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Da Redação
Publicado em 8 de maio de 2022 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
Eu estou vivendo uma fase de autoabsolvição de mancadas, deslizes e erros cometidos ao longo da vida. Não para dar exemplo, mas autocura mesmo. >
No que tange à cozinha, aproveito essa enorme vitrine confessionária, para dividir dois momentos da minha carreira profissional cruciais, que baixaram a minha bola ao nível que eu precisava para me enxergar sem make no espelho das vaidades, da ignorância e da miudez. >
A idéia é não justificar nada, porque se justifico não reconheço o erro - e este é um prato que se come cru, sem flor de sal e um fio sequer de azeite de oliva extravirgem - até que deixe de ser indigesto para se tornar fina iguaria no grande banquete da sabedoria. >
Já as desculpas, estas sim, irão à mesa na mais linda travessa da minha baixela de retalhos de heranças. Desculpas pela líder centralizadora e extremamente exigente que fui; desculpa aos colegas e clientes pela soberba. >
Rainha na barriga>
Uma vez eu recebi um feedback de uma cliente muito assídua e querida, que depois de muitos anos consumindo todos os meus produtos, serviços, eventos e experiências, um dia arriscou me dizer: “Katita, eu sei que você não gosta de críticas, mas...” >
Eu perdi o chão. Como assim não gosto de críticas? Eu que sou tão aberta, tão flexível, tão fofinha, tão solícita, toda ouvidos! Falando isso para mim mesma e ao mesmo tempo dilacerada pela espada viking refletindo aquela luz da verdade que cega, me abrindo ao meio e expondo as entranhas da minha arrogância para quem quisesse ver. E quantas pessoas como ela teriam enxergado tamanha empáfia? >
Me senti tão envergonhada e burra que adoeci. E vi tantas coisas nessa febre, tantas memórias indesejáveis à espera paciente do momento em que se revelariam a mim com a impetuosidade de um Saturno na casa 10. >
E nunca mais fui a mesma, graças a Deus. E a Laura. (Foto: Katia Najara) Once upon a time London>
A outra experiência teve a ver com uma ignorância de mundo mesmo, quando ainda não havia tido nenhuma oportunidade de viajar para além-mar nem mesmo por tour virtual.>
Eu tenho uma cliente que à época morava com a sua família em Londres, e vinha passar pelo menos duas temporadas por ano em sua casa na Península de Maraú; me tornei a chef brasileira oficial da família e até hoje nutrimos delicioso vínculo.>
“As crianças”, que hoje são adultíssimos, festejavam tanto a minha chegada que certa feita ela me convidou para cozinhar para eles em sua casa em Londres durante um período de férias em que nenhum deles viajaria. Fiquei super feliz e já imaginava o figurino que eu ia montar para entrar naquelas cabines telefônicas e descer daqueles busões luxo.>
Corri para o orçamento. Bom, para preparar três refeições alto nível por dia para 5 a 6 pessoas eu ia precisar, no mínimo de uma, quiçá duas ajudantes. Porque seriam vários pratos, montagem das mesas, teria que acordar bem cedo, fazer compras, recolher uma refeição e já engatar a próxima e a próxima. Era babado, gente! O orçamento, em seu requinte de detalhes, ficou ridiculamente caro porque eu não sabia que gente chique não precisa contratar cozinheira (muito menos duas), nem faxineira, nem pintor; eu não poderia supor em minha vil ignorância que nem todas as culturas precisam de três refeições diárias com pelo menos seis opções à mesa; que poderia (e deveria) repetir o mesmo serviço de guardanapos e flores - para mim absolutamente necessárias, só para mim.>
E demorei a entender que o real motivo da minha cliente ter declinado da proposta não foi por mudança de planos, mas pela minha incapacidade de entender que a última coisa que eles queriam era três menu-ostentação por dia. O que eles queriam, e talvez principalmente, era nos proporcionar a todos uma experiência bacana me acolhendo em sua casa, onde provavelmente cozinharíamos juntos e sem frescura. E eu, do mais alto grau de miopia, cai do cavalo e até hoje não fui a Londres.>
Moral da história: Humildade e bom-senso na cozinha são dois ingredientes que a gente pode até pecar um bocadinho por excesso.>
Lindo Katita, entendi, mas e essa beterraba ao creme azedo, é o que mesmo? >
Vriuge, já ia me esquecendo! É uma das saladas mais simples e sem frescura que eu preparo para os Graham, e eles amam. Só isso. >
BETERRABA AO SOUR CREAM – OU CREME AZEDO>
Tome 200g de creme de leite fresco numa tigelinha, some o sumo de meio limão coado e misture com um fouet até ficar bem homogêneo. Acerte o sal e leve à geladeira por umas duas horas, no mínimo.>
Cozinhe as beterrabas com casca em água com sal somente até ficarem minimamente macias ao garfo, mas ao dente por favor! Deixe esfriar, descasque, corte em cubos e leve à geladeira num vasilhame com tampa. >
Na hora de servir é só derramar o creme azedo sobre a beterraba, ralar casquinha de limão, rasgar umas folhas de hortelã e regar com oliva se achar necessário.>
FIM>
Kátia Najara é cozinheira e empreendedora criativa do @piteu_cozinhafetiva>