'Copa com as Manas': mulheres vão ao teatro para assistir à Seleção feminina

Evento aconteceu no Vila Velha e reuniu cerca de 50 pessoas

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  • Gabriel Moura

Publicado em 9 de junho de 2019 às 20:21

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Marina Silva

Acostumada a frequentar estádios de futebol, principalmente a Fonte Nova, a produtora cultural e “tricolouca” Maria Ribeiro, 27 anos, teve uma experiência diferente como torcedora neste domingo (9). Em vez de sentar nas arquibancadas, onde o público é majoritariamente masculino, ela acompanhou a estreia da Seleção Brasileira feminina na Copa do Mundo rodeada de mulheres, no evento “Copa com as Manas”, que reuniu cerca de 50 torcedoras no Teatro Vila Velha.

“Isso aqui está lindo. Eu cheguei cedo e vi o lugar vazio e imaginei que a galera não iria colar. Mas aos poucos as meninas foram chegando e conseguimos lotar a sala. Eu faço parte de um grupo de torcedoras do Bahia, as Tricoloucas, e costumo ir ao estádio com elas, pois prefiro torcer ao lado de mulheres, ouvi-las comentando o jogo... Quanto mais mulher ocupando os espaços melhor”, defende. 

E o evento, organizado pelo coletivo Criôla Criô, se mostrou pé-quente: o Brasil venceu por 3x0 o jogo contra a África do Sul. Se Cristiane, que marcou três gols, Andressa Alves e companhia davam um show lá em Grenoble, cidade onde aconteceu o jogo, as torcedoras baianas não ficaram atrás.

A cada lance era um grito, um gesto demonstrando felicidade, tristeza, lamentação e, principalmente, comemoração. E a reação da torcida foi o que mais chamou a atenção do professor aposentado Juracy Tavares, que foi ver o jogo acompanhado da esposa.“Elas são muito vibrantes e positivas. Tem uma mesmo sentada em minha frente que, em qualquer lance, se levanta, grita e comemora. É muito legal”, disse o professor.“É difícil ser mulher, tanto torcendo quanto jogando, por isso, precisamos ficar firmes e fortes ao lado delas. E o melhor daqui é estar rodeada de mulheres. Os homens sempre tentam nos desqualificar quando dizemos que gostamos de futebol. Ficam perguntando isso e aquilo para tentar provar, na cabeça deles, que não entendemos do assunto. Quando estamos entre nós mesmas, podemos torcer com mais liberdade”, conta a gremista e estudante de culinária Camila Cabral, 21. 

Criar este espaço onde as mulheres possam se sentir à vontade para torcer pelo futebol feminino é um dos objetivos do “Copa com as Manas”. O outro, e principal, é levantar discussões sobre o papel da mulher tanto no futebol, quanto em outros lugares da sociedade, aliando o lazer com a reflexão. Torcedora ficou tensa na estreia do Brasil “Além de torcer para a Seleção feminina, sempre vamos buscar levantar reflexões e questionamentos durante os eventos. Por isso, a cada edição dos jogos do Brasil vamos trazer mulheres para falar sobre suas atuações, seja na área acadêmica, de pesquisa e do ativismo social”, explica a jornalista Jamile Menezes, 38, uma das organizadoras do evento. Além de palestrantes, haverá uma apresentação musical.

A convidada do evento deste domingo foi Cláudia Sandes, assessora de projetos do Bahia. Lá ela falou sobre a campanha “Me deixa torcer”, que busca o respeito às mulheres no estádio. “Com esse movimento, nós buscamos nos aproximar e valorizar as nossas torcedoras, mapear os lugares onde acontecem os casos de assédio e facilitar a denúncia por parte das vítimas”, explica Cláudia.

