Coletivo mostra que a expansão comercial passa pelo feminino

Algumas mulheres estão colocando de lado profissões tradicionais e apostando no artesanal

  • Foto do(a) author(a) Carmen Vasconcelos
  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 16 de dezembro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Moara Rocha/Divulgação

Atentas para as mudanças no mercado profissional, que deixou de adotar a formação superior como garantia de uma vaga ou de um salário digno, algumas mulheres estão colocando de lado profissões tradicionais e apostando no artesanal como uma forma de se redescobrir, empreender e garantir uma logística mais humanizada entre a vida profissional e pessoal. 

Partindo desse princípio, um coletivo de mulheres foi buscar nas atividades artesanais o caminho do empreendedorismo que garantisse independência financeira, sem deixar de explorar potenciais individuais ao tempo em que se reforçava princípios como a colaboração, a criatividade, o afeto e o feminino. 

Criado no ano passado, o BazáRozê realizou 13 edições, congregou 25 expositoras no primeiro ano e 50 neste, dando visibilidade a inúmeras iniciativas e garantindo um movimento médio de 500 visitantes por realização, totalizando algo em torno de 6 mil e 500 clientes.

Gênese De acordo com a idealizadora do projeto, a jornalista Brenda Medeiros, a proposta nasceu a partir dos ideais feministas do coletivo Corpo em Casa (que explora variadas artes do corpo com viés feminista)  e ocupava a Casa Rosada dos Barris, em 2018. “Tivemos a ideia de realizar o RoZê para aproximar as pessoas, envolvendo-as nas propostas culturais e nas formas alternativas de arte que estavam sendo levantadas para a formação de uma casa feminista em Salvador.

O Bazá ajudava a movimentar o espaço e gerar renda para a manutenção da Casa Rosada”, relata, reforçando que a iniciativa nasceu com um posicionamento de que a feira seria de artes feministas, mesmo que, no início, alguns terminaram não entendendo a proposta de resistência e valorização do feminino. 

Aos poucos, a proposta foi reunindo expositoras e o grupo começou a se fortalecer pelas redes sociais. “A cada edição, se reforçava a ideia de que havia força e muito amor envolvido, onde todos e todas podiam contribuir democraticamente com suas opiniões, gerando, de fato, um coletivo que poderia ir além de uma feira, e sim, um empreendimento sociocriativo”, diz.

“Assim como muitas dessas mulheres, a vida me apontou um outro caminho, que precisava me repaginar, principalmente depois que me tornei mãe de Artur e por não ter o apoio da família perto”, conta, lembrando que foi unindo propostas e descobriu que conseguia reunir uma rede de mulheres com propostas bem parecidas. “Peguei toda a experiência em comunicação e produção e assim o Rozê foi ganhando uma identidade”, conta. A proposta começou pequena, mas cresceu e congregou um público diferenciado e antenado com a proposta e a energia Rozê (Foto: Moara Rocha/Divulgação) Conexões Brenda fala que, hoje, muitas das expositoras são atraídas pelos conceitos feministas da feira (respeito, igualdade, inclusão, diversidade) e por desejarem atuar num espaço onde possam ser respeitadas e valorizadas.

“A ideia é que as expositoras e expositores possam dividir com o grupo essa condição de como produzir, divulgar e encontrar a melhor maneira de fazer seu produto ser aceito pelas pessoas, pelo mercado. É preciso ter propósito, ser colaborativo”, completa, salientando que quem não entende só participa uma vez e se desliga voluntariamente.

“Estamos aprendendo juntos que empreendimentos sociocriativos, acima de tudo, são democráticos”, diz. Como parte das expositoras são mães, a iniciativa também começou a focar na proposta Infância Rozê. “Precisávamos que as crianças tivessem atividades educativas do início ao fim”, pontua. 

De acordo com Carla Carvalho, da Angu Cozinha de Casa (culinária regional), fazer parte do RoZê é uma conexão genuína, construtiva e colaborativa. “Aqui vivencio pluralidade de forma leve e acessível e isso ajuda muito a impulsionar meu negócio”, reforça. Já  Lívia Ribeiro, que representa a Yumpi Lumpi (marca infantil sem gênero), há acolhimento sempre. “A cada edição que participo,  percebo que o caminho mais forte da transformação social é na coletividade”, afirma.

Naturais Em 2016, a advogada Paula Muniz começou a fabricar os próprios cosméticos depois que passou a apresentar uma alergia aos cosméticos e produtos de saboaria convencionais, vendidos no mercado. O que sobrava, ela doava para familiares e amigos. 

Um ano depois, a irmã e a prima, Roberta e Rebeca, respectivamente, começaram a apresentar reações alérgicas e desse problema familiar nascia a ideia da Venusta, uma linha de cosméticos naturais. “Começamos a estudar sobre a cosmética natural e decidimos criar a marca com produtos que fossem com ingredientes com alto grau de vegetalização e insumos advindos do Norte e Nordeste”, conta Paula.

A advogada e empresária ressalta que a marca ainda é pequena, assim como  o empreendimento familiar, mas acredita que essa característica do artesanal termina sendo um  diferencial. “Na produção somos apenas eu e minha irmã, temos também nossa prima que é nossa sócia, mas atua na parte administrativa e nos representa em Pernambuco”, completa. Ela diz que, em 2017, a perspectiva de viver da produção artesanal era difícil, mas não impossível. “Depois desse primeiro ano que começamos realmente a fazer nosso nome e fidelizar nossos clientes tem sido mais fácil, mas ainda não vivemos inteiramente dos frutos da Venusta”, pondera. 

Para a empresária, iniciativas como o Bazá Rozê são excelentes para conhecer clientes e fazer networking. “Através do Bazá Rozê tive a oportunidade de conhecer diversas empreendedoras feministas e criar uma rede incrível de apoio entre nós. Essas inciativas te tiram do isolamento", ressalta a empresária, destacando que às vezes, uma situação considerada particular na empresa pode se apresentar como algo comum a todos e que essa rede de apoio mútuo é um dos melhores  aspectos do empreendimento feminista e sóciocriativo.  “Acredito que companheirismo seja o que mais destacaria, quando nós nos juntamos e começamos a criar essas redes de apoio às demandas ou objetivos que criamos conseguem ser cumpridas”, ressalta.

Para o próximo ano, a meta delas é expandir a Venusta com segurança e qualidade. “Queremos que o maior número de pessoas possa ter acesso aos cosméticos de boa qualidade, seguros para saúde e que não agridam a natureza, procurando causar o menor impacto possível no consumo”, defende. Luciana Moura aposta na organização para dar conta da produção sozinha. É dela também a gestão das redes sociais e a divulgação dos produtos Dona Domitilla (Foto:Moara Rocha Perfil  Luciana Moura, da Dona Domitilla  O Bazá Rozê foi uma das primeiras  feiras  que participei e sem dúvida consegui fidelizar uma boa parte do público que  se propôs a experimentar meus produtos.  Em Salvador não temos o hábito de comer geleias, e com isso eu sabia que seria um grande desafio incorporar esse produto no dia a dia das pessoas e tirar da cabeça deles que geleia só pode ser consumida no café da manhã, por outro lado existem muitos que gostam mas não encontram aqui boas marcas além das geleias industrializadas que são vistas facilmente nos mercados. Então a ideia era criar sabores que despertassem a curiosidade das pessoas e que fugissem totalmente do tradicional, tipo Cebola Roxa e Bacon com Merlot, pimentão vermelho,  e combinações de frutas, como cupuaçu com morango. Com os molhos e antepastos o princípio foi o mesmo, além da tradicional caponata de beringela desenvolvi um barbecue que mistura abacaxi com cachaça e pimenta e os clientes gostam das combinações inusitadas! A produção é 100% artesanal e feita por mim. Não tenho ajudantes nem funcionários e meu marido me ajuda nas vendas durante os finais de semana. A minha produção dobrou, tenho 23 produtos no cardápio e cuido de absolutamente tudo sozinha:redes sociais, criação de rótulos, produção e desenvolvimento dos produtos, financeiro, captação de feiras e eventos.