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Waldeck Ornelas
Publicado em 12 de janeiro de 2022 às 05:00
- Atualizado há um ano
Cada vez mais as grandes cidades brasileiras – e já agora também as médias – revelam territórios dominados pelo tráfico ou por milícias. Um triste cenário, que precisa ser revertido com urgência, e quanto antes melhor. Nesse contexto, que possibilidade têm as cidades de reagirem com suas próprias forças e meios? O único recurso disponível é o urbanismo. Único, mas poderoso! Pena que não se faz uso adequado dele.
As secretarias de urbanismo têm um imenso potencial de atuação no desenvolvimento urbano, amplamente desperdiçado em estruturas que preferem a cômoda (conveniente?) posição de despachante burocrática de projetos, ao invés de exercerem papel ativo na estruturação e qualificação do ambiente urbano.
Os projetistas, por sua vez, acomodam-se em fazer sempre mais do mesmo, repetindo fórmulas ultrapassadas, mas facilmente chanceladas pela burocracia oficial. Não é sem razão que apenas alguns poucos escritórios se destacam por projetos criativos, inovadores, portadores de valores urbanos civilizatórios.
Guardas municipais não melhoram em nada a segurança pública, até porque não são órgãos de segurança pública. Neste propósito, mais valem edifícios de uso misto com fachada ativa. Estes sim, produzem ruas vivas e dinâmicas, com presença de gente circulando, oferecendo comércio e serviços, proporcionando a permeabilidade visual das portas e vitrines, tão importantes que os shopping centers importaram para dentro de si.
Na contramão dos interesses locais, políticas públicas federais, mais até do que leis, invadem a competência municipal sobre o uso e ocupação do solo, causando danos às cidades. É o caso das políticas de habitação social e popular, do tipo Minha Casa, Minha Vida. Ao estabelecerem regras rígidas na modelagem dos empreendimentos, impõem blocos de edifícios exclusivamente residenciais, como se os futuros moradores não precisassem adquirir com frequência bens e serviços para suas casas, nem precisem da oportunidade de trabalho aí mesmo, para uns, ou de desenvolver um pequeno negócio, para outros.
Não faz o mesmo efeito adicionar a um conjunto habitacional um pretenso “centro comercial”, desconectado e disfuncional em relação aos imóveis construídos e que, por isto mesmo, nem sempre sequer se viabilizam empresarialmente. Ao contrário, tais conjuntos – que repetem os erros da inexperiência do antigo BNH – tornam-se (in)habitacionais, deslocados da vida urbana, com maior propensão a se tornarem favelas do que evoluírem em bairros.
As políticas habitacionais, naturalmente do âmbito da União, pelo elevado volume de recursos financeiros envolvido, não contemplam, por exemplo, a reabilitação dos centros históricos, o que é uma lacuna inexplicável e inaceitável. Até por serem recursos destinados a empréstimos deveriam permitir a flexibilidade necessária para que os agentes privados promotores pudessem criar soluções inovadoras, compatíveis com a legislação urbanística e as estratégias de desenvolvimento urbano de cada cidade. Enquanto isto as grandes metrópoles brasileiras se esvaem em esforços para repovoar os seus centros antigos e tradicionais, buscando resgatar um capital social que já existe. Ruas formadas por muros de um lado e do outro não são ruas na acepção da palavra. Tornam-se antes simples dutos automobilísticos (outra vez, aqui, a omissão das secretarias de urbanismo), para carros acessarem verdadeiras cidadelas particulares, revelando uma realidade em que os cidadãos – os que podem – se escondem em suas casas enquanto a marginalidade toma conta da cidade; os que não podem – os pobres – terminam sendo cooptados por falta de opção. O urbanismo social tem aqui espaço reservado, chamando outra vez as prefeituras para o jogo.
Claro que a ação das prefeituras é insuficiente, porém indispensável para equacionar o problema da segurança pública.
Waldeck Ornélas, especialista em planejamento urbano-regional, é autor de “Cidades e Municípios: gestão e planejamento”