Conheça o galinheiro urbano em pleno Rio Vermelho

Cerca de 63 galinhas e galos vivem livremente no bairro da boemia

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  • Moyses Suzart

Publicado em 31 de janeiro de 2021 às 07:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Foto: Nara Gentil/CORREIO

Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? No Rio Vermelho, nem uma coisa, nem outra. Foi um galo. Talvez por capricho do destino, bem no cruzamento da Rua Nelson Gallo com a Carijós, cerca de 63 galinhas (e galos) vivem livremente, compondo um verdadeiro galinheiro urbano no meio do bairro mais boêmio de Salvador. Tudo isso graças a um galinho carijó  que fugiu de um bozó despachado na pequena mata atlântica da localidade.

“Há uns 15 anos, acho, encontramos Chicão todo lambuzado de dendê, tentando se livrar de um despacho. Pegamos ele, demos banho e ele ficou lá mesmo. Mas Chicão estava muito só. Então, peguei duas galinhas do meu sítio e trouxe pra ficar com ele. Foram o adão e as evas. Depois disso, o número foi aumentando graças aos moradores, que cuidam delas. Eu coloquei quatro galinhas da angola recentemente”, conta o veterinário Fernando Oliveira, que tem uma clínica no local.  

Chicão não teve um destino digno de um Adão no livro Gêneses. Em vez de uma fruta proibida, deu de cara com um pitbull solto na rua. Morreu, mas já tinha deixado o legado. Com um ambiente favorável aos cuidados dos moradores, as galinhas colocaram ovos nas árvores, nas casas, em cima da banca de frutas, em todo lugar. A população cresceu e as aves nem se assustam com a presença de humanos.

Para o chef de cozinha Sandro Borges, as galinhas do Rio Vermelho são patrimônios da localidade. O cuidado é tanto, que Sandro empresta a garagem de sua casa quando uma galinha tem pintinhos, evitando que eles sejam atropelados ou pegos por outros animais. Borges transformou a varanda de sua casa num restaurante. O prato da casa é conhecido como A Prometida e adivinhem qual é a receita: galinha desossada e recheada. Tudo na rua parece se voltar para a ave que não voa. “Larguei minha empresa de marketing para me dedicar a um prato que minha avó ensinou. E moro numa rua em que galinhas vivem livremente. Graças a elas, pragas como escorpiões, baratas e até ratos sumiram. Coloco comida todos os dias para elas. Ração boa”, disse Sandro, que tem uma paixão especial por Zezão, o cachorro de penas. Bia e Sandro alimentam o galo Zezão (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Zezão só falta latir. Sempre que chega um estranho, ele encosta seu bico na canela do forasteiro, como se estivesse cheirando a pessoa. Também não pode deixar uma porta aberta que Zezão entra para futucar a casa. “Outro problema é quando aparece um cachorro, ele vai pra cima mesmo! Ele realmente pensa ser um cachorro. Pego no colo e tudo”, garante Sandro. Não se sabe ao certo se Zezão é descendente de Chicão, o primeiro galo citado na matéria. 

Não é tão barato cuidar dos bichos. O casal Roma e Mamusca do Rio Vermelho gasta, toda semana, cerca de R$ 150 de ração para as galinhas. Contudo, eles não se arrependem. “São nossas filhas e filhos. Desde que achamos Chicão e o doutor Fernando colocou as galinhas, é uma paz de espírito aqui. Moramos aqui há mais de 40 anos e o bairro mudou muito graças as galinhas. Você sabe o que é acordar cedinho e tomar um café ao som do galo cantando? Me sinto num sítio, meu filho. Depois começa o barulho infernal de buzinas e gritaria da cidade grande”, disse Mamusca do Rio Vermelho.

Terrorista O canto é bom para alguns. Na subida da rua Nelson Gallo tem uma pousada. Para os funcionários, as aves não incomodam. Quase todas. O galo batizado de Bin Laden parece ter uma cisma com alguns hóspedes. Quando ele está atacado, corre atrás das pessoas que passam pela pousada e sempre canta a partir das 2 horas da manhã. Funcionários garantem que ele faz de propósito. “É pitoresco ter tanta galinha num local urbano, mas não temos problemas. Os hospedes, na sua grande maioria, gostam. O problema é quando Bin Laden está naqueles dias. Ninguém dorme”, disse a gerente Daniela Soares. 

As galinhas trouxeram alguns benefícios a comunidade local, como controle de pragas e seus ovos. Elas chocam  em todo lugar e qualquer pessoa pode pegar, mas com moderação. “É ovo caipira, daquela gema amarela escura. Uma delícia. Não ligamos quando pegam ovos. Só não podem maltratar as galinhas. Nunca tivemos problemas com pessoas roubando aves”, lembra seu Roma do Rio Vermelho.

Com as galinhas, novos bichos apareceram no matagal do local. Gaviões e corujas retornaram, se tornando predadores naturais das galinhas e pintinhos. Até uma arara já foi vista. 

Sobre o fato das galinhas viverem justamente entre as ruas Nelson Gallo e Carijós (uma raça de galinha), é mais uma feliz coincidência que só se vê na Bahia. Uma rua presta homenagem ao famoso escritor e a Carijós, dizem os moradores, é em homenagem a uma tribo que vivia no local. Será que eles criavam galinha?