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Publicado em 11 de março de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
A cada dia, dez pessoas, em média, são diagnosticadas com sífilis em Salvador. A doença, que já foi apontada como uma ‘vingança dos americanos contra os europeus’, por ter se espalhado no continente a partir do final do século XV, continua se multiplicando em grau de epidemia mais de 500 anos depois. No ano passado, o número de novos casos da doença cresceu 40% em Salvador, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).>
Foram 3.625 novos diagnósticos em 2019, contra 2.582 em 2018. De acordo com o Ministério da Saúde, Salvador ocupa a 6ª posição dentre os 100 municípios que respondem por cerca de 60% dos casos de sífilis do país. Apesar da alta em Salvador, houve redução de 6,7% no número de novos diagnósticos em toda a Bahia.>
“A sífilis é uma doença muito antiga e a gente está percebendo que ela é uma doença reemergente. Ela é curável, não é difícil de ser tratada, mas a gente está percebendo, no geral, que para todas as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), está havendo uma diminuição das práticas preventivas, há pouca adesão”, explica a chefe do setor de DST/Aids da SMS, Daniela Cardoso. Em outras palavras, as pessoas, sobretudo o público jovem, não têm usado camisinha. Unicef e prefeitura lançaram campanha de prevenção à doença (Foto: Bruno Concha/Secom) Segundo Daniela, a doença tem fácil contágio. Se, por exemplo, existe uma chance de que a pessoa contraia o HIV durante o sexo anal sem camisinha, essa chance se multiplica por três para a sífilis. “Esse aumento no número de casos não é só na Bahia, nem em Salvador. Em 2019, em todo o Brasil, o aumento foi de mais de 28%. Em fevereiro, quando apresentou os dados, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, falou que, se a gente não tiver cuidado, a epidemia de sífilis vai passar a de Aids”, afirma Daniela.>
De acordo com especialistas, há outras explicações possíveis para a alta no número de casos diagnosticados. Além da falta de prevenção, com o uso da camisinha, é grande o abandono do tratamento, embora ele seja simples, acessível, rápido e gratuito – está disponível em toda a rede pública de saúde.>
Outra explicação pode estar no fato de que, entre 2016 e 2017, o Brasil enfrentou uma falta de penicilina benzatina – ou Benzetacil, medicamento de referência utilizado no tratamento. Não se pode deixar de lado, também, o aumento no número de testes feitos, o que também implica em mais diagnósticos.>
Só no Carnaval, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) diagnosticou 17 novos casos de sífilis, enquanto a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) fez 42 diagnósticos durante a folia. A boa notícia é que, tanto na Bahia quanto na capital, o número de casos em gestantes caiu em 2019 com relação a 2018: em Salvador, a queda foi de 12,3% e na Bahia, de 15,4%.>
Já os casos de sífilis congênita – que é passada da mãe para o bebê – sofreram queda de 39,7% em Salvador no ano passado. Nesta terça-feira (10), o Unicef e a prefeitura da capital lançaram, juntos, uma campanha pela prevenção e tratamento (leia mais abaixo). A meta do Ministério da Saúde é que a taxa de sífilis congênita não ultrapasse 9 casos para cada 100 mil. Mesmo com a queda no número de casos, segundo a SMS, a taxa de Salvador ainda é alta: 14 casos para cada 100 mil.>
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Perfil e dificuldades Em Salvador, a sífilis acomete mais mulheres do que homens. “O que se vê nos dados é que a população jovem está mais susceptível à sífilis, principalmente de 20 a 34 ou 35 anos. Aqui em Salvador, a gente tem o recorte de raça muito importante: as pessoas que se autodeclaram pardas e pretas são mais acometidas. No recorte de sexo, são mais mulheres e em relação à escolaridade, em Salvador, o recorte é a baixa escolaridade”, afirma Daniela Cardoso.>
Além de serem mais acometidas pela doença, as mulheres sofrem com outro fator: a reinfecção.“Algumas vezes, a mulher é tratada, mas ela se contamina novamente porque o companheiro não se tratou ou se reinfectou e a infectou novamente”, explica Francisca Maria Andrade, especialista em saúde e prevenção de ISTs do Unicef no Brasil.Segundo ela, uma recomendação muito comum nestes casos é que os casais negociem e usem camisinha ao menos durante a gravidez, para não infectar o bebê. “Mas é claro que o ideal é que use sempre”, reforça.>
A médica infectologista Jacy Andrade, professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), explica ainda que, muitas vezes, os casos se multiplicam porque as pessoas não sabem que têm a doença.>
“A pessoa pode ter uma lesão que passa despercebida, porque não dói. Quando é no homem, é mais fácil de perceber porque a genitália masculina é externa. Quando é na mulher, a lesão acontece dentro da vagina, no colo do útero, então você não consegue ver. É mais difícil ela se autodiagnosticar. Aí o indivíduo passa pela primeira fase da doença sem sintomas, sem dor, e passa a bactéria adiante, infecta outras pessoas”, afirma.>
Embora, num primeiro momento, a sífilis não provoque dor, a doença causa uma série de complicações: além de lesões na pele, pode provocar mal-estar, febre, cefaleia, perda da sobrancelha e até comprometimento do fígado. No caso da sífilis terciária, que pode aparecer até 30 anos depois da infecção, é possível haver comprometimento do sistema nervoso e cardiovascular, atrofia, meningite, paralisia e até demência.>
Abandono do tratamento O abandono do tratamento também tem feito crescer o número de casos. Em geral, a sífilis é tratada com injeções de Benzetacil durante três semanas – uma injeção semanal. O acompanhamento, no entanto, é mais prolongado, de pelo menos seis meses até que a pessoa seja considerada curada. Muita gente, entretanto, abandona o tratamento ou sequer começa.>
“O tratamento é simples, é fácil, com antibiótico. Mas o acompanhamento dura pelo menos seis meses e isso demanda tempo, compromisso da pessoa. Então, a gente percebe que muitas pessoas abandonam, sim. E algumas não querem se submeter ao tratamento com a Benzetacil, reclamam que dói muito”, explica Daniela Cardoso, da SMS.>
Francisca Maria Andrade, do Unicef, afirma que, de um modo geral, tratamentos com medicação injetável têm adesão mais difícil. Uma das alternativas que vem sendo cobrada pela Unicef é que a aplicação seja feita nas próprias unidades básicas de saúde. “Às vezes, o profissional sente receio de aplicar a medicação ali, numa unidade básica, mas a gente insiste para que eles tenham uma condição de aplicar nas unidades, para que o paciente não tenha que se deslocar para um hospital ou uma UPA e, aí sim, abandonar o tratamento”, defende.>
Unicef e prefeitura lançam campanha por erradicação da sífilis congênita Em 2019, 484 bebês nasceram em Salvador com sífilis congênita – quando a bactéria é passada de mãe para filho. O número de casos foi 39,7% menor do que aquele registrado em 2018, mas, mesmo assim, a taxa na capital baiana, de 14 para cada 100 mil, ainda está acima do desejável pelo Ministério da Saúde, que é de 9 casos para cada 100 mil. Nesta terça-feira (10), o Unicef e a Prefeitura de Salvador lançaram juntos uma campanha pela erradicação da sífilis congênita.>
Embora haja cura para a doença, desde que identificada precocemente, ela pode trazer uma série de complicações para o bebê, desde as mais leves até as mais graves, levando até à morte. “A criança pode nascer prematura, pode ter defeito ósseo, pode ter alteração na retina, no sistema nervoso central”, explica a médica infectologista Jacy Andrade, professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba).>
Para a chefe do setor de DST/Aids da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Daniela Cardoso, há uma preocupação pela erradicação no Brasil inteiro. O país, inclusive, é signatário de compromissos internacionais pela eliminação da sífilis desde 1992.“Se existe sífilis congênita, significa que a gente está tendo problema com a gestante no pré-natal, elas não estão sendo tratadas de forma correta. A doença é completamente curável e se ela é captada no tempo correto, a criança não precisa ter sífilis. Mas, a gente está tendo e não é só Salvador, não é só na Bahia, é no Brasil como um todo”, afirma Daniela.Com a campanha lançada nesta terça-feira, a proposta é que as pessoas saibam que precisam e têm o direito de fazer o diagnóstico e tratar. “É o que a gente chama de ‘teste, trate, cure’. É importante ter certeza que curou, porque alguns pacientes fazem a testagem, mas não tratam”, afirma explica Francisca Maria Andrade, especialista em saúde e prevenção de ISTs do Unicef no Brasil.>
No material a ser distribuído, há uma recomendação para que as mulheres façam o teste de sífilis assim que descobrirem a gravidez – e que levem seus parceiros, já que a reinfecção por conta da recusa do tratamento pelos homens é um dos principais problemas enfrentados. Outra recomendação é fazer o teste sempre que se expor a algum risco.>
A campanha conta com duas frentes: a da prevenção, com distribuição de folders, cartazes, material para envio através do WhatsApp, vídeos e totens na Estação da Lapa para transmitir à população as informações sobre a necessidade do diagnóstico e tratamento. A segunda frente é voltada para os profissionais de saúde, que terão agora nas unidades um livro de acompanhamento da sífilis. A meta é que os casos não se percam e que sejam acompanhados pelo livro desde o diagnóstico até a cura.>
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