Coronavírus: aumento de número de casos leva medo a moradores de Brotas

Bairro passa de sete para 23 casos confirmados em dois dias; comércio abre de forma irregular e moradores estão com receio que vírus se espalhe

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 12 de abril de 2020 às 18:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tiago Caldas/CORREIO

Os cientistas e a Organização Mundial de Saúde (OMS) fazem apelos para as pessoas ficarem em casa, o coronavírus assola o mundo, mas Brotas insiste em ser Brotas mesmo em meio a uma pandemia. Uma das regiões mais movimentados e efervescentes de Salvador, não é a toa que o número de casos de Covid-19 só cresce e deixa o bairro na segunda posição de infectados, perdendo apenas para a Pituba. De 9 casos confirmados no dia 7 de abril, o bairro passou a 23 casos confirmados no dia 9. Agora concentra 6,2% do total de doentes, que se espalham por 75 localidades da capital baiana. A Pituba tem 31 casos confirmados. O Imbuí vem em terceiro com 15 casos confirmados. 

Em pleno domingo (12), ainda que a circulação de gente em Brotas fosse menor do que durante a semana, havia duas situações opostas: de um lado, o medo por parte dos moradores de serem infectados. Do outro, o desrespeito total ao isolamento por parte de alguns comerciantes e de pessoas que também residem em locais como o Matatu, Campinas de Brotas, Acupe e Avenida Dom João VI."Olha, aqui em Brotas parece que não tá acontecendo nada no resto do mundo. O que eu tô vendo é muita gente na rua, principalmente durante a semana. E tem muito comércio aberto aí que deveria estar fechado", denunciou o mecânico Fábio de Paula, 35 anos, morador de uma das ruas transversais da Dom Joao VI."Eu estou com muito receio de se espalhar rapidamente por aqui", disse o rapaz, que tinha ido à farmácia.  Os que respeitam a quarentena e saem apenas para fazer compras estão com medo do aumento do número de casos (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Na própria Dom João VI, uma aglomeração de pessoas podia ser vista de longe. Estavam na frente das Lojas Americanas, próxima a entrada do Acupe. Uma promoção de ovos de Páscoa (compra um e leva dois) atraiu uma pequena multidão, que formava fila sem qualquer tipo de organização na porta. Até onde se sabe, chocolate ainda não é produto essencial.

No dia 18 de março, o prefeito ACM Neto baixou decreto em que os shoppings e o comércio de rua, com a exceção dos serviços essenciais, deveria manter as atividades suspensas por 15 dias. O prefeito renovou o decreto, abrindo outra exceção, dessa vez para estabelecimentos com menos de 200 m². 

O segurança e uma funcionária das Lojas Americanas tentavam organizar a fila, mas era em vão. Alguém chegou a dizer que só entravam de cinco em cinco pessoas na loja, mas havia muito mais gente lá dentro. Mas, porque uma loja daquele tamanho estava aberta? Procuramos a gerência do estabelecimento e nenhum funcionário quis explicar o que tava acontecendo.

"O gerente disse que não vai dar entrevista", informou a mulher que organizava a fila. Os clientes é que saíam sorridentes, com sacos e mais sacos de ovos de Páscoa."Fiquei sabendo que tava rolando essa promoção e vim aproveitar. Tenho medo, mas não dá pra ficar sem ovo de Páscoa, né?", disse a costureira Maria Alice dos Santos, 54 anos, acompanhada da sobrina de 12 anos. Bar aberto na Avenida Dom João VI. Dono e cliente ficaram irritados com a presença da reportagem (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Bem na frente das Americanas, um bar também estava de portas abertas. Em vez de despachar os clientes na porta e libera-los, como autoriza o decreto, eles bebiam e conversavam ali mesmo. Perguntado se não tinha receio, o homem que estava do outro lado do balcão rebateu. "Eu tenho receio de não pagar minhas contas, isso sim!", disse, visivelmente irritado. Um dos clientes que bebiam chegou a ser agressivo. "Vocês têm autorização de estar gravando?", bradou, indo em direção ao repórter e fotógrafo, que deixaram o local.   

Enquanto eles reclamavam, o dono de um outro bar, só que no Acupe, estava com as portas fechadas desde que houve o decreto municipal. O Acupe, aliás, contabiliza seis casos de Covid-19 confirmados e é computado separado de Brotas. Mozart Brito mora ao lado do estabelecimento do qual é dono. Consciente e com medo do coronavírus, sabe que está protegendo os outros e ele próprio."O pessoal só vai respeitar quando chegar dentro de casa, dentro das famílias deles. É muita falta de consciência", lamentou. Maria e Paulo: sem máscara e sem álcool gel. "Já peguei dengue seis vezes", diz ela (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) No mesmo Acupe, que seria uma das áreas mais atingidas de Brotas, sem máscara, uma moradora que estava sentada próximo ao ponto de ônibus tomava um latão de cerveja com canudo. "O canudo é para se proteger do coronavírus", disse a doméstica Maria da Paixão Ramos, 49 anos. "Mas eu não tenho medo, não", disse ela, justificando o fato de estar na rua e sem proteção.

"Eu já peguei dengue seis vezes e não mori. Também peguei rubéola. Vou ter medo desse vírus porque? Vacina é Deus". Ao lado dela, um rapaz que mora em outro bairro foi visitar a avó em Brotas. Também estava sem qualquer tipo de proteção. "Eu esqueci a máscara e o álcool gel. Só lembrei quando eu tava vindo. Mas eu tenho, moço!", garantiu o baiano de acarajé Marcus Paulo Santos, 40 anos.  Morador instalou pia próximo a ponto de táxi e ônibus em Brotas (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Com duas sacolas de supermercado na mão, o técnico de enfermagem Danilo Bastos, 37 anos, disse ter receio da forma com que o bairro tá encarando a pandemia. "Eu sou profissional de saúde e sei que o momento é grave. Mas, sinceramente, aqui em Brotas não tenho visto muita restrição. Tá todo mundo na rua e tudo aberto. Hoje tá menos porque é domingo. Mesmo assim você vê que tem gente. Mas durante a semana é pior".

Além do comércio aberto, moradores ouvidos pelo CORREIO também denunciaram outros tantos comportamentos temerários dos brotenses. Desde a aglomeração causada por campeonato de dominó até os "babas" de final de semana. "Nessa rua aqui de trás tava rolando um baba até nestante. Mais de 20 pessoas. Os caras preferem pegar uma doença dessa, mas não pode deixar de jogar bola", disse o porteiro Marivaldo da Silva Brito, 57 anos.   

Passageiros

Poucos têm tanto receio quanto os taxistas que circulam pelo bairro. Os que fazem ponto no Acupe estão ao mesmo tempo desolados pela falta de clientes e com medo dos próprios. "A gente sabe que aqui tá assolando. A gente fica assustado, usa nossa máscara e álcool gel, mas fica com medo de pegar um passageiro desse aí", disse Geraldo Santos Mota, 46 anos, há 28 na praça.  Taxistas, Geraldo e José Jorge fazem ponto em Brotas (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) "Eu só tô saindo porque não tem outra solução. Entre morrer de fome e de doença, melhor tentar se proteger para não morrer de doença, né? Faço duas corridas por dia e olhe lá. Dia de hoje se duvidar a gente sai e volta sem fazer uma corrida", disse José Jorge dos Santos, 58 anos, cheio de cuidados para fazer o serviço. "Quando o  passageiro sai eu passo álcool gel nas maçanetas, travas e pontas dos cintos. E nada de ligar o ar. Vidros abertos!", disse José, elogiando a iniciativa de um morador, que instalou uma pia ao lado do ponto, onde é possível lavar as mãos.