Casa de Ruy Barbosa no Centro Histórico tem perícia judicial barrada

Briga na justiça entre as instituições proprietária e gestora do espaço gerou a necessidade da visita

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 16 de setembro de 2020 às 05:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: foto de Marina Silva

No centro de um processo, a Casa de Ruy Barbosa, situada na Rua que leva o nome do jurista no centro histórico de Salvador, fechou suas portas a uma perícia judicial na última segunda-feira. Segundo informações da Associação Baiana de Imprensa (ABI), que é proprietária da casa, funcionários da UniRuy (que desde 1999 faz a gestão do museu que funciona no imóvel) negaram a entrada da perita enviada pela justiça.

O processo que originou a necessidade da vistoria começou em 2019, desde que a universidade privada informou à entidade proprietária o desinteresse de seguir gerindo o espaço. “A Faculdade não teve interesse em encontrar uma solução amigável, simplesmente comunicou por um ofício iriam devolver a casa, que está num estado que não é o mesmo de quando foi entregue à UniRuy. Se eles querem devolver, precisam entregar da mesma forma que receberam”, comenta o presidente da ABI, Ernesto Marques.

Questionada sobre as razões pelas quais negou acesso à perita judicial, a UniRuy respondeu negando o ocorrido: “A instituição ainda não foi oficialmente citada e intimada para a realização da perícia e, por este motivo, segue no aguardo do agendamento e que o mesmo será direcionado a todos interessados”. A universidade também foi questionada sobre os esforços que tem feito para a manutenção do espaço, mas não respondeu. 

Várias gestões A Casa de Ruy Barbosa, que foi construída como uma relíquia do lugar onde o célebre baiano morou até seus 16 anos, funciona como museu desde 1949,  ano do centenário de Ruy.  Até 1999, o espaço era gerido pela própria ABI com a realização de eventos culturais. No mesmo ano, um convênio foi realizado ainda com a direção baiana da então Faculdade Ruy Barbosa, que assumiu a gestão do espaço e seguiu executando uma extensa programação cultural. 

Por volta de 2011, a faculdade foi vendida a um grupo internacional que manifestou o interesse em seguir gerindo o local. “Mais ou menos, quatro anos depois que o novo grupo assumiu, a casa já estava em uma condição preocupante”, conta Ernesto. Segundo o presidente da ABI, em 2015, quando se identificou fungos e infiltrações nas paredes, uma reunião foi convocada e a universidade, decidindo manter o convênio, chegou a realizar algum investimento na manutenção do imovel.

O desinteresse veio depois que, em setembro de 2018, a casa sofreu um roubo e com a retirada de 15 peças do acervo do museu. A perda inclui, dois bustos de bronze, os famosos óculos do jurista, medalhas que ele colecionou pelo reconhecimento ao seu trabalho, além de canetas e outros itens pessoais de Barbosa.  “Apenas o busto maior foi entregue na delegacia por um sucateiro que viu a notícia do roubo e resolveu não derreter a peça”, comenta Marques.

Em junho de 2019, a UniRuy manifestou, segundo a ABI,  a vontade de interromper  a parceria e devolver o imóvel e os bens móveis que permaneceram após o roubo. Foi então que o processo judicial se instaurou, com a intenção de negociar a devolução da casa em condições melhores. Uma das fases do processo, por decisão judicial, é justamente a perícia que, segundo a ABI, já foi negada outras duas vezes. “Esse argumento de não ter sido notificada é estranho. Não posso garantir que houve uma notificação judicial, mas nenhum funcionário comunicou à direção da instituição das outras duas vezes?”, questiona o presidente da ABI, que agora aguarda nova data a ser designada pela justiça.

Na tentativa da última segunda, a perita judicial estava, segundo a associação, acompanhada de um técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), já que  apesar de não ser tombado individualmente, o imóvel encontra-se na poligonal de tombamento do Conjunto Arquitetônico, Paisagístico e Urbanístico do Centro Histórico da cidade de Salvador. O técnico também teria sido impedido de entrar na casa. O CORREIO procurou o Iphan mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

Importância Histórica O imóvel, que hoje figura no meio de toda uma disputa judicial, nasceu da interação entre dois ilustres baianos. O jornalista, jurista e político Ruy Barbosa (1849-1923), ainda estava vivo quando o também ilustre baiano Ernesto Simões Filho (1886-1957) comandou um levantamento de recursos para adquirir, em leilão, o imóvel da Rua Capitães, no centro da Cidade do Salvador, onde nascera Ruy. Ao tomar conhecimento do gesto, o jurista manifestou-se agradecido. Anos depois, Simões Filho repassaria o imóvel à recém-criada Associação Bahiana de Imprensa (ABI).

“Essa casa não é a exata casa onde ele viveu. A casa dele ruiu e precisou ser reconstruída, mas isso não tira sua importância. Para além da importância material, que é grande, aquela casa tem uma importância simbólica. Funciona como um memorial do maior intelectual e jurista da história do Brasil.  Se você for considerar em toda história da Bahia, cinco nomes mais importantes. Ruy Barbosa com certeza está entre eles. Até hoje é referência para quem trabalha com Direito e tem uma inteligência respeitada internacionalmente", avalia o historiador baiano Chico Sena 

O especialista explica que o jurista baiano é reconhecido internacionalmente e lembra um episódio do Congresso de Haia em 1948 onde o ilustre baiano  expressou posicionamento sobre a relação entre os países que é lembrado até hoje, e que o fez ficar conhecido como o ‘Internacional de Haia’. “Ele defendeu que as relações internacionais não poderiam ser baseadas em tamanho ou força das nações, e que um país pequeno e pobre teria que ter a mesma voz e poder de voto que uma nação poderosa”, explica Chico, que lembra que Ruy Barbosa chegou a tentar, por três vezes,a  presidência do país. “Existem historiadores que contam que houve inclusive fraude nas eleições que o teriam prejudicado. Mas o fato de não ter sido eleito em nada diminui sua importância”, acredita. 

Para Chico, o museu não é tratado com o cuidado e dedicação que merecia diante do tamanho da obra e da vida que conta. “A Casa de Ruy Barbosa é uma casa de referência. Precisa ser um centro não só de exposição de pertences dele, mas um núcleo de pesquisa, um lugar de referência para os estudiosos da área. Ruy Barbosa é um nome indiscutível e a Bahia tem o privilégio de ter um berço dele e ter essa casa, é algo para se manter como relíquia”, opina o historiador. 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro