Com home office, cresce número de trabalhadores com lesões causadas pelo trabalho

A maior incidência de DORT está relacionada à falta de ergonomia, aumento de horas trabalhadas e a redução da atividade física

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  • Da Redação

Publicado em 29 de março de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao começar a trabalhar em home office, a editora de vídeo Raquel Carvalho, 24 anos, desenvolveu uma lesão por esforço repetitivo (LER). Assim como a jovem, outros trabalhadores que passaram a exercer suas funções diretamente de seus domicílios devido à pandemia também desenvolveram Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). Segundo o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) na Bahia, Luís Carneiro, as denúncias ao órgão motivadas por esses distúrbios aumentaram no período.

“A lesão está relacionada ao teletrabalho e é uma crescente fonte de denúncias ao MPT. O home office é uma alternativa viável em meio à pandemia. A má gestão desse trabalho fora da empresa pode gerar DORT. O trabalhador tem direito à desconexão, mas o desrespeito à jornada de trabalho estabelece um campo fértil para adoecimento”, afirma Carneiro. Além da falta de pausas, o procurador ainda aponta que muitos funcionários têm atuado em um ambiente sem ergonomia.

Os fisioterapeutas Daniele França, especialista em fisioterapia neurofuncional e ortopédica, e João Amaro Coelho Neto, fisioterapeuta ortopédico, também perceberam um aumento de casos de DORT durante a pandemia. Para eles, a maior incidência dessas lesões está relacionada com a postura incorreta, causada pela falta de ergonomia; o aumento do número de horas trabalhadas e a redução da atividade física.“Temos visto mais lesões posturais em trabalhadores e em estudantes. O fato de ficar sentado por muito tempo gera sobrecarga. A postura incorreta pode causar mais impacto que o esforço repetitivo. Digitar leva à lesão postural também porque o corpo fica desalinhado”, explica Coelho Neto.De acordo com a Sociedade Brasileira de Reumatologia, a sigla DORT foi introduzida para substituir a sigla LER porque a maioria dos trabalhadores com sintomas no sistema musculoesquelético não apresenta evidência de lesão. Outra razão para a mudança das nomenclaturas é que além do esforço repetitivo, outros tipos de sobrecargas no trabalho podem ser nocivas para o trabalhador, como a estática, excesso de força empregada para execução de tarefas, uso de instrumentos que transmitem vibração excessiva e trabalhos executados com posturas inadequadas.

Denúncia O procurador-chefe do MPT na Bahia explica que a casa se torna uma extensão da empresa a partir do momento em que o funcionário usa o espaço doméstico para exercer suas atividades de trabalho. Por isso, o patrão tem responsabilidade sobre as condições ambientais do home office, o que inclui a ergonomia. “É interessante ter um diálogo entre o patrão e o empregado sobre a infraestrutura de teletrabalho para que a empresa dê o suporte necessário, até mesmo do ponto de vista da conexão de internet. Caso isso não seja cumprido, o trabalhador pode fazer uma denúncia ao MPT em uma causa coletiva ou procurar o sindicato e um advogado para pressionar o empregador”, afirma.

Apesar do empregador de Raquel ter equipado o home office da editora de vídeos, ela adquiriu a lesão como resultado da intensificação da jornada de trabalho durante a pandemia. No escritório, a jovem trabalhava entre 6h e 8h. Em casa, a carga aumentou para 10h ou 12h."Em junho ou julho tive fortes dores na mão direita. Em um sábado, acordei com a mão inchada e muita dor. Fui em um ortopedista que descobriu a LER. A partir do diagnóstico, comecei a tomar remédios para dor e fiz 10 sessões de fisioterapia”, relata Raquel.Antes de descobrir a doença, a jovem trabalhava por horas ininterruptas, o que só piora o quadro. Depois do diagnóstico, Raquel se esforça para cumprir os intervalos, nos quais faz exercícios para a mão. As pausas são fundamentais para evitar a lesão durante o trabalho, ressalta a fisioterapeuta Daniele França. De acordo com ela, a cada 1h30 , o funcionário deve fazer um intervalo de 10 minutos para sair da posição de trabalho. “Entendendo que os fatores que mais contribuem para as DORTs são o movimento repetitivo, o ritmo de trabalho intenso, os móveis inadequados e postura inadequada”, afirma a fisioterapeuta.

