Conheça a triste história da paciente 'sem nome' do Hospital do Subúrbio

Maria Suzana ficou dois meses internada sem identificação, após ser atropelada

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  • Thais Borges

Publicado em 6 de novembro de 2017 às 06:21

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

A certidão de nascimento diz que Maria Suzana da Conceição nasceu há 39 anos, em Pernambuco. Mas o nome dela é Maria Suzana da Conceição de Supriano, garante, com a lucidez e a memória de alguém que não lembra a mulher que passou dois meses no Hospital do Subúrbio, em Salvador, sem atender por nome nenhum. 

“Meu pai não me registrou. Meu nome original é esse, porque só minha mãe me registrou”, conta aquela que foi a quarta filha – a última do primeiro casamento – dos 12 de sua mãe. Maria Suzana acabou parando na Bahia, indiretamente, porque foi em busca do pai. Um dia, decidiu andar até São Paulo, onde alguém uma vez lhe disse que ele morava. A pé, chegou até Guarulhos (SP). Diz que, normalmente, não pega caronas na estrada. Não quer ter “contato com os homens”.  Maria Suzana é natural de Recife (PE), mas vivia como andarilha (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Em Guarulhos, não encontrou o pai. “Parece que está morto”, explicou, ao CORREIO. Ela também não duraria muito tempo na cidade, embora não saiba, ao certo, quanto tempo passou lá. Teriam tentado prendê-la. “Eu era muito suja e o pessoal pensava que eu era doida. Por isso, voltei”. 

Voltou, como andarilha que é, a pé até Belo Horizonte (MG) – “a cidade grande no centro de Minas”. Depois, veio para a Bahia. Ficou um tempo em Feira de Santana, no Centro Norte do estado, e em Euclides da Cunha, no Nordeste da Bahia. Esteve um Caldas do Jorro, no município de Tucano. “Lá é onde tem um banheiro com chuveiro, né?”, pergunta à assistente social do Caasah, Milza Souza, que acompanha a conversa. Depois, veio para Salvador. Gostou daqui, onde morava nas ruas.

Sem nome Do dia em que foi atropelada na BR-324 e que a levou até o Hospital do Subúrbio, Maria Suzana lembra pouco. Sabe que, pouco antes, tinha tomado banho em uma lagoa na região. “Era um rio de água clara, bem bonito, numa rua que só tem mato e fábrica. Quando saí do rio, já era umas cinco e meia da tarde. Depois, não lembro de mais nada. Só sei que foi feio porque disseram que fiquei em coma dois dias”. Maria Suzana não se lembra de um dia não ter sabido seu próprio nome. 

Diz que, desde que ‘subiu’ em direção a São Paulo, só usou droga uma vez. Bebia as garrafas de champagne que encontrava em ebós deixados na rua por seguidores de religiões de matriz africana.“Acho que foi por isso que o acidente aconteceu, né? Dizem que é errado beber o que é do santo”, supõe.Mas a vida nunca foi fácil com Maria Suzana. Nunca frequentou a escola. “Aí que começou todo o problema. Por isso minha revolta. Eu tinha que cuidar de meus irmãos. Minha mãe botou 12 filhos no mundo”, revelou. Enquanto a mãe trabalhava como empregada doméstica durante todo o dia, os filhos ficavam em casa. 

Aos 7 anos, aconteceu a situação que parece ser um de seus maiores traumas. Uma de suas irmãs, de um ano e oito meses, morreu enquanto era ‘olhada’ por Maria Suzana.“O caldeirão de água quente virou em cima dela. Eu me decepcionei muito com isso de minha irmã. A gente nunca teve família para cuidar da gente”, desabafa.Desde pequena, se acostumou a ficar na rua, pedindo esmolas. Aos 15 anos, passou um período breve fazendo faxinas em casas de família. 

Morava no Campo do Cacique, próximo ao bairro da Madalena, que apareceu nas lembranças que teve no hospital. Maria Suzana repete muitas vezes que a família não gostava dela. Que ninguém a queria em casa. “Só gostaram de mim que eu comecei a levar dinheiro dos gringos”, conta, trazendo de volta à mente um passado de prostituição. 

HIV, filhos, rejeição Ainda jovem, quando começou a trabalhar na casa de três jovens estudantes, teria conhecido os estrangeiros. Um deles até teria proposto casamento, mas a mãe não deu autorização necessária para que a filha – ainda adolescente – se casasse e saísse do país. “Depois que eu peguei HIV, minha família ficou com medo de mim. Não me queriam em casa porque tinham medo de pegar doença”. 

A família de Maria Suzana foi localizada pela equipe do Hospital do Subúrbio, mas o pessoal do Caasah ainda não conseguiu contatá-los depois disso. “O abandono é uma problemática social muito grave, mas há o autoabandono e o abandono da família. Nós, como profissionais, temos que ser neutros e tentar fazer o resgate da família”, explica a enfermeira do Caasah, Call Castro.

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Agora, eles tentam que ela receba o Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social, no valor de um salário mínimo. “Ela sempre foi comunicativa, mas chegou aqui transtornada. Com o tempo, foi se abrindo. Hoje, está estável e empoderada”, diz a assistente social Milza Souza. 

Em Recife, teve três filhos. Não sabe as idades de nenhum e só lembra dos nomes de dois: Pietra Catarina e Lucas Henrique. Não tem memória do outro, que teria sido entregue para uma vizinha criar. Os outros dois são cuidados, até hoje, por sua mãe.“Eu penso em terminar minha vida sozinha, mas alugar um quarto onde eu possa viver junto dos meus filhos. Minha família (mãe e irmãos) não gostam de mim, mas quero viver perto dos meus meninos, que são tudo na minha vida”, conclui.