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Paulo Sales
Publicado em 20 de abril de 2020 às 05:00
- Atualizado há um ano
Tenho receio de estar vivenciando a aurora de um desses períodos nefastos que de tempos em tempos assombram a trajetória humana. Ao contrário do que preconizou Francis Fukuyama, o fim da história virou miragem e o século 21 se mostra em todo seu tenebroso esplendor. Os efeitos catastróficos da pandemia do novo coronavírus sobre a economia mundial podem provocar uma crise semelhante ao crash da bolsa de Nova York, em 1929. E sabemos bem quais foram as consequências de uma década de pobreza generalizada, desemprego maciço e gerações inteiras desperdiçadas.
Estou lendo o livro A Ordem do Dia, do francês Éric Vuillard (Tusquets), e assistindo a série La Segunda Mundial a Todo Color (Netflix). Ambos mostram com precisão e abundância de fatos os caminhos que levaram ao mais sangrento conflito da nossa história. E a lição que fica é: miséria e desalento são adubos eficazes para cultivar regimes fascistas. Eles não se enraizaram na França, Inglaterra ou EUA, mas encontraram solo fértil na Alemanha e na Itália. Claro que há 90 anos o mundo era bem diferente, marcado sobretudo por um militarismo expansionista que provocou invasões e massacres em larga escala. Mas é como diz Vuillard: “Nunca se cai duas vezes no mesmo abismo. Mas se cai sempre da mesma maneira, em uma mistura de ridículo e terror.”
A última crise econômica global, em 2008, desembocou na ascensão de políticos que, em maior ou menor medida, flertam com o ideário fascista. Viktor Orbán (Hungria), Donald Trump (EUA), Rodrigo Duterte (Filipinas), Mateusz Morawiecki (Polônia) e o nosso tresloucado Jair Bolsonaro se elegeram com discursos semelhantes e, sempre que a oportunidade aparece, propagam ameaças ao processo democrático. Tudo isso causa uma sensação de torpor, que reforça o caráter cíclico da história humana. Será que – depois das invasões da Manchúria e da Abissínia, da crueldade fratricida da Guerra Civil Espanhola, do Holocausto, dos 85 milhões de mortos na Segunda Guerra – não aprendemos nada?
Por outro lado, é possível vislumbrar aspectos positivos que podem sair fortalecidos dessa imensa praga em que estamos metidos. Até então vista como uma quimera, a renda básica universal passou a ser uma alternativa factível para mitigar a pobreza. E o principal: ficou evidente a importância do modelo keynesiano de estados de bem-estar social, com saúde universal gratuita e uma extensa rede de proteção aos mais necessitados. É a possível volta por cima do melhor sistema político, social e econômico já criado pelo homem, que começou a vigorar justamente após o caos da Segunda Guerra, mas vinha perdendo espaço para um discurso neoliberal e austericida cujos resultados em geral se revelaram catastróficos.
A verdade é que não temos a menor ideia de como sairemos dessa pandemia. Sofreremos, é certo. Haverá desemprego, empresas fechadas, miséria alarmante. O que fará a diferença em cada país vai ser a capacidade dos governos de promover ações, projetos e iniciativas em benefício da economia e, principalmente, da recuperação do tecido social esgarçado. Países como França, Alemanha, Finlândia e Portugal parecem seguir por essa trilha. O Brasil, certamente não.