Com medo, motoristas de aplicativo deixam de rodar e selecionam corridas

Motoristas estão cancelando chamadas para Mata Escura, Jardim Santo Inácio, Tancredo Neves, Nordeste de Amaralina, Santa Cruz, Itapuã, Cajazeiras e Suburbana

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  • Bruno Wendel

Publicado em 17 de dezembro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Eles estão na companhia do medo. Após a chacina que vitimou quatro motoristas de aplicativo na Mata Escura, os demais integrantes da categoria que rodam em Salvador estão apavorados. Alguns não entram em certos bairros. Em outros casos, só circulam na via principal.

Motorista de aplicativo há dois anos, André da Paixão, 37, disse que não atende mais chamados para os bairros da Mata Escura, Jardim Santo Inácio, Tancredo Neves, Nordeste de Amaralina e Santa Cruz."Infelizmente nesses lugares eu cancelo. Nada vai pagar a minha vida. Enquanto nada de concreto for feito pelas autoridades vai ser assim. A gente vem trabalhando com medo", disse.George Pururuca, 45, também motorista, disse que só pega alguns passageiros na via principal em bairros como Itapuã, Cajazeiras e na região da Suburbana. "As pessoas não gostam, mas é preciso. Não entro em becos e vielas. Se não gostar, cancelo", declarou.

É nessa época de Natal que as corridas ficam mais caras - o valor é dinâmico devido ao aumento da quantidade de chamadas."Era uma ocasião para a gente ficar feliz, mas os bandidos sabem disso também e aproveitam a situação para roubar a gente. Muitos já disseram que não vão entrar nos bairros nos dias de Natal e Ano Novo por medo. Eu mesmo ando com medo. Depois das mortes dos colegas, já pedi perdão a todos da minha família e às pessoas que de alguma forma prejudiquei por que não sei se volto para casa", desabafou o também motorista de aplicativo Wesley Lima, 30. "Até para entregar alimentos, no Uber Eats, estamos apavorados porque a gente não sabe a índole de quem fez o pedido", complementou.A  recusa das corridas diante do medo de entrar em determinadas localidades é a única saída vista pelos motoristas, mas preocupa. É que a plataforma trabalha com taxas percentuais de aceitação e cancelamento de corridas. Uma taxa de cancelamento muito alta pode deixar o motorista sem trabalhar.“Se eu chegar a um determinado percentual sou bloqueado. E quem depende disso para viver, faz o quê? Vinte e quatro horas parado é muito pra mim”, contou Carlos Antônio, que é motorista há 3 anos e meio.Carlos relatou que já foi, inclusive, vítima de um assalto junto com passageiros e que passou a cancelar algumas corridas apesar da taxa. “A plataforma, ela não quer saber. Tem até um formulário lá para você justificar, mas a sua taxa baixa da mesma forma”, explicou ele, que relatou ainda a insegurança na identificação dos passageiros. “A gente chega para pegar um passageiro e está lá o nome ‘hahaha’. Se fosse o contrário e chegasse outro motorista, outro carro, o passageiro não ia entrar. Mas nós somos obrigados a aceitar”, reclamou. 

Parados Desde a última sexta-feira (13), data em quatro motoristas foram mortos, quem não está cancelando corridas está deixando de rodar. O próprio Carlos contou que deixou de trabalhar desde sexta e que já tem um prejuízo de cerca de R$ 900.

Outra colega que quase não tem atendido chamadas é a motorista Elionai Moura, 36. Ela amarga um prejuízo de mais de 70% da sua renda habitual desde as mortes.  “Só tenho pegado corridas para estabelecimentos, hospitais, restaurantes. Preciso selecionar”, contou ela, que também já foi vítima de um assalto enquanto trabalhava.Muito abalado com a morte dos colegas, Lucas Castro, 29, falou que ainda não consegue voltar à ativa. “Eu só penso que poderia ter sido eu, poderia ter sido qualquer um de nós. Agradeço que tenho o apoio da minha família e posso ficar sem rodar. Está realmente difícil e fico pensando nos colegas que não podem parar”, relatou.

“A plataforma não nos dá nada. Se temos apoio psicológico é porque o sindicato nos dá esse apoio. Os motoristas estão muito abalados, não estamos preparados psicologicamente nem para trabalhar. Tem muitos colegas nossos que estão trabalhando a pulso porque vivem disso. Hoje, eu mesmo estou aqui a base de remédios para conseguir rodar”, disparou o diretor jurídico do Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter), Ricardo Carvalho.

*Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier.