Conheça o Ladeirão da Oito, a subida que derruba até caixão com defunto

Esta semana, vídeo que mostra a queda do caixão viralizou nas redes sociais

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  • Thais Borges

Publicado em 26 de maio de 2019 às 06:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Não tem quem não tenha uma história – vivida ou presenciada. De carro sem conseguir subir e voltando de ré até carreta dando meia volta e caminhão pendurado na ribanceira. As cantadas de pneu – muito mais por ameaças de derrapagem do que por manobras arriscadas – também falam por si só. 

A dona dessa fama pode até ter nome oficial – Estrada da Paciência, em Cajazeiras VIII – mas é mesmo conhecida por uma alcunha que aterroriza motoristas novatos e experientes: 'Ladeirão da Oito'. Na famigerada via, entre janeiro e outubro do ano passado, foram contabilizados oficialmente três acidentes com feridos pela Transalvador, entre abalroamentos e choques. Mas, na prática, os sustos por ali são diários. 

Ninguém sabe ao certo a altura ou inclinação daquele elevado. O próprio órgão de trânsito municipal, por exemplo, não calcula inclinação de ladeiras. O que se pode afirmar é que o Ladeirão da Oito é protagonista de episódios memoráveis no trânsito de Salvador. 

Em 2012, por exemplo, as imagens de um caminhão-baú pendurado no barranco às margens da via chocaram moradores e forasteiros. Na última semana, mais um caso estapafúrdio: um caixão – com morto e tudo – caiu de um carro que tentava, a muito custo, subir a ladeira. Quatro pessoas tiveram que descer de seus respectivos veículos para ajudar a resolver a situação. “Essa daí é perigosa, minha filha. E muito”, alerta o construtor de pré-moldados Jaime Rodrigues, 76 anos.Morador da Mangabeira há mais de duas décadas, passa pela ladeira, no mínimo, duas vezes por dia. Na maior parte delas, vai de bicicleta, como quando encontrou o CORREIO. Só que, ao chegar na dita cuja, ele sai da garupa. Prefere ir andando, arrastando a bicicleta.  Seu Jaime sempre desce da bicicleta, quando chega na ladeira; mesmo assim, já se acidentou (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Há uns 25 anos, vinha pedalando. Mas hoje já estou velho, muito cansadinho”, explica. Às vezes, porém, vai na carona da carreta da empresa onde trabalha produzindo pré-moldados. O motorista do caminhão, garante, nunca passou por apertos. Por outro lado, Seu Jaime já perdeu a conta de quantos acidentes viu acontecer. 

Ele próprio já teve um braço quebrado uma vez. Há uns três anos, descia o Ladeirão à noite, empurrando a bicicleta, quando pisou em falso num buraco na via. Se desequilibrou e caiu por cima da bike. “Eu só gritei ‘Jesus!”, conta, reforçando a entonação na última sílaba. Por sorte, nenhum carro passava no momento. “Podia ter sido bem pior”, conta. 

É a mesma estratégia do servente Joscelino de Jesus, 64. Depois de pedalar 20 quilômetros para ir e outros 20 para voltar da Avenida Paulo VI, na Pituba, onde trabalha, ele prefere sair da bicicleta. Diz que não tem como encarar o Ladeirão em cima da garupa. “Já vi muito acidente aqui. Carro batendo em poste, carro descendo. Eu só consigo subir desse jeito, devagar, porque já andei muito”, conta Joscelino, no meio de uma pausa para descanso de cinco minutos.  Ladeira assusta motociclistas, ciclistas, motoristas e pedestres (Foto: Marina Silva/CORREIO) Como enfrentar Entre os motoristas, na verdade, o próprio Ladeirão já começa sendo uma estratégia. A via é um atalho para evitar distâncias e congestionamentos enfrentados por quem vai para Cajazeiras VIII através da IV ou da V. Edelson tem até dicas para quem não é acostumado a subir o Ladeirão (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Gasto cinco minutos vindo por aqui. Se for por lá, demoro uns 15, 20 minutos”, explica o vigilante Edelson Assis, 35. Ele reforça o coro dos que dizem que a ladeira é perigosa, mas minimiza os problemas. Para quem é da área, acredita que não tem segredo subir por ali. “Você tem que ir na primeira (marcha) e não empurrar muito o pé”, orienta. 

Funcionário de um depósito de bebidas, Alan Carlos, 44, também dá dicas parecidas. Com uma caminhonete carregada de garrafas de bebidas, ele veio pelo caminho mais longo para fazer uma entrega no topo da ladeira. Com aquele peso, avaliou que não tinha condições de subir. O carro, previu, ia descer involuntariamente. 

Para ele, foi justamente o que aconteceu com o motorista do carro que levava o caixão. “Ele não devia conhecer ou acreditou na potência do carro. Quem conhece aqui sobe de boa, ‘nas manha’. Eu não subi com esse peso, mas vou descer, porque descer é tranquilo”. 

E não estranhe se, ao parar diante da ladeira, perceber que é absolutamente comum ver os carros que estão subindo o Ladeirão fazerem isso invadindo a contramão. Os motoristas mais acostumados a andar por ali garantem que não é barbeiragem. Pelo contrário: ou vai desse jeito ou não vai.  Alan evita subir a ladeira quando está com o carro carregado (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Esse lance de invadir é para ganhar impulso. Se você subir reto, não consegue impulso e desce também. Mas quem está descendo precisa ter atenção para não acontecer uma colisão”, diz. O aposentado Manoelito Dias, 50, nem sabe quantas vezes sobe e desce o Ladeirão. Vai a pé – passando por 85 degraus largos, que só começam depois do primeiro terço de altura do elevado – e de carro. “Na chuva é pior ainda. Ninguém desce, ninguém sobe, porque é muita água que cai, misturada com óleo. Quantos carros já não desceram até a ponta aí? Essas marcas na cerca são de carros que invadiram”, afirma, apontando para a cerca aramada de uma propriedade na ponta da subida. 

Mas há quem evite a ladeira de todas as formas. De carro, de bicicleta ou a pé, a aposentada Rosália Silva, 56, riscou o Ladeirão de seus caminhos. Não pela infraestrutura. Se fosse por isso, nem teria problema. “É por segurança mesmo. Lá embaixo virou local de desova e a subida é um perigo, cheio de assalto. Eles tomam o celular e você nem percebe”, avisa. 

Alternativas O Ladeirão da Oito não é obrigatório no percurso de ninguém. Não existe nenhuma rua ou região da cidade que só possa ser acessada por lá, de acordo com a Transalvador. 

Os motoristas que estiverem no final de linha da Cajazeiras VIII, por exemplo, e quiserem chegar à Via Regional podem seguir pela Estrada da Paciência, passar pelas Avenidas Engenheiro Raimundo Carlos Neri e Jorge Calmon; em seguida, acessar as Ruas Deputado Herculano Menezes e Álvaro para, assim, chegar à Via Regional.

De fato, a Transalvador admitiu que a situação no Ladeirão é difícil. Para garantir uma circulação segura dos veículos, as ladeiras precisam, ao serem projetadas, ter uma inclinação pensada dentro dos limites técnicos específicos da localidade. No entanto, em vias antigas, o órgão explica que é mais difícil corrigir as falhas. 

"É importante ressaltar que hoje em dia este tipo de situação não ocorre mais, visto que é necessário a realização de diversos estudos técnicos para implantação de uma nova via", completam, em nota.