Cartas para minha mãe: 'Ainda vou chorar um pouco, porque a falta é grande'

Seis filhos com diferentes vivências da pandemia contam suas histórias e deixam mensagens às mães

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  • Thais Borges

Publicado em 8 de maio de 2021 às 10:59

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Fotos: Acervo pessoal

Mães e mainhas, a gente sabe que não está sendo fácil - e que continuará assim por um tempo. Talvez vocês não consigam encontrar seus filhos e filhas neste domingo (9). Ou quem sabe sejam eles a chorar pela sua ausência. 

Esse vai ser um Dia das Mães de reflexão para a maioria das famílias baianas. Com a pandemia, vieram novos arranjos, novos hábitos e muitas perdas.  É difícil encontrar alguém que não conheça quem tenha perdido um ente querido para a covid-19, no mínimo.

Esse contexto transformou a maternidade em um desafio duplo, como explica a psicóloga Sara Santon, psicanalista e sócia do Espaço Lar Saúde."Foram diversas descobertas e medos que essas mulheres passaram a enfrentar dentro da pandemia, sejam as grávidas, as mães de crianças, as mães de adultos. A preocupação está para todas", analisa. O momento, por si, amedronta. Isso porque a preocupação também vem duplicada: é com a própria vida, mas também com os filhos. Ao longo do último ano, Sara aponta que muitas mães passaram a desenvolver questões psicológicas como ansiedade, depressão e síndrome do pânico. Assim,  a maternidade pandêmica ficou mais exaustiva. 

"A maior parte das mulheres passou a ter que cuidar de alguém na pandemia, sejam os filhos, pais, parceiros, companheiros. É sempre essa mulher cuidando de alguém, tendo responsabilidade com alguém. Isso trouxe muita mudança, força e ressignificação de quem são elas, do poder delas", ressalta.

Nesse momento, é importante acolhê-las, ouvi-las, apoiá-las.  "É tirar a mãe do lugar de Mulher Maravilha e abraçar, para que todo mundo fique bem e a gente consiga passar por isso. É importante que elas também aprendam a lidar com essa fragilidade", completa a psicóloga. 

Mensagens Por isso, a edição do CORREIO deste fim de semana decidiu dar voz a filhas e filhos com diferentes vivências da pandemia. Pedimos a cada um que, além de contar um pouco da história das famílias, deixasse mensagens para suas mães. O que gostariam de dizer a elas neste dia de hoje? O que compreender nesses tempos tão difíceis que acham que elas deviam saber? 

Estamos chamando essas mensagens de “cartas para minha mãe". Ainda que sejam homenagens dedicadas a pessoas bem específicas, elas são cartas abertas - e justamente porque acreditamos que são mensagens podem inspirar muitas outras mães, filhas e filhos neste domingo. 

Do filho que perdeu a mãe para a covid-19

Na casa em que o administrador Júnior Lopes, 52 anos, cresceu, uma panela de feijão se multiplicava. "Se chegassem dez pessoas, comiam as dez. Se chegassem 30, comiam as 30", lembra. A responsável pela 'mágica' era a dona de casa Vera, sua mãe, que ficou conhecida pela generosidade, mesmo nos momentos em que não tinha muito. 

Júnior é o segundo de seis irmãos criados no bairro do Uruguai, na Cidade Baixa. Ainda que todos fossem muito unidos, ele sempre foi muito próximo da mãe. Moravam no mesmo condomínio e tomavam café juntos quase todos os dias. "Graças a Deus, eu vivi muito o amor de minha mãe", diz. Dona Vera, morreu no dia 16 de março, vítima da covid-19.  Júnior e a mãe, Vera, eram muito próximos e até moravam no mesmo condomínio (Foto: Acervo pessoal) Ela ainda não tinha tomado nenhuma das doses da vacina. Pelo cronograma da campanha de vacinação em Salvador, pessoas com a idade dela - 71 anos - só começariam a receber os imunizantes exatamente uma semana depois, no dia 23 de março. Júnior, já vacinado por trabalhar em uma instituição de longa permanência para idosos, também testou positivo para covid-19 alguns dias depois, mas só perdeu o olfato e o paladar. 

Quando os sintomas dela começaram, Júnior foi para a casa da mãe. Foi passar aqueles dias lá para cuidar dela. Uma de suas irmãs, que também mora próximo dos dois, já tinha sido diagnosticada com covid-19 e cumpria o isolamento em sua casa. "A coisa aconteceu muito rápido, em uma semana", lembra.No final de semana, Vera tinha reclamado de algumas dores. Na segunda-feira, foi ele quem acordou sem olfato e paladar. Na sexta-feira da mesma semana, sua mãe precisou ser internada - a saturação estava muito baixa. No dia seguinte, a manhã de sábado, dona Vera já estava na UTI. 

Na segunda-feira, Júnior e a irmã foram chamados ao hospital. Como tinha trabalhado por muitos anos na área de saúde, ele já imaginava do que se tratava: era a notícia que não queria receber. Ao chegar lá, soube que a mãe não tinha resistido. "Foi muito chocante para a gente. Uma sensação muito triste, porque, no dia que a levamos ao hospital, ela pediu para não ir. Ela disse que sabia que, se fosse, ia morrer lá mesmo", conta o administrador. Nos últimos meses de vida, dona Vera vinha reclamando da solidão. Não queria ficar tanto tempo só. Por isso, os filhos estavam planejando que ela se mudasse para a casa de uma tia que também vivia sozinha. Mas veio a segunda onda e atropelou as coisas. Os planos foram colocados em suspenso por um tempo - até que as coisas se acalmassem um pouco. Porém, não deu tempo. 

Dois dias depois da partida de dona Vera, Júnior publicou um texto para ela. Queria homenageá-la e também acreditava que era uma forma de confortar a si mesmo. “Ainda vou chorar um pouco, pois a falta é grande. Ainda ontem, queria ter ouvido sua ligação me perguntando se iria tomar café. Me deu um vazio, mas um vazio tão grande”, escreveu, na ocasião. 

A pedido do CORREIO, ele deixou outra mensagem para dona Vera, na qual fala sobre como foram os últimos dois meses sem ela.  Júnior (no centro) é o segundo dos seis filhos de dona Vera (à esquerda, com a filha no colo) (Foto: Acervo pessoal) Carta aberta à mãe Vera

“Mãe, os dias estão passando e a gente fica com o sentimento de que tudo continua do mesmo jeito. Sabe aquela ligação na hora do café? Todos os dias fico esperando. O coração aperta e os olhos se enchem de lágrimas, mas sei que você não ia querer me ver triste, então me refaço para enfrentar as batalhas da vida, agradecendo e orando, como você me dizia todos os dias. Hoje quero agradecer por você ter me permitido fazer parte da sua, tão iluminada, vida. Guardo em mim um orgulho muito grande de você ter me ajudado a ser a pessoa que sou. Amo muito você e guardo para sempre o carinho que recebia todos os dias. Fique em paz”.

Da filha que também é mãe e está na linha de frente contra a covid-19

Há um ano, a fisioterapeuta intensivista Thaiane Barroso, 34 anos, encara um dos maiores desafios da carreira: as UTIs de covid-19. Hoje, ela trabalha em três hospitais - dois deles totalmente dedicados a pacientes com o coronavírus, o Espanhol e o Metropolitano. 

Mãe de Maria Alice, 3 anos, ela tem conseguido lidar com essa rotina graças ao apoio da mãe, a assistente social Maria do Socorro, 63. "É extremamente desgastante, porque a gente está lidando com morte e vida todos os dias. Nesse momento que me encontro tão cansada, eu tenho o apoio de minha mãe em relação à minha filha", conta. 

O marido, também fisioterapeuta na linha de frente, tem vivido dias parecidos. Sem a própria família como rede de apoio, provavelmente não conseguiriam ajudar outras tantas famílias.  Thaiane, na linha de frente da covid-19, encontra apoio na mãe, Maria do Socorro, para cuidar de Maria Alice (no centro) (Foto: Acervo pessoal) “Minha mãe, nesse momento, tem sido meu principal cuidado, fonte de amor e carinho. Ela tem sido meus braços direito e esquerdo e minhas duas pernas. Está sempre disposta e cheia de amor para dar à minha filha. Isso me deixa muito tranquila quando estou trabalhando”, diz. O exemplo do cuidado com os pacientes veio da própria mãe. Dona Maria do Socorro tem experiência na área de saúde. Hoje, está prestes a se aposentar, mas os filhos sempre a viam sendo atuante - além de Thaiane, ela tem um filho que mora no Canadá. 

Assim, a fisioterapeuta acaba sendo a única filha que está fisicamente perto da mãe. "Mesmo assustados com tudo, ela e meu pai abriram a porta da casa deles para receber minha filha, que tem contato comigo e meu marido. Eles se submetem a ficar com máscara com ela em casa”, explica. 

Desde que Maria Alice tinha nove meses de idade, Thaiane trabalha com plantões. Mesmo com a vida de hospital, as duas são muito apegadas; Maria Alice mamou até os dois anos. "Passar um tempo longe da minha filha me faz sofrer demais, mas acredito que seja algo temporário. Fiz essa escolha por entender a necessidade que o momento nos impõe. Ela sempre me surpreendeu por ser uma menina muito compreensiva em relação à minha ausência", diz. Com a pandemia, ela aprendeu mais com outro exemplo da mãe. Para administrar o cotidiano tão exaustivo no trabalho com os horários de Maria Alice, ela teve que organizar melhor o próprio tempo. 

“A rotina com minha filha exige um gerenciamento muito próximo, todo um cuidado com quem vai levá-la, quem vai buscá-la. Minha mãe sempre foi muito organizada e sempre foi muito líder em relação a isso, a ter esse papel dentro de casa. Eu tenho feito isso da melhor forma que posso porque eu sempre vi minha mãe fazendo”, completa.  Com a mãe, Thaiane aprendeu a organizar a rotina de trabalho e de cuidados com a filha (Foto: Acervo pessoal) Carta aberta à mãe Maria do Socorro

“Minha mãe, 

Neste momento em que nossos abraços estão distantes, mas nosso coração permanece unido no amor e no apoio, eu queria dizer que, estando na linha de frente contra a covid-19, vi muitos filhos perderem suas mães e muitas mães perderem seus filhos. 

Assistir a toda essa tristeza me fez valorizar ainda mais a sua presença, o seu amor e todo o apoio que a senhora tem me dado. A senhora me ensinou a ser uma grande mulher, forte, batalhadora, cheia de caráter e valores. Eu desejo do fundo do meu coração que essa vacina chegue a todos, que nenhum mal lhe atinja, atinja meu pai e atinja a nossa família. E que, em breve, a gente possa se abraçar, estar perto, comemorar. 

Muito obrigada. Gratidão por tudo que a senhora significa na minha vida. Por todo o apoio que a senhora me dá, por todo o amor que a senhora tem à minha filha e à minha família. Feliz Dia das Mães, te amo muito. Um beijo”. 

Da filha que voltou para a casa da mãe na pandemia

Nos últimos meses, a professora de Filosofia Mariana Moreira, 29 anos, viu a vida mudar em muitos aspectos. Primeiro, com o trabalho. Antes, dava aulas de Filosofia e Arte para alunos do Ensino Médio, na rede estadual, em Araci, no Nordeste baiano. Mas, em março do ano passado, os encontros presenciais foram suspensos. 

Desde 2019, ela morava em Serrinha, com o então esposo, com quem estava casada desde 2015. A mãe de Mariana, a enfermeira Maria Auxiliadora, 57, continuou morando em Salvador. Pelo trabalho e a distância entre as cidades, as duas se viam com menos frequência. Mas, em setembro de 2020, tudo mudou. Mariana se separou e, sem aulas presenciais, voltou para Salvador, para a casa da mãe. "Nossa relação sempre foi muito tranquila. Minha mãe sempre foi muito livre, era muito de nos dar autonomia. Nos falávamos muito por Whatsapp, mas por ligação mesmo era menos. Mas voltar para cá foi automático. Já estava sem aula e, quando me separei, falei: vou para onde? Para a casa de minha mãe", lembra. Mariana sempre soube que as portas estariam abertas na casa de dona Maria Auxiliadora. A mãe sempre deixou claro que, ainda que ela tivesse ido morar em outro lugar, se preciso fosse, que voltasse para casa. 

Ainda assim, a experiência agora é diferente. Antes de sair de casa pela primeira vez, a palavra final nas decisões da família eram da mãe. Era dona Maria Auxiliadora quem tinha a responsabilidade central na casa. 

“Não era uma tutela, porque ela sempre deixou a gente livre. Mas quando eu volto em outro momento da vida, a relação é mais horizontalizada, até pela questão financeira. Eu e minha irmã sempre vemos a melhor forma de prover as coisas e minha mãe também se permite nesse movimento, porque vejo que é muito difícil para algumas mães e alguns pais permitirem que os filhos tomem as rédeas”, analisa.  Mariana (na ponta à direita) voltou a morar com a mãe e a irmã (Foto: Acervo pessoal) Com o novo momento da família, vieram os aprendizados. A volta da convivência diária fez com que Mariana aprendesse mais sobre a mãe - e até entendesse o que nem sempre entendia antes. Agora, as polêmicas ficam restritas a temas como o Big Brother Brasil, reality que acabou na última terça-feira (4). 

"Minha mãe sempre foi de dizer que o tempo vai resolver. Eu compreendo que é uma forma de resiliência, mas discordo em alguns momentos. Então eu tento entender. Já era assim antes, mas agora mais", conta. 

Carta aberta à mãe Maria Auxiliadora

“Mãe, 

Queria te dizer que eu te amo, que eu tento ao máximo compreendê-la, por mais que nem sempre seja fácil. Nem sempre a gente entende as razões das nossas mães, mas eu gostaria de dizer que sei que tudo que você sempre fez é o melhor, pensando no bem das filhas. 

Toda sua vida foi dedicada às filhas e acho que a gente faz com que você se orgulhe daquilo que tentou plantar em nós. Acho que a gente retribui muito, nessa mesma medida. 

Nesse Dia das Mães tão especial, quero agradecer por ser sua filha. Muito obrigada por tudo, minha mãe. Meu orgulho, meu amor. Te amo profundamente. Um beijo em seu coração, feliz Dia das Mães”. 

Da filha que também é mãe e tem vacinado outras mães 

Desde fevereiro, a técnica de enfermagem Ivana Nascimento, 28 anos, tem devolvido esperança a muitas famílias. Ela é uma das vacinadoras da campanha de imunização contra a covid-19 em Salvador. 

Mas, como mãe do pequeno Iago, 2 anos e 8 meses, não conseguiria dar conta da rotina na vacina e nos plantões em uma clínica psiquiátrica sem a ajuda da mãe, a dona de casa Joselita, 52.  Enquanto Ivana trabalha como vacinadora, Iago fica com a avó, Joselita (Foto: Acervo pessoal) "Com um filho pequeno, a gente teve que fazer uma estrutura. Minha mãe é quem toma conta do meu filho, enquanto estou trabalhando, junto com meu pai e meu marido", conta. Quando começou a vacinar outras pessoas, Ivana nem mesmo tinha sido imunizada. Ela só recebeu a primeira dose em 28 de fevereiro. Por ter sido com a vacina da AstraZeneca, cujo intervalo é de três meses entre as doses, ela só deve completar a imunização no próximo dia 28. 

