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Marcela Vilar
Publicado em 29 de julho de 2020 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Nas paredes de um contêiner e de um caminhão amarelo, esquecidos atrás dos prédios da Pró-Reitoria de Administração e da Superintendência de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sumai) da Universidade Federal da Bahia, no campus de Ondina, vê-se escrito “consultório odontológico”, com o logotipo do programa “Saúde na Escola”. Enferrujado, com a tintura apagada e até um pouco de limo, o contêiner serviria para atender alunos da rede municipal e estadual de ensino, através do projeto criado em 2013 pelo governo federal chamado Consultórios Itinerantes de Odontologia e Oftalmologia.>
Porém, os equipamentos recebidos em 2014 pela Ufba nunca foram utilizados e estão abandonados. Pelo desuso, foram parar no setor de transporte da universidade para evitar degradações. >
O superintendente da Sumai, Fábio Macedo Velame, que trabalha na Ufba desde 2015, disse que sempre viu os equipamentos por lá e que eles tinham sido deixados inicialmente na frente da superintendência, sendo depois movidos para o fundo do prédio. Contudo, como eles não estão sob sua tutela, Fábio não soube explicar porque não foram usados. >
“Não consigo entender porque [o projeto] não foi adiante”, disse Hugo Ribeiro, antigo diretor do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, que é professor da Faculdade de Medicina da Ufba. Foi na gestão dele (2004 a 2013) que as conversas para a implementação do projeto foram iniciadas com o MEC. Segundo Ribeiro, tudo já tinha sido viabilizado: os consultórios equipados já tinham sido entregues pelo governo federal e a mão de obra seriam os alunos de Odontologia e de Medicina, pois valeria como atividade de extensão.>
Só faltava negociar com as secretarias municipais e estaduais de Educação e Saúde, que entrariam com os custos de manutenção e infraestrutura.“Não tinha como a universidade bancar”, explica Ribeiro. A Secretaria Municipal de Saúde esclareceu que a gestão dos consultórios era de responsabilidade do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes): “A SMS faria alguma intervenção somente se a Ufba ofertasse o serviço; não existe serviço ofertado”. >
A Ufba recebeu um caminhão e dois baús com equipamentos, incluindo um aparelho de raio-X e um laboratório de montagem de óculos. Cada caminhão custa R$ 170 mil e cada baú, R$ 90 mil. O investimento federal é estimado em quase R$ 350 mil. >
A universidade esclareceu que a responsabilidade para a implantação dos consultórios era da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que gere os hospitais das universidades federais do Brasil. De acordo com a Ebserh, “quem deveria coordenar o cadastramento dos consultórios eram os gestores de saúde e de educação em seus diversos níveis”. A empresa relata que 27 universidades federais aderiram ao projeto em todo o Brasil e que 30 hospitais universitários receberam as unidades de saúde móvel. O investimento do governo federal foi R$ 2,5 milhões.>
Jogo de empurra Na Bahia, a execução se daria pelo Hupes. Por nota, o hospital respondeu que “encontrou dificuldade de execução no modelo proposto, visto que a Portaria Interministerial não definiu pagamento pelo SUS para o programa, não destinou profissionais e nem dispôs de recursos para manutenção dos equipamentos”.>
O Hupes ainda justificou que não conseguiu ir adiante com o projeto porque os insumos oftalmológicos e odontológicos “têm um alto custo” e “há dificuldade logística e de estrutura nos locais que receberiam o projeto itinerante, tais como infraestrutura de luz, água e acesso físico, o que gerou desinteresse das escolas e também das secretarias de saúde e educação no avanço da proposta”. O Hospital ainda disse que o MEC publicará uma nova portaria que permite que os hospitais doem os equipamentos para uma instituição indicada pelo SUS. >
Umas das universidades baianas que conseguiu implementar o projeto foi a Federal do Vale do São Francisco, que fica entre Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). Os consultórios foram inaugurados em 26 de novembro de 2013. No mesmo dia, 12 crianças, que estudavam na Escola Municipal Maria Franca Pires, de Juazeiro, foram atendidas. >
Objetivo Segundo a portaria que regulamenta o projeto, o objetivo era realizar ações de atenção à saúde à população, prioritariamente de estudantes atendidos pelo Programa Saúde na Escola e cadastrados no Programa Brasil Alfabetizado.>
Como o texto não especificava com detalhes quem deveria arcar com os custos de manutenção, alguns hospitais não conseguiram levar o projeto adiante. O Ministério da Saúde comunicou que “o Programa Olhar Brasil foi descontinuado em 2014 em comum acordo entre as pastas da Saúde e da Educação”. Entretanto, o ministério não soube informar sobre os consultórios odontológicos, que fazem parte do programa. >
A Secretaria Estadual de Educação esclareceu que “sempre esteve à disposição para contribuir com o projeto e indicou escolas para recebê-lo ”. Já a Secretaria de Educação Municipal disse que “não tem qualquer ingerência sobre os consultórios doados à Ufba”. A pasta também informou que “sempre atuou de forma incisiva com o objetivo de desenvolver suas atribuições, conseguindo articular mutirões de saúde, encaminhar profissionais para realização de consultas presenciais, que resultaram na distribuição de óculos”.>
Não houve resposta até o fechamento desta edição do Ministério da Educação nem da Secretaria de Saúde Estadual. >
*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro>