Coronel João Sá: 'Quando eu botei a mão na fechadura, as paredes desabaram'

2,4 mil pessoas estão sem ter para onde voltar após rompimento de barragem

Publicado em 15 de julho de 2019 às 05:29

- Atualizado há um ano

. Crédito: José perdeu a casa da família - Foto: Evandro Veiga/CORREIO

O casarão na beira do Rio do Peixe onde José de Jesus Nascimento, 24 anos, morava com a esposa e uma filha de 5 anos era uma herança de família. “Foi do meu bisavô, que passou pro meu avô, que passou pro meu pai, aí passou pra mim e eu queria poder passar um dia pro meu filho”, conta. Só que quando o rio encheu e a barragem do Quati rompeu, na semana passada, a casa antiga não durou mais tanto tempo.“Eu ouvi o estalo no teto e aí pensei logo em sair. Quando eu botei a mão na fechadura, as paredes desabaram”, lembra José.Ele é um dos 320 moradores de Coronel João Sá, cidade do Nordeste da Bahia, na divisa com Sergipe, que estão desabrigados (quando a casa é completamente destruída) depois que a barragem na cidade vizinha de Pedro Alexandre, rompeu e inundou a comunidade e ainda parte da cidade a 30 quilômetros de distância, na última quinta-feira (11). Além dos desabrigados como José, há 2.080 pessoas desalojadas (quando a casa está sem condição temporária de moradia). Ou seja, até domingo (14), 2,4 mil pessoas estavam sem ter casa para voltar. 

Sem rumo, José e a família ganharam um ‘endereço’ temporário: a Escola Municipal Ruy Barbosa, que fica na parte mais alta da cidade.  Por enquanto, a sala de aula que divide com a família é tudo o que José tem. Apesar das noites ‘tranquilas’, o temor por um novo rompimento permanece. “Amanheceu o dia, começa tudo de novo. A gente fica sem saber se vai romper outra ou não”, afirma. 

Desempregado, ele também conta que não sabe bem como recomeçar. “Aqui, a gente fica como quem está de frente para o mar a ver navios. Não tem emprego, só o que dá pra fazer é ser lavrador e com essa chuva é pior ainda, não tem nada mesmo. E aí, como é que começa, compra tudo de novo, eu desempregado? Quando a casa desabou, eu pensei logo que é o fim de minha história aqui”, desabafou o morador. 

A sensação de perda também acompanha outros moradores da cidade de 17 mil habitantes. O guarda municipal José Sabino Santos, 41, perdeu tudo que tinha na casa que mora com a esposa, Elenildes de Jesus Barbosa Batista, 51, e o filho de 12 anos. Quando conseguiu entrar em casa, as roupas estavam misturadas à lama, a geladeira e o fogão estavam boiando, tinha água na TV, no micro-ondas, nos móveis. Nem a cama dava para aproveitar.

E o futuro? No dia seguinte ao desastre sequer dava para pensar no futuro. “Minhas coisas estão todas aí do lado de fora, tudo que eu tinha. Não tive nem cabeça pra calcular o prejuízo, saber como começar de novo”, confessou. Ele, a mulher e o filho encontraram abrigo na casa de uma vizinha para ficar por enquanto. 

Embora a água do rio tenha invadido casas na sede do município de Coronel João Sá, não foi só lá que a população ficou afetada. No povoado do Timóteo, a população ficou pelo menos dois dias isolada. O único acesso à sede era uma ponte, que desabou com a força da enxurrada.

“É uma sensação de não ter  nada. Eu estou há dois dias na casa da minha mãe, doida pra voltar pra minha, minhas coisas todas lá. Minha moto também tá lá, mas como é que passa? Não tenho não como ir ou voltar, não vou passar aí nessa ponte andando, nem sei nadar. Se eu cair, eu morro”, desabafa a recepcionista Marta Verônica Dias Santos, 30, do lado de cá da ponte. Marta está desesperada sem saber o que fazer para administrar os prejuízos - Foto: Evandro Veiga/CORREIO O criador de animais João Ferreira, 41, conseguiu escapar do prejuízo grande.  Ele cria cerca de 150 animais, entre porcos e galinhas, nas margens do rio, mas conseguiu, com ajuda de mais um rapaz, levar todos os animais para uma parte mais alta da cidade antes que a água invadisse tudo. O trabalho, agora, vai ser reparar a estrutura para criação dos bichos. João conta que água chegou até a altura da cintura dentro de sua casa - Foto: Evandro Veiga/CORREIO “É uma tristeza, a água veio até a cintura. Meu prejuízo foi pequeno, mas tem muita gente aqui que perdeu tudo. A gente fica muito triste, é uma sensação ruim, mas o jeito é ficar por aqui mesmo, ir reconstruindo as coisas aos poucos. Vai demorar um tempinho pra poder refazer nossa vida aqui”, afirmou, já levando os bichos de volta ao criatório no primeiro dia de sol em Coronel João Sá.

Para quem está acostumado a ver salas de aulas cheias de estudantes, o cenário dos últimos dias tem sido diferente. Com um decreto de situação de emergência que suspendeu as aulas tanto em Coronel João Sá como na cidade vizinha de Pedro Alexandre, os espaços dos estudantes ganharam novos frequentadores.

“Quinta-feira nem teve aula por causa da enchente, mas o pessoal disse pra gente vir mesmo assim porque a escola ia abrigar as pessoas que tinham ficado sem casa”, explicou a coordenadora da Escola Municipal Ruy Barbosa, Carla Rafaela Andrade. Na sexta-feira (12), ela deixou a escola por volta das 22h. Antes, estava lá desde a manhã de quinta-feira. “Saí daqui 23h para dormir e voltei de manhã”, afirmou.

Salas solidárias As salas da escola foram divididas de modo que cada família ficasse em um dos espaços. Na cozinha, Carla e outros funcionários da escola preparavam refeições, passavam um café e também recebiam doações, inclusive agasalhos e cobertores.

Ao todo, um ginásio e cinco escolas da cidade se prepararam nos últimos dias para receber os desabrigados em decorrência do rompimento da barragem. Gente como o próprio José Nascimento que, desempregado, ainda não sabe como fazer para recomeçar, ou pessoas como o lavrador Claudevan Santana Santos, 30, e a esposa.

Eles acharam mais seguro passar as noites na escola enquanto a água não escoava na Rua Bonfim, que fica na margem do Rio do Peixe. José e Claudevan são quase vizinhos: a Rua Bonfim, onde ambos moram, fica na margem do dia, mas cada um mora de um lado.

“A casa da gente não chegou a cair, mas entrou água até a metade. A gente tem pouca coisa, então foi mais fácil de tirar as coisas de casa. Mas, quando a gente acabou, a água já tava aqui assim”, diz Claudevan, apontando para a altura da canela.

No dia seguinte ao rompimento, o casal tentou voltar para casa, mas ainda tinha água. “Ainda tem previsão de chover até domingo (14), então a gente achou melhor esperar a água sair pra gente poder voltar”, conta. Claudevan, que agradeceu pela noite de sono tranquila na Escola Municipal Ruy Barbosa e pelo tratamento das pessoas. Além do abrigo, também foram servidas refeições para as pessoas.

Os próprios funcionários da escola ajudam no atendimento. À noite, guardas municipais ficam em frente ao local, enquanto moradores da comunidade fazem visitas aos agora abrigados, ainda que temporariamente.

A pequena Suzana Santos, de 10 anos, passou pelo menos duas noites no local junto com mais 7 pessoas na família. Numa sala de aula ampla da escola, 11 pessoas se organizavam para a dormida por volta das 21h de sexta-feira (12). “Foi bom dormir aqui porque a gente conseguiu onde ficar”, conta à reportagem, enquanto passeava pelos corredores da escola enrolada num cobertor rosa.

O sentimento de gratidão é comum aos outros abrigados. Gente que perdeu tudo que tinha em casa – como a própria família de Suzana – conta ter sido boa a noite nos abrigos improvisados. “A noite foi boa, tranquila”, afirmam Claudevan e a esposa. Escolas viraram centro de apoio na cidade para os desabrigados - Foto: Evandro Veiga/CORREIO Estruturas

Parte dos imóveis localizados no entorno do Rio do Peixe, em Coronel João Sá, que tiveram suas estruturas comprometidas serão demolidos. A informação foi divulgada domingo (14) pelo governador do estado, Rui Costa, em visita à cidade acompanhado por representantes e técnicos da Defesa Civil municipal e estadual, do Corpo de Bombeiros e da Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (Cerb). Costa destacou que os imóveis serão vistoriados assim que o nível da água for reduzido. Além disso, ele destacou que deverá ser feita a reconstrução das habitações em áreas mais seguras, longe do leito do rio. 

Domingo (14), o  Corpo de Bombeiros Militar e Defesa Civil seguiram vistoriando as barragens da região. Sobre o trabalho preventivo para evitar novas ocorrências como o rompimento da Barragem do Quati, o governador destacou que estão sendo realizadas medidas imediatas para garantir a segurança de outros equipamentos deste tipo.

“Nessa região, há milhares de equipamentos como este que rompeu. São pequenos pontos de água acumulada, na grande maioria das vezes, construídos e administrados pelos próprios moradores e associações de produtores dos municípios.  Queremos oferecer capacitação para os moradores que administram essas barragens na região, para que eles possam gerir os equipamentos”, disse o governador. 

Casas em risco  no entorno do rio serão demolidas

Parte dos imóveis localizados no entorno do Rio do Peixe, em Coronel João Sá, que tiveram suas estruturas comprometidas serão demolidos. A informação foi divulgada ontem pelo governador do estado, Rui Costa, em visita à cidade acompanhado por representantes e técnicos da Defesa Civil municipal e estadual, do Corpo de Bombeiros e da Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (Cerb). Costa destacou que os imóveis serão vistoriados assim que o nível da água for reduzido. Além disso, ele destacou que deverá ser feita a reconstrução das habitações em áreas mais seguras, longe do leito do rio. 

No domingo (14), o  Corpo de Bombeiros Militar e Defesa Civil seguiram vistoriando as barragens da região. Sobre o trabalho preventivo para evitar novas ocorrências como o rompimento da Barragem do Quati, o governador destacou que estão sendo realizadas medidas imediatas para garantir a segurança de outros equipamentos deste tipo.

“Nessa região, há milhares de equipamentos como este que rompeu. São pequenos pontos de água acumulada, na grande maioria das vezes, construídos e administrados pelos próprios moradores e associações de produtores dos municípios.  Queremos oferecer capacitação para os moradores que administram essas barragens na região, para que eles possam gerir os equipamentos”.

A repórter e o fotógrafo Evandro Veiga estão em Coronel João Sá