"Para mim, foi uma emoção grande quando tomei, mas também tem sido uma honra. Quando vacinei a primeira pessoa, dediquei à minha mãe. A pessoa até perguntou se eu estava nervosa, se tinha experiência. Mas falei que sim, só que estava emocionada", diz. 

Atuante no distrito sanitário do Subúrbio Ferroviário, ela já passou por todos os postos da região que fazem a vacinação. Sempre que Iago a vê saindo para trabalhar, pergunta se vai vacinar. "Eu digo que sim, que vou para a vacina e ele fala 'tá bom, mãe, tchau'. Quando chego em casa, tenho que ficar quieta para tomar banho e só depois pegar ele. É meu super protetor. Não pode me ver sentindo dor, que já vem querendo cuidar. É meu grude", conta Ivana. Por isso, a relação com a mãe, dona Joselita, ficou ainda mais forte. Na família, por enquanto, só Ivana e a avó, que tem 73 anos, tomaram alguma dose da vacina. "Ficava com muito medo de levar o vírus para casa, porque eu pego condução. Mas estamos todos seguindo os cuidados e ninguém lá se contaminou". 

Com a pandemia, ela diz que aprendeu a dar mais valor à mãe e às pessoas que ama. "Tem tanta gente perdendo filho, perdendo mãe. Por isso, temos que dedicar 100% à família. Eu aprendi a ficar ainda mais próximo, a dar ainda mais. Sempre que posso estou perto da minha mãe".  Dona Joselita tem sido uma das maiores apoiadoras da filha, Ivana, na criação de Iago (Foto: Acervo pessoal) Carta aberta à mãe Joselita

"Mãe, 

Esse é um agradecimento pela luta que você teve para me criar. Foi assim que me tornei uma mãe de família. Minha palavra para você seria, resumidamente, gratidão. 

Te amo muito e não saberia dizer o que seria de mim hoje se não tivesse você. Mãe nenhuma cuida do meu filho como você cuida". 

Da filha que ganhou uma filha em meio ao luto

O Dia das Mães se tornou uma data difícil para a estudante de Direito Maiquele de Jesus, 26, desde que perdeu a mãe, Ivete, há cinco anos. No entanto, ela não imaginava que este domingo ganharia um novo significado. Em meio à tristeza pela morte de quatro pessoas da família por covid-19, em março, em Ilhéus, no Sul do estado, ela descobriu a maternidade. 

A bisavó, a avó e a mãe da bebê Agnes morreram no intervalo de uma semana. O pai da menina, que ficou internado por cerca de 40 dias, morreu no dia 18 de abril.Agnes, que tinha apenas quatro meses, passou os primeiros dias com o avô. Depois, ela foi ficar sob os cuidados de Maiquele e Kelly, companheira dela, que é irmã do pai biológico de Agnes. "A gente não imaginava o que ia acontecer", lembra Maiquele.A própria Agnes chegou com covid-19. Maiquele e Kelly também acabaram se infectando, mas todas se recuperaram. Na época, nada estava definido. As duas acreditavam que cuidariam da neném até que o pai dela se recuperasse. "Nós estávamos vivendo um pesadelo. É um pesadelo perder várias pessoas da família de uma forma tão louca", diz.  Maiquele e a companheira, Kelly, entraram com processo pela guarda da pequena Agnes (Foto: Acervo pessoal) Maiquele chegou a comentar com Kelly que, se a mãe estivesse aqui, apoiaria a decisão das duas de cuidar da menina. "Sei que ela ia abraçar Agnes como uma neta mesmo, assim como nós a estamos abraçando como uma filha a partir de agora. Tenho certeza que minha mãe ia me ajudar nessa criação", acredita. 