Por realizar muito trabalho sentado e no computador, a classe dos bancários tem sofrido com a mudança para o home office. Segundo o Sindicato dos Bancários da Bahia, cerca de 40% dos profissionais do estado trabalham de casa, mas poucos possuem a estrutura adequada para exercer as atividades em domicílio.

“Nos últimos anos, estamos em um processo de adoecimento, mas isso foi agravado pela pandemia. Em 2020, foram emitidas cerca de 750 Comunicações de Acidente de Trabalho (CAT), dos quais aproximadamente 80% eram relacionadas a DORT”, afirmou o diretor do departamento de saúde do sindicato dos bancários da Bahia, Célio de Jesus, com base nos dados do sindicato que atua em mais de 100 cidades do estado. 

O presidente da entidade, Augusto Vasconcelos, afirma que o sindicato tem negociado acordos coletivos com grandes bancos para que seja fornecida ajuda de custo para o home office ou os equipamentos necessários para um trabalho na posição correta. A carga de trabalho também cresceu com a pandemia.

Entre os trabalhadores das escolas das redes estaduais e municipais também existem relatos de lesões, segundo Rui Oliveira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB). “Os professores me relataram lesões, mas é preciso comprovar com o diagnóstico. Estamos atuando em jornadas exaustivas de trabalho porque boa parte dos educadores não dominam de forma completa a tecnologia necessária para o trabalho remoto”, afirma Oliveira.

Prevenção De acordo com Coelho Neto, o principal sintoma de DORT é a dor, que pode estar associada a dormências, perda de força muscular, queimação e cansaço na região. “Em caso de sintomas, é importante procurar um médico ortopedista ou fisioterapeuta”, afirma o profissional. Realizar atividade física de forma constante é importante para prevenir as lesões, completa. De acordo com Daniele, os músculos mais fortes possuem mais fibras musculares, que ajudam a estabilizar a articulação. “Uma articulação estável realiza um movimento biomecanicamente mais correto, sem sobrecarregar outra parte do corpo”, explica. A especialista ressalta que é importante ter um acompanhamento profissional para fazer exercícios de fortalecimento muscular. E chama aa atenção para o que para a maioria das pessoas deve ser uma novidade: o alongamento, antes comuns em exercícios de ginástica laboral, não deve mais ser feito com o intuito de prevenir lesões causadas pelo trabalho. “Esses exercícios de alongamento, comuns da ginástica laboral, como flexão de punho com o braço estendido, não previnem a lesão e estudos mostram que até podem potencializar um distúrbio", alerta.

Dicas para a prevenção de lesões 1 - Variar a postura de trabalho. Para quem trabalha sentado, é interessante ficar em pé e realizar caminhadas. 2 - Realizar pausas de 10 minutos a cada 90 minutos trabalhados 3 - Posicionar o monitor na altura dos olhos para que a cervical fique em posição neutra. Para quem possui notebook, o indicado é usar mouse e teclado externo com USB. 4 - Colocar a cadeira em uma posição que permita o apoio do cotovelo flexionado e em descanso na mesa 6 - Deixar os pés apoiados no chão para estabilizar a lombar 7-  Ficar atento à postura para a lombar ficar apoiada no encosto da cadeira 8 - Realizar atividade física diária para fortalecer os músculos 9 - Manter uma respiração constante e prolongada durante o trabalho. Nunca trave a respiração 10 - Mudar de posição ao primeiro sinal de dor. Um médico ortopedista ou um fisioterapeuta devem ser consultados caso os sintomas persistam

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro