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Da Redação
Publicado em 14 de julho de 2021 às 18:27
- Atualizado há 2 anos
Conteúdo verificado: Posts no Facebook afirmam ser possível, com 1.713.566 assinaturas, revogar os mandatos de políticos, acrescentando que devem ser alvos de revogação, expulsão e cobrança de multa os senadores Randolfe Rodrigues, Omar Aziz, Renan Calheiros, Humberto Costa, Rogério Carvalho, Jorge Kajuru e Fabiano Contarato. Criticam, ainda, a CPI da Pandemia, que teria sido armada, conforme as postagens, para derrubar o presidente eleito (Jair Bolsonaro). O Brasil não possui mecanismos que possibilitem a revogação de mandatos políticos por meio da coleta de assinaturas de cidadãos, ao contrário do que afirmam posts publicados por contas do Facebook sustentando a possibilidade mediante 1.713.566 assinaturas.>
Atualmente, há duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) no Senado que pedem a revogação de mandatos de políticos, incluindo senadores, mas elas estão em tramitação – ou seja, não foram aprovadas.>
No país, pessoas eleitas só podem ser retiradas dos cargos se forem condenadas por irregularidades. E, de acordo com a Constituição Federal, senadores só perdem o mandato por determinação do Senado ou da Justiça Eleitoral.>
As postagens também atacam a CPI da Pandemia e sete senadores: Omar Aziz (PSD-AM), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Renan Calheiros (MDB-AL), Humberto Costa (PT-PE), Rogério Carvalho (PT-SE), Jorge Kajuru (Podemos-GO) e Fabiano Contarato (Rede-ES). Os três primeiros são o presidente, o vice-presidente e o relator da comissão, respectivamente.>
O autor do post original encontrado pela reportagem foi procurado pelo Comprova, mas não respondeu até a publicação deste texto. A postagem também foi divulgada no perfil bolsonarista ForçaBrasil.>
Como verificamos? Primeiramente consultamos os sites da Câmara e do Senado para obter informações sobre a tramitação de projetos com relação a este assunto. Também entrevistamos Abraão Luiz Filgueira Lopes, mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).>
Por fim, procuramos o autor da postagem via mensagem privada no Facebook, mas não obtivemos resposta até a publicação deste texto.>
O Comprova fez esta verificação baseada em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de julho de 2021.>
Verificação Mecanismo atual Atualmente, um senador só pode perder o mandato por determinação do Senado ou da Justiça Eleitoral, como previsto no artigo 55 da Constituição Federal.>
Na mesma seção, a V, a Constituição aborda os direitos e as proibições de deputados e senadores. No artigo 54, é vedado a eles firmar contratos com empresas ou órgãos públicos ou aceitar cargo remunerado nelas; ser dono de empresa que firme contrato com o poder público; ser titular de mais de um cargo ou mandato público eletivo. Fazer qualquer uma dessas coisas leva à perda do mandato, conforme o artigo 55.>
Também ocorre a cassação em caso de falta de um terço das sessões legislativas, de suspensão dos direitos políticos, quando a perda do mandato for determinada pela Justiça Eleitoral, quando for condenado criminalmente em sentença transitada em julgado e quando houver quebra de decoro parlamentar.>
O regimento interno do Senado estabelece que denúncias de quebra de decoro parlamentar serão levadas primeiro ao Conselho de Ética. Lá, o grupo de parlamentares deve discutir a admissibilidade do caso e a consequente apuração. No conselho, são consideradas as medidas disciplinares cabíveis. Após ser aprovada no Conselho de Ética, a decisão precisa ser referendada pelo plenário do Senado.>
Tentativas No Brasil, não há nenhum mecanismo em funcionamento que permita aos cidadãos revogar o mandato de um político de qualquer esfera eleito pelo voto. Entretanto, já houve tentativas de se criar tal ferramenta.>
No site do Senado há ao menos oito proposições de PECs relacionadas à revogação de mandato de políticos.>
Uma delas, inclusive, está em tramitação. A PEC 21, de 2015, de autoria do então senador Antonio Carlos Valadares, determina “que a soberania popular será exercida, nos termos da lei, mediante veto popular e direito de revogação de mandato de membros dos poderes Executivo e Legislativo, estabelecendo que poderão ter seus mandatos revogados após transcurso de dois anos da data da posse”.>
Em junho de 2017, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou um texto substitutivo da proposta original, com a revogação valendo apenas para o cargo de presidente. Desde então, segundo o Senado, o documento está “pronto para deliberação no plenário”.>
Também de 2015 e em tramitação, a PEC 8, do senador José Reguffe, tem objetivo semelhante: “permitir que mandatos políticos, em todas as esferas, possam ser revogados pela Justiça Eleitoral, mediante ação ajuizada por qualquer eleitor”. O texto está com o relator, conforme a última atualização, de agosto de 2019.>
Outras tentativas foram engavetadas. Em 2015, por exemplo, o então senador Cristovam Buarque propôs a PEC 160, que alterava a Constituição “para estabelecer que o presidente da República, o governador de estado ou do Distrito Federal, o prefeito ou senador poderá ter o mandato eletivo revogado pelo voto da maioria absoluta dos eleitores da respectiva circunscrição eleitoral, nos termos de lei complementar, por meio de consulta popular pela Justiça Eleitoral”.>
De acordo com o texto, deveria haver “amplo debate público” e a emenda entraria em vigor assim que publicada, sem poder ser aplicada “aos mandatos em curso por ocasião de sua vigência”. Mas, depois de três anos em tramitação, o texto foi arquivado em dezembro de 2018.>