A campanha surgiu após a tricolor Maria Ribeiro expor em seu Twitter um episódio de assédio que sofreu dentro da Fonte Nova, no jogo Bahia x Avaí. Ela conta que um grupo de homens tentou assistir a um jogo com ela e suas amigas, abordando-as com cantadas. Após a negativa das meninas, eles direcionaram xingamentos, ofensas e gestos obscenos às torcedoras, além de ameaçarem agredi-las fisicamente.“Após esse episódio, eu não tinha, incialmente, a intenção de denunciar, pois, infelizmente, o assédio já virou algo normalizado e rotineiro dentro dos estádios de futebol. E, quando eu vi que a patrulha da polícia também só tinha homens, fiz aquele pré-julgamento de que eles, em geral, não sairiam em defesa da gente. Não denunciei por conta disso. Mas sei que foi uma atitude errada, deveria ter feito a ocorrência”, lembra a torcedora.Após ela expor seu relato na rede social, o Bahia entrou em contato com ela e desenvolveu a campanha, com o intuito de dar o protagonismo às mulheres nos estádios.

“Quando fomos escolher o nome da campanha, ficamos na dúvida entre ‘Me deixa torcer’ ou ‘Deixa ela torcer’. Optamos pelo primeiro pois o segundo dá uma ideia de que alguém precisa dar a permissão para a mulher ir ao estádio e apoiar o seu clube. O que é totalmente equivocado. Nós do Bahia entendemos que isso não é uma causa partidária, mas sim humanitária. A gente tenta educar a sociedade através do esporte”, defende Cláudia. 

Primeira transmissão Em tempos de Copa do Mundo, apenas a competição masculina costumava receber transmissões da TV Globo. Neste domingo (9), foi diferente. Pela primeira vez, em um Mundial, as mulheres puderam receber um “Haja coração”, narrado por Galvão Bueno.

“É algo a ser comemorado. O jogo das meninas será narrado pelo principal locutor da principal emissora do país. É um nível de igualdade que é necessário ser marcado na história. Mas, apesar disso ser algo a ser comemorado, ainda acharíamos melhor que o jogo fosse transmitido com a voz de uma mulher, como a Fernanda Gentil”, pondera Jamile.

De acordo com dados do Ibope, a TV Globo teve uma média de 18,5 pontos de audiência no jogo, com picos de 21.

Outro fator que comprova o grande interesse do público por esta edição da Copa do Mundo feminina é que, pela primeira vez, a Panini lançou um álbum de figurinhas para um Mundial das mulheres. Entretanto, Jamile ressalta que o interesse pela modalidade não deve acabar após a competição e que as atletas devem ser prestigiadas e apoiadas sempre.“Cabe a nós, sociedade, mulheres, nos mobilizarmos em relação a isso e pautar debates e ações que busquem essa maior visibilidade. O Brasil irá participar de outros torneiros e existe o futebol feminino o ano todo, através dos clubes em campeonatos nacionais ou regionais”, defende a jornalista.Um dos maiores obstáculos para a maior popularização da modalidade é o machismo. Para combate-lo, Jamile defende uma mudança “de fora para dentro”. “Precisamos forçar as estruturas a se moverem. Se no próprio interior da Seleção há o machismo, quando, por exemplo, demitiram uma mulher (Emilly Lima) para colocar um homem como treinador (Vadão). Por isso temos que forçar a barra até conseguir o que a gente quer”, defende. 

Onde ver os próximos jogos da Seleção O projeto “Copa com as Manas” irá reunir mulheres ao longo de todos os jogos da Seleção na Copa do Mundo. As informações sobre os locais, horários e atrações dos encontros estão no Instagram @copamanas. Além desse projeto, outros lugares irão transmitir os jogos da Seleção. Alguns deles são:Giramundo Rua do Carmo, 15 - Santo Antônio Além do CarmoVelho Espanha Rua General Labatut, 38 - BarrisCabaré dos Novos Teatro Vila Velha - Passeio públicoPastelaria Tropicália Ecosquare - Rua Conselheiro Pedro Luiz - Rio VermelhoBoteco Concha da Sereia Trav. Pedra da Sereia, 38 - Rio VermelhoTô em Casa Largo da Mariquita - Rio VermelhoBão Petiscaria R. Manoel Joaquim Alves, 314 - StiepKombita Chopp R. Prof. Sabino Silva, 179 - Jardim ApipemaFive Sport Bar Shopping Paralela

* Com supervisão da subeditora Tharsila Prates