Comparado a hit de Anitta, ‘Rala o Pinto’ foi sensação em Salvador há 30 anos

Clipe de ‘Envolver’ com música de Zé Paulo viralizou; cantor relembra sucesso em 1992

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  • Da Redação

Publicado em 10 de abril de 2022 às 10:16

. Crédito: Antenor Pereira/Arquivo CORREIO

Foliões do Bloco Frenesi dançam agarradinhos no Carnaval de 1992 (Foto: Antenor Pereira/Arquivo CORREIO) A chegada de Anitta ao topo das paradas mundiais, com ‘Envolver’, motivou a galera envolvente da Bahia a ‘volver’ no tempo e criar uma vídeo-paródia, comparando o conceito e coreografia do clipe da funkeira carioca a uma dança que tomou conta das ruas de Salvador, há 30 anos.

‘Rala o Pinto’, composta nas ruas e gravada por Zé Paulo, era uma das principais candidatas a Música do Carnaval de 1992, mas acabou que o sucesso ficou mais detido aos passinhos intuitivos, também uma criação coletiva e espontânea. Isso mesmo: a música mal tocou, mas a ralação bombou entre foliões. E a explicação para essa semi-flopada está na edição do Correio da Bahia de 4 de março daquele ano.

“Se a dança do Rala o pinto tomou conta das ruas, a música homônima, gravada por Zé Paulo, transformou-se em um dos maiores blefes do período carnavalesco. Os trios não tocaram, as barracas não incluíram nas fitas preparadas para animar a galera, enfim, frustrou por completo as expectativas que davam conta de que este ano Rala o pinto iria comandar a folia com sua letra escrachadamente sexual e sem sutilezas”, descreve reportagem da edição de Quarta-feira de Cinzas, no tradicional balanço dos festejos.

O espírito anárquico, sintonizado com o período momesco, realmente não emplacou como se esperava. “Talvez justamente por ser tão direta em sua provocação, o suingue-rap que era obrigatório nos agitos pré-carnavalescos foi excluído da grande festa. Um outro motivo possível é o fato de a música praticamente não ter melodia, sendo apenas um alinhavado de frases soltas. Assim, os cantores, que aproveitam o Carnaval para firmar a carreira artística no grande palco dos trios, optaram por excluir uma canção que pouco ou nada acrescentaria às suas exibições vocais. Já pensaram Daniela Mercury entoando, do alto do seu charme: ‘E rala o pinto, e tá gostoso’??? Pois é. Não aconteceu”, citava outro trecho da matéria.

[O autor da vídeo-paródia é o editor e sound designer Nuno Penna: @nunopenna].

Quem fez a música Apesar de todo mundo acreditar que o pai da criança era Zé Paulo, autor de clássicos como ‘Dança do Xenhenhém’ e ‘Louco de Amor’, na certidão de nascimento consta o nome de todo mundo. Zé Paulo, o padrasto, explica. “Essa música foi feita pelo povo, e cantada por um artista que queria ser a voz do povo naquela época, justamente pelo tabu. (...) Eu tinha um disco pronto, e pra sair esse disco, Cristóvão Rodrigues [produtor musical] veio e falou comigo: ‘Zé, tem uma música rolando aí na cidade. Grava’. Eu simplesmente fui pra rua, vi que a música estava acontecendo, gravei. Mas eu não sou o compositor”, nos explicou essa semana o cantor e compositor, que só adaptou os anseios gerais das ruas.

E esse tipo de criação popular era comum na época, como lembra outra reportagem daquele pós-folia. “No Carnaval 92 o baiano ralou o pinto, dançou colado, criou e inventou. Mas as danças de outros carnavais não foram esquecidas. Subindo a avenida ou descendo a Carlos Gomes, na ebulição da Castro Alves ou no frescor oceânico da Barra, muita gente reviveu o agitar irreverente da Dança da Galinha, o vaivém da Dança do Crocodilo, o deboche, o tititi, o samba-reggae, o frevo e todas as outras formas de expressão coreográfica que a Bahia mantém como um de seus principais artigos de exportação”.

‘Rala o Pinto’ não chegou a ser exportada, mas invadiu mercados fora da Bahia. “Sensual, provocativa, descaradamente sexual. Não deu outra, a dança do Rala o pinto conseguiu destacar-se dos demais tipos de dança que durante cinco dias encheram as ruas com suas evoluções e improvisos. Era previsível. Muito antes da folia começar, a dança derivada da música homônima de Zé Paulo já era assunto, repercutindo, inclusive, em outros estados”, citava o jornal.

Concorrência Por aqui, a concorrência e o ‘zeitgeist’ não favoreceram. “Uma das tendências dos últimos carnavais – talvez como uma nítida reação à violência – é a dança serena, distante anos-luz do pique insano do antigo frevo eletrizado. Músicas de andamento romântico, como Prefixo de Verão e Baianidade Nagô – ambas interpretadas pela banda Mel –, ganham cada vez mais acolhida no Carnaval da Bahia. E os pés, os braços e as cinturas vão atrás”, sinalizava texto, no ano em que além de ‘Baianidade Nagô’, ‘Vumbora Amar’ e ‘Madalena (entra em beco sai em beco)’ roubaram a cena.

Mas, e hoje, como ‘Rala o Pinto’ – que citava o nome popular de posições sexuais – seria recebida? Para Zé Paulo, o acolhimento tanto da canção, quanto da coreografia, seria bem mais tranquilo, tomando como exemplo o caso de Anitta.

“Eu acho bem curioso, porque na época, não só a letra, mas também a dança, eram vistas como algo errado, por conta do tabu que existia. Já hoje, uma coreografia criada por Anitta já não é vista com os mesmos olhos. Já é algo que consegue passar de uma forma sensual, as pessoas conseguem curtir mais sem tanto tabu”, analisa o artista, que considera ‘Rala o Pinto’ um ponto fora da curva em sua carreira. Para comprovar, basta ouvir ‘Justiça’, lançado nas plataformas digitais no dia 25, e que conta a história de um homem morto após cometer um furto famélico. Esta sim, um ponto dentro da curva, assim como ‘Feijão com arroz’ e ‘Barriga vazia’, outras criações de Zé Paulo e sua crítica social f*da. Ouça abaixo.