Ela e dona Ivete sempre tiveram uma boa relação. Eram aquele tipo de mãe e filha que podiam se considerar amigas. Conversavam sobre tudo; trocavam confidências sobre os primeiros amores da filha. "Acho que todo mundo fala isso da sua mãe, mas ela era aquela mãe maravilhosa, que procurava fazer de tudo para me ver feliz", lembra. No entanto, dona Ivete começou a adoecer. Descobriu que tinha diabetes e começou a adoecer muito. Chegou a perder alguns movimentos. Mesmo com as limitações, sempre esteve presente. E sempre contou com o apoio de Maiquele e do irmão dela. 

No dia 26 de dezembro de 2015, dia do aniversário de Maiquele, Ivete sentiu uma febre. Tomou um remédio e ficou bem. Dois dias depois, voltou a se sentir mal e foi ao hospital. Lá, foi liberada. Mas, no fim do dia, parecia estar falando coisas estranhas. No caminho ao hospital, parou de falar.  Maiquele e a mãe, Ivete, eram muito próximas (Foto: Acervo pessoal) "Todo mundo ficou desesperado e ela foi para o oxigênio. Na madrugada, foi para a UTI. Às 6h da manhã do dia 29, o hospital nos ligou para irmos lá e deu a notícia. Ela não ficou nem três horas na UTI", lembra Maiquele. Ivete teve um derrame cerebral.

Hoje, Maiquele consegue enxergar em Agnes uma das características mais marcantes de sua mãe: estar sempre sorrindo. "Até dormindo, Agnes está sorrindo. Mesmo sem saber o que está acontecendo, ela me ensina muito, porque está sempre alegre", afirma. 

A jovem sempre quis adotar uma menina. Costumava comentar com a companheira, que já tem um filho de 13 anos, que queria fazer isso quando se formasse na faculdade e tivessem mais estabilidade financeira. Com o consentimento do avô materno e da avó paterna, o casal entrou com um processo pela guarda de Agnes, que fez seis meses.  Agora, os planos de Kelly (à esquerda) e Maiquele são com Agnes (Foto: Acervo pessoal) "A gente sempre prezou pelo bem-estar de Agnes. Com ela, tudo é um aprendizado diário. Ela já está engatinhando e todos os dias temos descobertas. Agora, todos os nossos planos são com ela. Em tudo, ela está incluída", completa.  Carta aberta à mãe Ivete

"Mãe, 

Eu falaria para você agora que 'você vai ser vovó'. Te falaria o quanto estou feliz com a maternidade. Hoje, já vejo Agnes como filha. Ainda chamo de 'titia', porque é tudo novo. Mas, no meu coração, já a sinto como uma filha. 

Queria te falar da felicidade que eu sinto, do quanto eu vejo que Agnes tem me transformado em uma pessoa melhor. 

Tudo se resume ao amor. Estou muito feliz nessa nova fase da minha vida e tenho certeza que teria seu apoio, seu sorriso. Eu sinto que sou amada por Agnes e é um amor muito intenso que sentimos. Acredito no propósito de Deus também". 

Da filha que já era mãe e teve gêmeos na pandemia

Por uma década, a mãe da jornalista Thatiana Seixas, 31 anos, foi sua técnica de ginástica rítmica. Mas a rotina de treinamentos que chegava a seis horas por dia tornava a relação das duas - dela e da técnica e professora universitária Silvia, 58, - mais complicada.

Thatiana gostava do esporte, mas queria que fosse um passatempo. "Porém, quando eu virei mãe, nossa relação virou outra. Ela é uma super avó e eu comecei a entender muitas coisas", explica a jornalista.  Por dez anos, Thatiana teve sua mãe, Silvia, como técnica de ginástica rítmica (Foto: Acervo pessoal) Sempre muito dedicada ao trabalho, Thatiana compreendeu melhor a ausência da mãe em casa quando teve Ricardinho, 3. Era Silvia quem estava ao seu lado orientando e apoiando a gestação. Depois que o menino nasceu, a nova avó não saía do lado da filha."Ela me ensinou a ser mãe. Me ensinou a dar banho nele. Tudo que eu tinha medo, ela me ensinou. Ela é muito presente na vida dos meus filhos", diz. Com a pandemia, a ajuda veio em outros aspectos. Primeiro, com o ensino remoto. Dona Silvia, experiente professora, foi quem ajudou nas aulas de Ricardinho em casa. Mas o menino, tão ligado à mãe, pedia sempre por um presente: queria um irmão. Sem esperar que a pandemia fosse durar tanto, Thatiana acabou engravidando de gêmeos. 

