Cerimônias religiosas só em casa

Com o toque de recolher na Bahia, qualquer tipo de evento religioso fica proibido até 28 de fevereiro

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 24 de fevereiro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil/CORREIO

O novo decreto do governo estadual, que prevê o toque de recolher na Bahia até o próximo dia 28, também mexe com a programação das instituições religiosas. Com a proibição de qualquer evento, independente do número de pessoas, as atividades nas igrejas, templos, terreiros e afins ficam suspensas. Os atabaques vão precisar ser novamente silenciados, as oferendas vão ter que esperar para serem arriadas, as missas vão voltar para as telas. 

O Art. 3º do Decreto Estadual nº. 20.240 determina que, durante o período de 22 de fevereiro a 28 de fevereiro de 2021, ficam suspensos os eventos e atividades previstos, independentemente do número de participantes e ainda que previamente autorizados, que envolvem aglomeração de pessoas, tais como: eventos desportivos, religiosos, cerimônias de casamento, feiras, circos, eventos científicos, solenidades de formatura, passeatas e afins, bem como aulas em academias de dança e ginástica.

Nesta terça-feira (23), a Arquidiocese de Salvador divulgou um comunicado indicando a suspensão de todas as celebrações e atividades que envolvam a reunião de pessoas, inclusive as atividades arquidiocesanas em comemoração aos 470 anos de criação da Diocese de São Salvador, previstas para os dias 25 e 27 de fevereiro, e recomendando a transmissão online de missas e outros momentos de oração. 

O online tem sido uma boa opção para as missas, e até mesmo o dízimo foi modernizado. Existem várias maneiras. Pode ser via agendamento, transferência bancária ou, até mesmo, a mais nova alternativa: o Pix. A palavra de ordem é ‘adaptação’. Tudo para tentar manter o curso normal em tempos de ‘novo normal’.  

O estudante João Pedro Oliveira, de 18 anos, é líder de um grupo de jovens da Paróquia Ascensão do Senhor e conta que tudo precisou ser adaptado durante os meses de maior restrição na pandemia. Agora, as adaptações vão precisar ser retomadas. “Eu comecei a assistir às missas pela televisão ou por lives. Em junho, teve a trezena de Santo Antônio, toda feita virtualmente. Em maio, foi o mês de Maria”, diz. As reuniões do grupo, que aconteciam todo sábado, também sofreram mudanças. Elas passaram a acontecer a cada três semanas e também precisaram contar com a ajuda da tecnologia.     João vai à missa todo domingo. Ele foi a favor do fechamento das igrejas no início da pandemia, mas acredita que agora é possível seguir outro caminho. “Hoje, eu acho até que poderiam dar um jeito de não suspender, como colocar mais missas para diminuir a quantidade de fiéis em cada uma. A gente estava com distanciamento social, uso de máscara, quantidade limitada de pessoas, agendamento para poder participar”, opina. 

Para João, o aumento das restrições no período de Quaresma será um grande desafio. “A Quaresma é tempo em que as pessoas se confessam mais, têm uma vivência espiritual maior, com adoração ao Santíssimo, e fazem mais caridades, campanhas de arrecadação de alimentos e roupas. E isso tudo está suspenso. É um período de conversão e fica difícil viver isso dessa forma”, explica o estudante.

Na opinião do Padre Edson Menezes, reitor da Basílica do Senhor do Bonfim, é necessário que as pessoas se sensibilizem e que cada um dê a sua parcela de contribuição neste momento.“Estamos abertos à decisão, uma vez que nós estamos vivendo esse momento muito delicado de avanço da pandemia e do número cada vez maior de óbitos e de  pessoas contaminadas”, afirma.Na Igreja do Senhor do Bonfim, passarão a ser celebradas duas missas virtuais, uma pela manhã, às 7h30, e outra pela tarde, às 16h, transmitidas pelas redes sociais da basílica. Das 8h30 às 15h, o acesso à igreja ficará livre para as pessoas que quiserem visitar e fazer suas orações individualmente.

