Coitado do Jabuti

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  • Nelson Cadena

Publicado em 13 de dezembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Os colunistas políticos adoram esculachar o coitado do jabuti, um bichinho lerdo de hábitos diurnos, vive entre 80 e 100 anos - por isso já mereceria respeito - na percepção das crianças uma tartaruga de brinquedo. Quem primeiro se apropriou da boa fama do quelônio, o herói das narrativas indígenas, popularizado e repaginado por Monteiro Lobato nas “Reinações de Narizinho”, foi a Câmara Brasileira do Livro quando instituiu em 1959 a mais importante premiação literária do país.

Já os cronistas políticos se apropriaram das limitações do bichinho, resumidas no ditado popular “Jabuti não sobe em árvore”, para designar fatos estranhos à natureza das coisas; emendas aos Projetos de Lei, ou medidas provisórias, sem relação com o objetivo original,  subterfugiu que se tornou rotina e daí o uso continuo na mídia apontando jabutis no texto malandro. E assim o coitado do Jabuti viu subvertida a sua boa fama que o elevou a ser um símbolo literário para carregar nas costas a má fama da esperteza.

Coitados outros bichos também. As mulheres não toleram homens grossos e os chamam de cavalos, uma injustiça com um dos mais educados animais de criação, bicho nobre, a analogia tem a ver com uma característica de defesa do animal: dar patadas. Coitado também do seu primo pobre, o jegue, chamado de burro, lembrado por todos nós na hora de apontar alguém que pareça ter pouca inteligência. Talvez o burro não seja um primor de inteligência, mas, burro não é. Tanto que empaca quando o dono exagera no trato.

A coitada da vaca, adorada na Índia, no Brasil é difamada todo dia. E não apenas ela, também a coitada da galinha, a loba e a piranha, animais de diversos habitats com que homens machistas desqualificam mulheres em diversos graus de caracterização, porém, sempre lhe atribuindo uma vida sexual fora das convenções sociais. Falei em diversos graus: vaca é menos ofensivo que galinha e, esta, menos que piranha. A propósito, que mal a piranha fez a humanidade? Só porque é um peixe carnívoro, de fortes mandíbulas e mordida poderosa, podemos desqualificá-la na sua analogia com as prostitutas?

Coitadas das piranhas. A má fama é culpa dos Yankees como se nominavam antigamente os americanos, a partir do assustador relato do ex-presidente Theodore Roosevelt, após sua viagem pelo Amazonas em 1914, na companhia do Marechal Rondon. No livro publicado sobre a expedição carregou nas tintas para descrever o peixe: “Desmembram e devoram qualquer homem, ou animal ferido, porque o sangue na água as excita até a loucura”.  Devoradoras e sedentas de sangue foi a imagem que ficou.

Não satisfeitos com essa depreciação dos bichos, criamos a figura do corno para designar a pessoa traída. Convenhamos que é um genérico onde se enquadra qualquer bicho de chifres, inclusive o mitológico unicórnio, leia direito, não escrevi unicorno.

Corno é fetiche medieval, na Bahia Gregório de Mattos usava a palavra com frequência, exagerou no célebre poema atribuído como uma desfeita a Rocha Pitta: “Casou-se nesta terra esta, e aquele/Aquele um gozo filho de cadela/Esta uma donzelíssima donzela/Que muito antes do parto o sabia ele...Por sinal que na porta, e seus contornos/ Um dia amanheceram bem contados/Três bacias de merda, e dois de cornos”

O Corno já rendeu muita literatura e muito drama, encenados no teatro, no cinema e na TV. E se algum bicho foi difamado com a analogia o genérico alivia o peso da maledicência contra os chifrudos de fato e de direito que ser corno é merecimento.