Como afirmou a Agência Senado à época, o projeto apresentava a mesma medida que nos Estados Unidos é chamada de recall político.>
Há ainda PECs sobre revogação de mandatos políticos em tramitação, mas que não envolvem o cargo de senador, como afirma o post verificado aqui. É o caso da PEC 17/2016, que dispõe sobre o mandato de presidente e vice.>
O que diz o especialista Em entrevista ao Comprova, o jurista Abraão Luiz Filgueira Lopes, autor do artigo “As manifestações populares e a impossibilidade de revogação dos mandatos eletivos em curso por insatisfação dos eleitores”, publicado pelo Tribunal Superior Eleitoral, explica que a mudança depende exclusivamente de alteração na Constituição Federal.>
Conforme ele, outros países, como os Estados Unidos, possuem o mecanismo conhecido como recall, bastante divulgado quando o governador da Califórnia, o democrata Gray Davis, passou por esse processo, em 2003, dando lugar ao ator Arnold Schwarzenegger (Partido Republicano).>
“Esse instituto, como chamamos, é a possibilidade de, no curso do mandato, a população de uma determinada localidade revelar seu descontentamento com um governante e tomar para si de volta o mandato, elegendo um outro representante no lugar dele”.>
No Brasil, reforça, não existe até o momento essa possibilidade. “Esse tipo de discussão aparece muito forte quando há um cenário de polarização”, diz, explicando que em relação aos governantes, como presidente e governadores estaduais, o caminho previsto pelo direito brasileiro seria o impeachment, mas este depende da demonstração de crime de responsabilidade.>
No caso de senadores, os mandatos podem ser cassados caso irregularidades sejam comprovadas. Conforme ele, publicações como as verificadas aqui, entretanto, podem aumentar a pressão popular na tentativa de forçar um representante a uma renúncia.>
“Para mudar o cenário, teria que ser aprovada uma Proposta de Emenda Constitucional e eu particularmente entendo que essa mudança só poderia ser pra frente, ou seja, se aprovasse agora, ela só poderia valer para os mandatos que se iniciarem após a promulgação da lei. Não poderia se criar a possibilidade de abreviação do mandato quando o representante foi eleito antes, pois ele foi eleito com a garantia constitucional de que terminaria o mandato”, sustenta.>
A CPI da Pandemia A Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia foi instaurada no Senado para apurar possíveis negligências da gestão Bolsonaro no combate à covid-19. Ela ganhou o foco da cobertura política e se tornou o principal fator de desgaste do governo federal, com pesquisas mostrando perda de popularidade do presidente. Com isso, muitos dos integrantes da CPI passaram a ser alvo de campanhas de desinformação nas redes sociais.>
A CPI possui onze titulares e sete suplentes, dos quais cinco são citados na postagem aqui checada. Omar Aziz é o presidente da CPI e Randolfe Rodrigues, o vice-presidente. A relatoria está a cargo de Renan Calheiros. Já Humberto Costa e Rogério Carvalho são, respectivamente, titular e suplente. Todos eles fazem parte do grupo de oposição ou independência com relação ao governo federal.>
O boato ainda cita Fabiano Contarato e Jorge Kajuru. Eles são autores de uma notícia-crime enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar se Bolsonaro cometeu o crime de prevaricação.>
A notícia-crime se baseia no depoimento do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que afirma ter relatado ao presidente uma suposta cobrança de propina e irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. Os senadores acusam Bolsonaro de não ter levado as suspeitas aos órgãos investigatórios para apuração. O presidente não nega ter tido a conversa com Miranda e já afirmou que “não pode tomar providência sobre qualquer coisa”.>
Quem publicou o conteúdo falso? As postagens com conteúdo falso foram publicadas em três grupos de apoio ao presidente Bolsonaro e à reeleição dele. O mesmo usuário foi responsável pelos posts nos grupos Nação Bolsonarista 2022 e ForçaBrasil e outra usuária pela postagem no grupo Aliança pelo Brasil.>
As postagens foram sinalizadas como informação falsa pelo Facebook, após checagens por verificadores de fatos independentes.>
Procurado, o autor do post mais antigo encontrado pela reportagem não respondeu ao pedido de entrevista.>
Por que investigamos? Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal ou a pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. A postagem aqui checada foi compartilhada ao menos 435 vezes e recebeu 979 reações.>
A pandemia já matou mais de 530 mil pessoas no Brasil e tem consequências sociais, econômicas e políticas. Publicações falsas sobre este assunto são compartilhadas com a intenção de apoiar determinados posicionamentos políticos e deslegitimar outros. O Comprova já mostrou, por exemplo, ser falso que os irmãos Miranda tivessem mostrado recibos forjados da compra da Covaxin para prejudicar Bolsonaro.>
A alegação de que senadores poderiam ter o mandato revogado por pressão popular também foi checada por Checamos AFP, Aos Fatos e Fato ou Fake.>
Falso, para o Comprova, é conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.>
*Esta checagem foi postada originalmente pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 33 veículos de mídia, incluindo o CORREIO, a fim de identificar e enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso que surgem em sites, aplicativos de mensagens e redes sociais. Esta investigação foi conduzida por jornalistas do Estadão, Folha de S.Paulo e Correio de Carajás, e validada, através do processo de crosscheck, por quatro veículos: CORREIO, A Gazeta, UOL e BandNews FM.>