"A gente queria muito ter outro filho, mas veio a surpresa de que não era um, eram dois. Passamos por uma gestação muito difícil. Pedro teve dificuldade de crescimento, demorou para se desenvolver", lembra, referindo-se a um dos bebês. 

Semanalmente, ela tinha que fazer ultrassonografias. Cada ida ao médico trazia uma nova angústia. Por pouco, não precisou viajar a São Paulo para fazer um procedimento. Muito apegada à fé e à espiritualidade, conseguiu dar à luz quando os dois completaram 34 semanas. 

Os gêmeos Pedro e Antônio nasceram em janeiro. Precisaram ficar alguns dias internados na UTI neonatal, para completar o desenvolvimento - Antônio ficou por 11; Pedro por 19. "Hoje, os dois são completamente saudáveis e espertos. Não têm nenhuma sequela dos probleminhas que tiveram enquanto estavam na barriga", conta Thatiana.  Thatiana afirma que tem, na mãe, Silvia, uma grande parceira no crescimento dos filhos Ricardinho (à esquerda), Antônio (de Flash) e Pedro (de Batman) (Foto: Acervo pessoal) Silvia já tem chegado junto com os netinhos mais novos. No doutorado, ela pesquisou a psicomotricidade. Por isso, já fazia exercícios de desenvolvimento com Ricardo desde cedo."Mesmo com um ano, quando tive que colocá-lo na escola, eu já recebia muitos elogios do desenvolvimento dele. Agora, ela está fazendo o mesmo com os meninos sempre que pode. Ela vira os meninos do avesso. E me aconselha muito, se preocupa muito", diz a filha. Proprietária de uma empresa de ginástica rítmica, a Gym Clube, Silvia também é professora da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). Antes da pandemia, se dividia entre as aulas do esporte para crianças e adolescentes e as idas a Feira de Santana duas vezes por semana. 

Ficou conhecida por oferecer bolsas a muitas alunas que não tinham como pagar, mesmo nos momentos em que ela própria esteve com dificuldades financeiras. "Ginástica é um esporte caro, o material é caro. E ela tem muitas bolsistas. Ela não deixa de acolher meninas que têm talento e, principalmente, comprometimento", orgulha-se Thatiana. 

A maternidade e a pandemia fizeram com que ela entendesse mais esse lado da mãe. Silvia, que é árbitra internacional, chegou a atuar em competições como os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro, em 2007. 

"Ela tem muito essa coisa com a carreira bem forte, que, quando criança, eu sentia falta. Eu tinha muito a técnica, mas sentia falta da parte mãe. Hoje, é uma coisa que eu entendo que a mulher tem que se virar", completa. 

Carta aberta à mãe Silvia 

"Mãe, 

Quero dizer que hoje eu entendo muitas coisas que, quando criança, eu não entendia e ficava até chateada. Eu achava que você trabalhava muito forte, então é sobre a sobrecarga da mulher, sobre ter que trabalhar fora, ter que cuidar dos filhos, ter que cuidar da casa. 

Eu sentia um pouco isso, mas, hoje, sendo mãe de três filhos, eu entendo muito bem. Quero dizer que sou muito grata por absolutamente tudo que fez por mim e pelos meus irmãos. 

Tenho uma admiração imensa por você, te acho uma profissional incrível, um ser humano maravilhoso. E se você já era uma mãe maravilhosa, quando ela se tornou avó, aí foi que ela surpreendeu. Ela mostrou que ela pode amar e se doar muito mais. Feliz Dia das Mães e eu amo você”.