Caso Fiúza: TJ-BA envia processo para a Justiça Militar

Decisão não é final e cabe recurso

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  • Bruno Wendel

Publicado em 18 de setembro de 2018 às 18:08

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

O processo que apura o desaparecimento de Davi Fiúza, 16 anos, será julgado pela Justiça Militar. A decisão foi da juíza Ailze Botelho Almeida Rodrigues, expedida na última quarta-feira (12) - dois dias após o Ministério Público do Estado (MP-BA) denunciar sete policiais militares por sequestro e cárcere privado do adolescente, visto com vida pela última vez em 24 de outubro de 2014, durante operação da Polícia Militar no bairro de São Cristóvão, em Salvador.

Desta forma, o processo e todos documentos relacionados ao caso, que tramitavam no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), serão remetidos para Justiça Militar. A juíza tomou como base a Lei 13.491/17, de outubro de 2017 que diz que, todos os crimes cometidos por policiais militares serão julgados pela Justiça Militar, com exceção de homicídios, que continuam na justiça comum. Trecho da decisão da juíza passando caso para Justiça Militar (Foto: Reprodução) A decisão da juíza não é final. “Isso é um absurdo. Eles deixarão de ser julgados pela sociedade para serem julgados por outros militares. Mas isso cabe recurso. Vamos manter contato com o Ministério Público que deverá recorrer. Caso o MP não recorra, nós vamos recorrer”, declarou o advogado assistente de acusação junto ao MP-BA, Paulo Kleber Carvalho Filho.

O CORREIO procurou a mãe de Davi, Rute Fiuza, que avaliou a decisão como “um retrocesso”.  “É um retrocesso. Essa lei é nova. Essa notícia foi uma bomba. Não imaginava isso. Enquanto os outros avançam, a gente só retrocede. A indignação é muito forte. Vou confiar nesse recurso, vamos apelar. Só não consigo entender como uma lei aprovada depois de 2014, para que os próprios militares julguem eles mesmos, se aplica no que aconteceu com Davi. Coisas do Brasil”, desabafou.Por meio de sua assessoria, o MP-BA informou que não há necessidade de recorrer da decisão do TJ-BA, pois, segundo a pasta, a Justiça Militar funciona como uma vara da justiça comum, e que a decisão foi tomada conforme trâmites internos. 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o advogado criminalista César Faria, que já foi lotado na Justiça Militar, explicou ao CORREIO que a instância é formadada por um conselho composto por um juiz de Direito e quatro juizes militares.

Segundo o criminalista, o julgamento é colegiado, ou seja, todos os juizes têm direito a um voto. "O valor do voto é o mesmo para todos [os juízes]. Tanto os militares quanto o juiz de Direito decidem, internamente, a sentença do caso", afirmou.

Ainda conforme César Faria, os juizes militares são escolhidos de acordo com a hierarquia dos acusados. "Eles precisam ter hierarquia militar igual ou superior a dos acusados - que, se forem condenados, podem recorrer da decisão", acrescentou o advogado.

Para recorrer da decisão, no entanto, os acusados se reportam, segundo César, ao TJ-BA, já que não existe, na Bahia, um Tribunal Militar Estadual. "Então é ao próprio TJ que qualquer uma das partes tem que recorrer", explica.

Os militares vão ser julgados pelos crimes de sequestro e cárcere privado. "Caso fosse pelo crime de homicídio, seria competência da justiça comum julgar o caso, não da militar", concluiu o advogado. 

PAD Quase quatro anos depois do desaparecimento de Davi, a Polícia Militar instaurou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar a conduta dos PMs durante a abordagem e condução do jovem no bairro de São Cristóvão, em Salvador.

Ao CORREIO, a PM informou no último dia 11, por meio de nota, que à época do desaparecimento a corporação não instaurou o Inquérito Policial Militar (IPM), procedimento que dá início às investigações do PAD, “por não ter ficado evidenciado a participação de policiais militares no crime naquele momento. Ficando, pois a cargo da Polícia Civil a investigação”.

Com o resultado do inquérito da Polícia Civil, que indiciou no início do mês passado 17 policiais militares por homicídio qualificado, a PM decidiu instaurar o PAD para apurar o comportamento dos PMs.

A corporação não especifica quantos membros podem ser afastados das atividades diante da abertura do PAD.

Corpo No dia 10 deste mês, o MP-BA informou que dos 17 PMs denunciou apenas sete - por sequestro e cárcere privado de Davi Fiúza, retirando da denúncia as acusações de homicídio, ocultação de cadáver e formação de quadrilha.

“A autoridade policial não logrou êxito em localizar o menor, seja este com vida, ou seus restos mortais, para que sejamos capazes de apontar, com supedâneo no laudo cadavérico próprio, as causas e circunstâncias que cercaram a sua morte, acaso esta tenha ocorrido”, justificou a promotora de Justiça Ana Rita Nascimento. 

Segundo ela, algumas perícias importantes, que poderiam mudar o rumo da denúncia, não foram realizadas, a exemplo da análise das armas dos policiais e das viaturas usadas por eles no dia do desaparecimento de Davi Fiúza. 

Diante disso, a promotoria decidiu investigar o paradeiro de Davi Fiúza numa apuração independente. Será instaurado um Procedimento de Investigação Criminal (PIC), pelo Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco), do MP-BA. 

Homicídio Em agosto, a Polícia Civil indiciou 17 PMs por homicídio qualificado no inquérito sobre o caso Davi - visto pela última vez na localidade conhecida como Jardim Vila Verde, antes da abordagem policial.

Segundo a denúncia do MP, no dia do crime, os policiais participavam de um curso realizado pela 49ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/São Cristovão) e pelo Pelotão Especial Tático Operacional (Peto) com prática de incursão nas localidades do Cassange, Planeta dos Macacos, Vila Verde, dentre outras.

Os promotores de Justiça explicam que as provas apresentadas pela investigação da Polícia Civil não forneceram subsídios suficientes para que o Ministério Público denuncie os policiais pelo crime de homicídio. 

Além disso, explica a promotora de Justiça, a prova testemunhal é insuficiente para a conclusão da prática de homicídio, uma vez que ela afirma ter “exclusivamente visto a abordagem do menor”. “Não há qualquer outro indício que leve a sustentar a ocorrência do delito de homicídio no bojo do que fora coletado”, conclui.

23 PMs Em abril de 2016, 23 PMs chegaram a ser indiciados pela Polícia Civil pelo assassinato do jovem, além dos crimes de ocultação de cadáver e formação de quadrilha – que consiste na associação de três ou mais pessoas que se dedicam a cometer um ou mais delitos. 

Mas o MP-BA pediu novas investigações, devolvendo o inquérito à Polícia Civil. A partir daí, outras apurações foram realizadas e a investigação chegou aos 17 nomes - que mesmo indiciados pela morte do adolescente continuam trabalhando  na atividade ostensiva da corporação.