opúsculo “Ligeiras observações sobre as emendas do Dr. Ruy Barbosa”. O sábio baiano não mediu as palavras. Na sua análise detalhada considerou o artigo 232 como “emenda obscura e de péssima construção”.

Este tópico, Ruy refutou na sua tréplica: “A obscuridade não se determina por conta, peso ou medida, nem se afere a regras de sintaxe”. Ruy condenou ainda as expressões “fazer casamento, fazer interrupção, fazer prestações...”, inseridas por Carneiro Ribeiro que, na sua tréplica, justificou: “Se algumas dessas locuções, em cuja composição entra o verbo fazer, são hoje tidas por antiquadas, não se pode tachar de antivernácula a expressão interrupção feita”. 

Carneiro Ribeiro salientou o exagerado uso de cacofonias no texto de Ruy, o senador justificou citando a obra de Gonçalves Dias e Machado de Assis. A querela gramatical entre os dois baianos não se esgotou no tempo da aprovação do Código. Em 1905, Carneiro Ribeiro publicou um calhamaço de 900 páginas intitulado “A redação do Projeto de Código Civil e a réplica do Dr. Ruy Barbosa”.

A acirrada polêmica não desfez a admiração mutua e amizade. Passado o calor das lutas gramaticais, Carneiro Ribeiro chamou Ruy de “gênio admirável e assombroso”. E Ruy se referiu ao seu patrício como “o mais sábio de meus antigos mestres”. E lhe rendeu bela homenagem póstuma, comovido com a notícia de seu passamento: “grande luzeiro que se apaga nos cimos da cultura nacional”. 

*Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras.