Casa onde miliciano foi morto é arrombada e mala de ex-tenente do Bope roubada

CORREIO visitou local onde ocorreu ação que matou Adriano da Nóbrega; veja fotos

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  • Bruno Wendel

Publicado em 13 de fevereiro de 2020 às 17:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO
Amigo do vereador dono da propriedade chega no mesmo momento da equipe do CORREIO por Marina Silva/CORREIO

Quarto onde Adriano estava dormindo (Foto: Marina Silva/CORREIO) Mistérios ainda cercam a morte do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, 43 anos, baleado por policiais baianos no último domingo (9), na cidade de Esplanada, no Nordeste baiano. Um deles é o paradeiro da mala do ex-integrante do Bope do Rio de Janeiro e chefe do Escritório do Crime. A bagagem foi dada como desaparecida na manhã desta quinta-feira (13), após a constatação do arrombamento do sítio onde Adriano foi localizado e, posteriormente, teria reagido ao cerco policial.

"Estive aqui ontem (quarta) e deixei tudo como estava após a ação da polícia. Não limpei nada. A mala estava no quarto usado por ele (Adriano) e hoje quando cheguei cedo, encontrei a porta escancarada e a mala não estava", disse ao CORREIO um amigo do proprietário do imóvel, o vereador da cidade Gilson Lima (PSL), irmão do vice-presidente da Assembleia Legislativa (Alba), deputado estadual Alex Lima (PSB). 

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O CORREIO tinha acabado de chegar à propriedade quando ele surgiu. "Voltei por que havia deixado a transmissão da água aberta", explicou. Além da mala, um sapato e uma bota também foram levados, de acordo com ele.

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O amigo do vereador, que preferiu não relevar o nome, disse que a mala era de tamanho médio e estava com pertences de Adriano. "Não sei o que queriam, pois, a princípio, ele não tinha nada de valor aqui", comentou ele, enquanto trocava os ferrolhos da porta arrombada. 

A fonte disse que, de cinco em cinco dias, vai ao imóvel para colocar água para o gado. Questionado se havia encontrado com Adriano em algum momento, respondeu: "Nunca o vi aqui na propriedade". A declaração reforça o argumento do vereador de que Adriano teria invadido o sítio durante a fuga da polícia. Adriano foi morto após ser atingido no tórax e pescoço durante ação policial (Foto: Divulgação/Polícia Civil) Livro Com a fonte, o CORREIO entrou na casa que fica dentro do sítio, um imóvel de três quartos, com sala, cozinha e banheiro. O sangue esparramado na sala já estava seco e escuro. Os móveis continuavam revirados.

Sobre uma mesa de mármore e cadeiras de madeira havia 12 pães espalhados ao lado de uma garrafa térmica, dando a entender que Adriano se preparava para fazer sua primeira refeição antes de ter sido surpreendido pelos policiais naquele domingo - laudo do Departamento de Policia Técnica (DPT) divulgado pela Polícia Civil atestou que o miliciano estava de estômago vazio.

No quarto onde estava a mala, a maioria dos objetos estava no chão, entre eles o livro 'As 48 Leis do Poder' do escritor americano Robert Greene -  o primeiro livro do ex-roteirista de Hollywood especializado em temas como sedução amorosa, poder e estratégia. No livro, o autor explica como "manipular pessoas e situações para atingir os objetivos", segundo descrição da livraria Amazon.

Também sobre o piso branco do chão, diversas caixas de medicamentos. Analgésicos, antiinflamatórios, antibióticos e antiácidos. Adriano não era preocupado somente com a saúde. Ele tambem cuidava  do corpo. Havia, pelo menos, três tipos de suplementos alimentares. Imagens da casa pouco depois da invasão por policiais e morte de Adriano (Foto: Reprodução) Queixa Ainda sobre o arrombamento do sítio, o CORREIO perguntou se o proprietário havia registrado um boletim de ocorrência ou se pelo menos tinha pretensão de fazê-lo. "Ele não está aqui. Ele chegou de Recife, onde estava quando tudo isso aconteceu, e foi direto para Salvador por causa de um problema de saúde na família", disse. 

Ainda na manhã desta quinta-feira (13), o CORREIO esteve na casa do vereador, de número 121, no Centro de Esplanada. "Ele não está. No sábado, ele disse que viria na terça ou quarta, mas até agora nada", disse uma senhora que tomava conta do imóvel.

A reportagem também foi na delegacia da cidade, a fim de obter mais esclarecimentos, mas um agente disse  que o delegado não estava. O caso está registrado no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

A equipe procurou também o promotor da cidade, Dario José Kist. O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), no entanto, respondeu através de nota, afirmando que o promotor "não mais concederá entrevistas até a conclusão das investigações em curso sobre os fatos que envolvem a morte de Adriano da Nóbrega". O MP-BA informou que voltará a se posicionar sobre o caso somente quando concluir as apurações.

Intocáveis No ano passado, o nome de Adriano da Nóbrega foi parar entre os alvos da Operação Intocáveis, cuja primeira fase foi deflagrada em janeiro do ano passado, no Rio de Janeiro. A segunda fase aconteceu mais de um ano depois, no dia 30 de janeiro de 2020, e prendeu 33 pessoas.

Desde a primeira fase, porém, é considerado foragido. Sua defesa chegou a impetrar um habeas corpus, mas o pedido foi negado por unanimidade pelos desembargadores da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) no dia 21 de janeiro. 

Adriano era apontado como um dos chefes do Escritório do Crime, uma das maiores milícias cariocas, fundada na comunidade do Rio das Pedras, na Zona Oeste da cidade. Conhecido entre os milicianos como Capitão Adriano ou Gordinho, ele nunca chegou a ser capitão, de acordo com a assessoria da Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Ele serviu no Bope entre 2000 e 2002 como tenente. Quando foi demitido da corporação, em 2014, durante uma operação contra milícias no estado, ainda era tenente.

 Adriano foi baleado duas vezes, no pescoço e no tórax. Os tiros partiram de dois policiais diferentes, que já se identificaram como os autores.

Reações Apesar da repercussão nacional em torno da morte de Adriano, os moradores do Centro de Esplanada estão tranquilos. “No dia foi uma agonia. Um monte de polícia para cima e para baixo, foi uma agonia de gente. Nossa cidade foi destaque no Brasil. Só assim para a gente ficar popular, infelizmente”, disse Ana Sena, 55, dona de uma barraca de frutas e doces.

Ao lado do estabelecimento dela funciona uma ótica. Questionadas quanto à repercussão da morte do miliciano, as duas atendentes disseram que não estão com medo. “O tumulto aqui foi só no dia. A gente que está no centro está tranquila. Quem sentiu mais foi o pessoal da zona rural”, disse Gabriela Muniz, 22, funcionária.

Na zona rural, de fato, o medo perdura. “Nós acordamos com os tiros, mas ninguém levantou. E até hoje estamos assustados. Qualquer carro estranho, todo mundo corre para dentro de casa”, disse uma senhora. Perguntado se conhecia Adriano, ela disse que não. “Nunca o vi aqui. Pra gente foi surpresa. Normalmente a gente quase não ver ninguém no sítio. As pessoas estão mais assustadas por que isso nunca aconteceu por aqui”, disse.

Já uma outra moradora falou sobre o assédio da imprensa. “Além do medo de tudo o que aconteceu, a gente vive cercado de jornalistas, que chegam com informações diferentes e todos querem que a gente confirme algo que a gente não sabe e isso é todo o dia. Desde o domingo, não tem um dia que não passe um carro de reportagem aqui”, declarou.