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Da Redação
Publicado em 25 de outubro de 2021 às 05:06
- Atualizado há um ano
Alberto Manguel, em seu livro Com Borges (2004), cita que o escritor argentino julgava uma descortesia surpreender o leitor. E arremata com a imagem de Ulisses voltando a Ítaca, chorando de amor ao ver sua ilha: “A arte deve ser como essa Ítaca: de eternidade verde, não de prodígios”.
Jorge Luis Borges jamais escreveu um romance, nem pretendia fazê-lo. Sabia que sua prosa, genial, era de fôlego breve. Ademais, o irritava profundamente os recursos utilizados por romancistas para empurrar a história por mais dezenas de páginas. Artifícios, reviravoltas, surpresas, tramas paralelas, descrições tão empoladas quanto desnecessárias.
Não é questão de certo ou errado. Não gosto de séries porque em todas elas salta-me aos olhos o excesso nauseante de artifícios, fórmulas, recursos da dramaturgia. Não é pouco provável, e até é óbvio que por eu escrever, os recursos apareçam para mim, como a qualquer um que se dedique ao ofício, de forma mais evidente. A mim, é algo que me irrita sobremaneira. É questão de gosto.
Assisti, recentemente, a Chernobyl, e, agora, a Bauhaus, ambas de 2019, e gostei muito do que vi. Primeiro, porque a mim fica claro que ambas têm o tamanho que têm pois parecia ser necessário o formato de minissérie. Assim como nos romances, as séries que tentei ver pareciam filmes enxertados de anabolizantes, maquiagens e botox. Ambas me pareceram ter a dimensão necessária.
Chernobyl tem atuações incríveis. Direção segura. Mesmo a trilha, que é algo que me incomoda em diversos produtos audiovisuais, por ser ilustrativa, ou muleta para trazer o clima que a direção e os atores não conseguem dar, acaba por ser orgânica dentro da estética pretendida, com ruídos que nos trazem a atmosfera tóxica da região ucraniana.
Assisti-la, no momento atual, onde o desastre negacionista e a negligência perversa do governo (russo) ceifam milhares de vidas, é ainda mais angustiante.
Bauhaus, na esteira de Chernobyl, é uma minissérie alemã que conta parte da história da famosa escola de artes, através da relação entre seu fundador, Walter Gropius, e uma de suas alunas, Dörte Helm. Ao contrário de Chernobyl, a minissérie não é tão generosa quantos aos fatos históricos. Seria interessante o público geral saber mais das grandes criações oriundas da escola. Sinto falta, também, de falar um pouco mais sobre a ascensão nazista, visto que no período em que se passa Bauhaus acontece o Putsch de Munique, onde Hitler tenta dar um golpe na Alemanha e acaba preso. O nazismo chega a ser citado, mas o grande movimento conservador, reacionário, com a perseguição contra a chamada “arte degenerada”, surge de leve, apenas, e foi algo que estava germinando, ali, e viria a ser a tragédia que foi.
Assisti-la, no momento atual, vendo o machismo, o conservadorismo, a brutalidade e insensibilidade de uma maioria (alemã), com seu afã persecutório contra certos direitos, artes e conquistas, é ainda mais angustiante.
Jorge Luis Borges defende uma arte que fale do passado, pois o presente é algo que está sendo vivido e, por conseguinte, algo que ainda está em vias de ser entendido. Um olhar distanciado ajuda e ter uma visão mais ampla e complexa, e a arte sempre será uma ferramenta potente para que, vendo os erros do passado, a gente aprenda a errar menos no futuro. Ou erre feio, novamente, algo que parece ser uma preferência geral, mas ao menos com a arte que, justo por isso, incomoda tanto, sendo sempre a mosca na sopa da sociedade.
Assista.