Couto Maia: 'Fomos surpreendidos enquanto a maioria dormia', diz líder de movimento

Após expulsão do hospital, famílias chegaram a ocupar escadarias do Bonfim

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  • Bruno Wendel

Publicado em 20 de dezembro de 2019 às 18:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Foto: Arisson Marinho/CORREIO Mesmo com os olhos ainda lacrimejando e avermelhados, além de reclamar da ardência na garganta e na pele, Eslane Paixão, 30 anos, contou os momentos de terror que ela e cerca de 100 famílias viveram com a ação dos soldados do Batalhão de Choque da Policia Militar durante a desocupação do Hospital Couto Maia, em Monte Serrat, na madrugada desta sexta-feira (20). "Fomos atacados com gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Isso não se faz com ninguém. Estávamos em negociação e fomos atacados pelo governo do estado, surpreendidos enquanto a maioria dormia", contou Eslane, uma das lideranças do Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). 

Sem terem para onde ir, eles ocuparam a escadaria da Igreja do Bonfim e protestaram contra a ação truculenta da PM e contra o governador Rui Costa. "Esse ato covarde não vai ficar assim. Não vamos baixar a cabeça. A PM não agiria de forma independente. Rui Costa sabia de tudo e foi ele quem autorizou", bradou Eslane. De acordo com ela, as famílias deixaram o local e foram acolhidas por moradores do entorno ou foram para casas de parentes.

Em nota, o governo do estado informou que a desocupação foi “uma ação pacífica com o apoio da Polícia Militar da Bahia”. Em contato com o CORREIO, a Secretaria de Comunicação Social do Governo do Estado informou que “não houve uso de bomba na operação do Couto Maia” ao contrário do que informaram os ocupantes. “Como assim? Transmiti tudo ao vivo no meu Instragram”, rebateu Eslane. 

Na página do perfil dela, é possível ver o pânico das pessoas durante ação dos PMs. Houve correria, gritos e choro de crianças ao mesmo tempo que policiais com escudos avançavam os corredores da unidade médica. Eslane avisa que estava transmitindo tudo ao vivo e que havia crianças no local, mas era ignorada. “Parem com isso. A gente está ao vivo para o Brasil. Parem, tem criança, tem criança aqui”, dizia ela, enquanto fazia as imagens com o celular. 

Em vários momentos, policiais se aproximam de Eslane e, num determinado momento, ela sai às pressas do hospital chorando, pedindo socorro e passando mal. “Socorro, não consigo enxergar, não consigo respirar”, repetia ela, dando a entender que fora atingida com spray no rosto. Ela também pede ajuda à colega de ocupação. “Eu vou ficar cega, Maiara?”

Horas mais tarde, Eslane conversou com o CORREIO e contou que o ataque da PM estava previsto para o dia 17 deste mês. " Uma fonte da PM que não compactua com essa truculência disse pra gente que os policiais chegariam no dia 17, pela tarde. Aí fizemos uma barricada de madeira em frente ao hospital e disseminamos a informação do ataque nas redes sociais, o que impossibilitou a ação porque em três horas o Brasil já tinha conhecimento de tudo. Mas hoje, agiram na covardia. Um policial não quis me ouvir e jogou spray de pimenta no meu rosto. Estou aqui com a garganta, olhos e a pele ardendo ", contou Eslane, antes de sair em busca atendimento de médico.  Sem ter para onde ir, integrantes do MLB ocupam as escadarias da Igreja do Bonfim (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Ataque Ônibus do Batalhão de Choque se posicionaram em frente ao hospital por volta das 3h30. "Como já tínhamos sido avisados do ataque, fiquei acordada. De repente, escutei um baralho de ônibus chegando e fui ver o que era. Quando olhei, eram policiais todos de preto descendo dos ônibus e começaram a lançar para dentro do hospital bombas de gás lacrimogêneo", contou Gabriele Santos Soares, 20, uma das ocupantes do prédio. 

Segundo ela, apesar dos arremessos das bombas, as pessoas se aglomeraram na porta principal de acesso ao prédio ocupado para impedir o acesso dos policiais. "Mas tinha muita criança e idosos passando mal e então concordamos em sair. Mas a medida que a gente saía, era atacado com spray de pimenta e com murros e chutes", contou Gabriele. 

A também integrante do movimento, Patrícia de Jesus Ferreira, 36, mãe de seis filhos, disse que um deles teve o rosto atingido por spay de pimenta. "Na hora da confusão, ele soltou de minha mão, mas foi puxado por uma companheira do movimento. Foi nessa hora que ela foi esmurrada por um policial e meu filho levou spray de pimenta no rosto", contou ela. 

Apesar das irritações por conta dos gás e spray, ninguém do movimento precisou de atendimento de emergência – alguns foram assistidos por equipes do Serviço Médico de Urgência (Samu), acionados pelos próprios integrantes do movimento. Mais cedo, eles ficaram concentrados na escadaria da lateral esquerda da igreja. Eram mulheres, idosos e crianças entre vários objetos como colchões, travesseiros, roupas, ventiladores, garrafas plásticas, calçados e cães e gatos. "Trouxemos o que deu para carregar. O restante ficou lá e um policial informou que tudo vai para um galpão da Sedur, que a gente poderá retirar depois", contou Flávio Macedo, 30, um dos ocupantes. 

Negociação Segundo integrantes do MLB, uma das pautas da última reunião com o governo do estado, há cerca de 10 dias, era a reintegração não violenta. "Isso foi um ato de terrorismo com essas famílias.  Para além da violência, houve uma questão de quebra de palavra. Propomos alternativas para que essas famílias deixassem a ocupação do hospital sem violência", disse Vitor Aicam do MLB. 

De acordo com ele, além da possibilidade das famílias serem beneficiadas com o programa Minha Casa Minha Vida, foi proposto a doação de um terreno, onde os próprios ocupantes construíram suas casas, ou de um prédio. "Muitos deles são carpinteiros, pedreiros, marceneiros e podem trabalhar para erguer suas moradias", pontou Aicam. 

Apesar de o governo do estado informar através de nota que 25 famílias são beneficiadas com o Aluguel Social, custeado pelo próprio governo, integrantes do movimento contestam. "São cinco famílias que vieram para nos apoiar, mas elas não serão beneficiadas com as possíveis conquistas desse movimento. E tem outra coisa: o aluguel social é de R$300 e isso dá pra quê? Não se paga aluguel com esse valor. E as pessoas que estão no aluguel social são aguardam a providência de moradia do governo do estado. Falaram que ocupar o hospital é perigoso, que a gente corre risco. E não há risco numa ação da PM para expulsar a gente?", declarou Eslane Paixão.