Conheça o homem que deu um golpe de R$ 80 milhões e se escondia na Bahia

Ele roubava dinheiro de contas correntes dos governos federal, estadual e municipal

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  • Gil Santos

Publicado em 12 de setembro de 2018 às 16:44

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/ CORREIO

Na manhã do dia 1º de agosto de 2003, os servidores da prefeitura de Santa Helena, no interior do Paraná, passaram um sufoco quando foram ao banco sacar os salários. O montante de R$ 900 mil havia desaparecido. É claro que o caso deixou a cidade em polvorosa, provocou a maior confusão e virou notícia.

O autor do golpe nasceu em Blumenau, no estado de Santa Catarina, e há nove meses estava vivendo em Salvador. Na manhã desta quarta-feira (12), Jean Pierre Loz, 43 anos, estava bastante à vontade durante apresentação na sede da Polícia Civil, na Piedade, e contou sobre os golpes que tem aplicado desde 1999. Um deles lhe rendeu a bagatela de R$ 80 milhões.

Parece até roteiro de filme, mas o processo na Justiça Federal por estelionato e os outros quatro do Tribunal de Justiça de Santa Catarina pelo mesmo motivo são reais. Jean Pierre é considerado tão perigoso que tem o nome incluído na Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol). Jean Pierre foi condenado a 40 anos de prisão por estelionato (Foto: Evandro Veiga/ CORREIO) Carro Formado em Ciência da Computação, ele trabalhava em um escritório de contabilidade em 1999 quando uma causalidade o levou para o mundo do crime. Jean Pierre comprou um carro e quando foi fazer o emplacamento descobriu que o veículo tinha restrição de roubo.

“Fui preso por receptação de produto roubado, mas, nesse caso, eu realmente era inocente e fui liberado uma semana depois. Só que nesse período em que fiquei preso conheci alguns caras que faziam isso, que roubavam pela internet. Eu tinha muito mais conhecimento de dados do que eles e percebi que poderia me sair bem nessa área”, contou.

Depois que deixou a cadeia, Jean Pierre resolveu trocar o salário de cerca de R$ 200 mensais (à época, o salário mínimo era R$136) pelos golpes milionários na web. A primeira vítima foi o Banco do Paraná. O gerente ficou nervoso ao descobrir que R$ 50 mil haviam desaparecido das contas, misteriosamente. “Foi minha primeira vítima. Não me arrependo”, afirmou. Documentos falsos encontrados com Jean Pierre (Foto: Evandro Veiga/ CORREIO) Crimes Jean Pierre usou os conhecimentos em informática para cometer outros crimes na web e contou que foi preso e liberado diversas vezes. Com ar de professor, ele contou como era fácil roubar o dinheiro das contas correntes do governo, disse que não se arrependia e que poderia fazer tudo novamente caso ficasse solto.

Na prática, o hacker enviava um e-mail para funcionários das instituições, um spam, e quando a vítima abria o computador era infectado. Jean Pierre tinha acesso aos dados e senhas das contas e podia fazer as movimentações sem ser notado. O dinheiro era transferido para contas de fachada, chamadas 'laranjas', em diversos bancos, e depois sacado.

“Até 2006, não existia limite de transferência. Essa limitação surgiu, justamente, depois dos crimes. Eu sempre dividia o dinheiro em várias contas para não chamar a atenção e até brigava com os gerentes quando ia fazer o saque e eles não queriam liberar o pagamento. Eu dizia que ia chamar a polícia”, afirmou, rindo.

O maior golpe foi dado na Companhia das Águas de Recife, em Pernambuco, em 2006. Com a ajuda de outras 15 pessoas, o hacker conseguiu roubar R$ 80 milhões. Segundo o delegado da 16ª Delegacia (Pituba), Ricardo Amorim, Jean Pirre ficou com R$ 8 milhões desse montante. A polícia chegou até ele depois de receber uma denúncia anônima.

“A denúncia dizia que um homem foragido estava vivendo no Parque Bela Vista. Montamos campana, descobrimos o nome dele e cruzamos os dados. Entramos em contato com a polícia de Santa Catarina, que confirmou o histórico dele. A prisão foi feita nesta terça-feira (11) à noite”, contou Amorim. Preso durante apresentação na 16ª Delegacia (Foto: Evandro Veiga/ CORREIO) Prisão Em 2013, Jean Pierre estava preso na penitenciária máxima do Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, em Canhanduba, Santa Catarina, condenado pelos crimes de estelionato, mas em dezembro daquele ano, conseguiu direito a saída temporária de fim de ano.

Ele saiu e nunca mais voltou, por isso, era considerado foragido. O destino do catarinense foi o Uruguai, onde estava vivendo até o ano passado. Em 2017, a Polícia Federal incluiu o nome dele na Interpol. Com medo de ser preso no exterior, ele voltou para o Brasil e contou que escolheu Salvador por ser uma cidade grande e distante do Sul.

Apesar dos golpes, Jean Pierre tinha uma vida discreta e evitava ostentações. Em Salvador, estava morando em um apartamento no Parque Bela Vista. O aluguel era R$ 2 mil e o suspeito não trabalhava. Ele contou que estava vivendo com o dinheiro que acumulou, mas não informou o montante.

Divorciado e pai de duas filhas, ele adotava alguns cuidados para não ser localizado pela Polícia Federal, como não usar chip no celular, fazer transações apenas pelo wi-fi e não atender telefonemas. Em 2006, ele comprou um posto de combustível e uma confecção de roupas, mas desistiu dos dois negócios. "Não vale a pena ser empresário no Brasil", disse. 

A polícia encontrou documentos falsos, cartões de crédito e talões de cheques no imóvel, por isso, Jean Pierre será indiciado por falsificação de documentos. A polícia baiana ainda está avaliando se ele ficará preso em Salvador ou se será encaminhado para Santa Catarina.