Segundo o padre, as cerimônias virtuais têm sido uma boa alternativa e vêm conquistando os fiéis. “No período mais rígido de isolamento, nós celebramos todos os dias missas virtuais. Hoje já temos quase 12 mil inscritos no nosso canal e a cada vez aumenta o número de acessos nas celebrações. Nós transmitimos pelo Facebook, pela WebTV e pelo YouTube. Estamos também para iniciar com o Instagram”, completa. 

Nas igrejas batistas, as telas também têm sido uma saída para reunir os fiéis em tempos de pandemia. O Pastor Joel Zeferino, da Igreja Batista de Nazareth, conta que, desde março do ano passado, todas as atividades por lá mudaram para o ambiente virtual. “Em novembro, quando houve o afrouxamento das regras, nós ensaiamos um retorno, mas logo depois, com o agravamento do quadro, a gente retornou para o modo virtual, por entendermos que preservar a saúde das pessoas era mais importante do que manter atividades presenciais”, diz.  

O pastor diz que três pessoas da comunidade já tiveram que enfrentar a doença, e ele foi uma delas, em junho de 2020. Justamente por isso, entende que a melhor opção é que cada um siga fazendo suas orações em sua própria casa.“A única atividade que nós mantivemos presencialmente foi a assistência às pessoas que passam por dificuldades, como a distribuição de cestas básicas”, salienta. Terreiros fechados

O presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA), Leonel Monteiro, explica que, desde o início da pandemia, a maioria dos terreiros não está promovendo nenhum tipo de atividade que gere aglomeração. As reuniões que acontecem são internas, sem a presença do público, e com número reduzido de pessoas. “Neste momento, a gente volta a reforçar que os terreiros devem continuar fechados, sem gerar aglomerações, respeitando os decretos do governo estadual e dos governos municipais. E, ainda que seja de forma interna, não marcar nenhuma atividade, ao menos, enquanto perdurar o pico de contágio e ocupação dos leitos”, coloca Monteiro.  O presidente diz que o momento é de entender a necessidade das medidas, respeitá-las e continuar louvando e pedindo. “Há um entendimento de que é uma coisa necessária e uma orientação, inclusive, das nossas divindades, orixás e caboclos, de que não é o momento para gerar aglomerações. O que a gente tem feito é pedir, sobretudo, a Obaluaê, que leve a doença, a Oxóssi e Ossain que tragam a cura, que é a vacina, e a Nanã, que nos traga saúde”, explica. 

Mas Monteiro também lamenta os impactos que as mudanças causam. Segundo ele, a grande maioria dos terreiros ficam localizados em áreas periféricas e acabam sendo um local de acolhimento social. “Muitas dessas pessoas que moram no entorno vão ao terreiro, em momentos de atividades religiosas, para, além do conforto espiritual, se alimentar. A distribuição do alimento é algo intrínseco à nossa religião. Muitas dessas pessoas têm, no terreiro, a única refeição do dia. As restrições afetam essas pessoas e afetam também, por exemplo, o acolhimento. Há muitos casos de violência contra mulheres e crianças nas periferias, e o terreiro acaba protegendo, abrigando e intervindo nesses casos, por exemplo”, pondera.  

Além disso, o candomblé não possibilita o culto através de lives, videoconferências ou redes sociais. É uma religião que não tem púlpito, nem cadeiras para o distanciamento, e que prevê o compartilhamento de alimentos, instrumentos e abraços, por exemplo. Assim, o que resta é esperar, louvar individualmente e administrar o sentimento que fica.“A gente sente falta do culto, de estar em contato com as divindades, de bater a cabeça para o nosso orixá, de arriar as nossas oferendas. Então, de certa forma, a gente fica muito frustrado, mas cientes de que estamos cumprindo o nosso dever, o que deve ser feito neste momento”, finaliza Monteiro. O Pai Pecê, babalorixá da Casa de Oxumaré, confirma que por lá não estão sendo feitas cerimônias públicas, apenas internas. Mas, agora, até mesmo elas vão precisar ser alteradas. “Essa semana já não vamos fazer o ritual que costumamos fazer com os filhos na quarta-feira. Por causa do toque de recolher, foi suspenso. A celebração seria por volta das 18h e poderia se estender até depois das 20h. Agora, todos vão louvar em suas casas”, explica ele.    *Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro