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Da Redação
Publicado em 21 de agosto de 2019 às 08:45
- Atualizado há 2 anos
O uso do Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPCA) para corrigir os contratos de financiamento imobiliário reduzirá o valor da parcela na largada, mas custará ao mutuário uma dívida maior no final quando comparado com os contratos corrigidos pela Taxa Referencial (TR). Por outro lado, a modalidade deve facilitar a venda desses créditos no mercado financeiro, desenvolvendo a chamada securitização, e, de quebra, adicionar mais recursos para a compra da casa própria no País.>
Estudo realizado pela equipe de análise de mercado imobiliário do JPMorgan mostra que a dívida total do mutuário pode subir, o que serve como contraponto à propaganda do governo federal de que o crédito ficará mais barato. O endividamento cresce porque, além do juro, a dívida passará a ser corrigida pelo IPCA em vez da TR - que atualmente está zerada. Por isso, esse montante total tende a crescer mais no longo prazo, apontou o JPMorgan.>
A inflação média anual medida pelo IPCA nos últimos dez anos foi de 5,85%, segundo dados do IBGE. Nesse período, a inflação em um ano chegou a bater 10,67% em 2015. A TR média, por sua vez, foi de apenas 0,82% no período. Por essa diferença entre os dois indicadores, o JPMorgan estima que a dívida total atrelada ao IPCA poderá ser cerca de 13% maior que o financiamento que segue a TR.>
Para um imóvel de R$ 500 mil, com 80% do valor financiado em 360 meses, a parcela a 8,75% mais TR seria de R$ 3.987, enquanto a IPCA mais 4,35%, seria de R$ 2.684, uma queda de 32,7%, segundo o JP Morgan. A dívida final a valor presente, no entanto, seria de R$ 605,9 mil no primeiro caso e R$ 686,8 mil no segundo, uma elevação de 13,3%.>
A conta do JPMorgan leva em conta a expectativa de inflação média de 4% nos próximos anos. O Conselho Monetário Nacional (CMN) já trabalha, porém, com a expectativa de meta menor nos próximos anos: 4% em 2020, 3,75% no ano seguinte e 3,50% em 2022>
A Caixa Econômica Federal anunciou na terça-feira, 30, a oferta de uma nova modalidade de crédito imobiliário com juros de 2,95% a 4,95% ao ano acrescido da variação IPCA no futuro. Trata-se de mais uma opção aos mutuários além das linhas atuais, que cobram taxas de 8,5% a 9,75% ao ano mais taxa referencial (TR). Segundo a Caixa, o valor inicial da parcela será entre 30% e 50% menor com a nova opção.>
"Essa modalidade ajudaria a melhorar o acesso à compra, reduzindo a primeira parcela dos compradores em cerca de 30%", concordam Marcelo Motta e Guilherme Mendes, em relatório do JP Morgan. "No entanto, alertamos que as parcelas indexadas à inflação teriam pagamentos nominais mensais crescentes".>
Prós e contras Para o ex-BC Luiz Fernando Figueiredo, sócio-fundador da Mauá Capital, atrelar o crédito imobiliário ao IPCA é um caminho para desenvolver este segmento no País, mas não se deve tirar os olhos da inflação. "Muitos contratos são indexados à inflação, títulos públicos, salários. O crédito imobiliário com IPCA não traz impacto no esforço de desindexar a economia, mas o Brasil não pode descuidar da inflação", avalia ele, em entrevista ao Broadcast.>
Segundo Figueiredo, o lastro em IPCA vai possibilitar o mercado imobiliário se desenvolver com mais intensidade no País. A TR, avalia, é um "bicho esquisito" e não existe em outros mercados. "Todos os contratos são inflação mais algo. Contratos têm se ser padronizados para que possam ser vendidos. Está na hora de desenvolver o mercado de financiamento imobiliário muito além da poupança", acrescenta o ex-BC.>
Os bancos privados ainda avaliam se aderem ou não à nova modalidade. O contrato indexado ao IPCA já estava disponível para linhas do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), que abrange imóveis acima de R$ 1,5 milhão, mas o segmento ainda não decolou. Agora, o indexador passa a ser factível também para o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), aquelas em que o mutuário pode recorrer aos seus recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para abater a dívida.>
Cautela Na opinião do presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Gilberto Duarte, o uso do IPCA como indexador dos financiamentos deve ser testado com cautela. O principal risco, na sua avaliação, seria o valor da dívida atualizado pela IPCA crescer ao ponto de superar o valor do próprio imóvel usado como garantia pelo financiamento. "Se a inflação for muito alta e o mutuário ficar inadimplente, isso comprometeria a garantia, criando um passivo para os bancos", pondera.>
Duarte sugere ainda que a modalidade de financiamento indexada ao IPCA deve crescer pouco a pouco para não ser dragado por crises macroeconômicas. "Não basta termos uma situação presente de estabilidade. Isso precisa durar no longo prazo. Se entra um governo que decide gastar muito e gerar inflação, voltamos a ter um problema no mercado", alerta.>
Para os bancos, a grande questão que pesa nessa conta é o tamanho do mercado a ser criado com o empurrão do IPCA. Os privados estão avaliando, mas ainda não bateram o martelo. O Bradesco, conforme fonte, está próximo de concluir os sistemas para um eventual lançamento - ainda em estudo, acompanhando a concorrente Caixa.>
No sistema bancário, alguns acreditam que a nova opção tende a ser mais explorada pelo público de maior renda que teria recursos para quitar a dívida em caso de choque da inflação. O tom no anúncio da novidade, porém, foi de que a linha terá um público amplo.>
"O crédito imobiliário com lastro no IPCA é uma solução para qual problema? O mercado está aquecido", rebate a diretora do Itaú Unibanco, Cristiane Magalhães. Embora o banco ainda avalie se oferta ou não crédito imobiliário com IPCA, ela não considera o instrumento "mais poderoso" que o modelo atual, com base na TR "O IPCA pode flutuar. Hoje, está tudo muito bem, mas em um comprometimento de 30 anos, se o IPCA começa a subir, essa previsibilidade é colocada em jogo", avalia Cristiane. "A TR é mais segura ao mutuário no sentido de dar previsibilidade ao planejamento dele".>
Por outro lado, a securitização dos créditos concedidos - a venda de financiamentos existentes no mercado financeiro - é facilitada na nova modalidade. Atualmente, conforme o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, menos de 10% dos créditos imobiliários conseguem ser negociados entre instituições financeiras. Com o IPCA, 50% das operações, conforme ele, podem ser empacotadas e vendidas no mercado financeiro. Essa característica tende a dar mais fôlego para que os bancos emprestem ainda mais.>
"Eu consigo gerar uma parte da minha carteira para investidores institucionais, que têm meta atuarial em IPCA. Se tem um passivo IPCA, faz sentido ter um ativo em IPCA", diz o diretor do Bradesco, Leandro Miranda, para quem ainda é uma incógnita o quanto o consumidor estaria confortável com a mudança do TR para o IPCA no crédito imobiliário.>
Ansiosos Enquanto isso, o setor de construção aguarda ansioso o começo do financiamento indexado ao IPCA. A expectativa de executivos ouvidos pelo Broadcast está calcada na redução do valor inicial das parcelas entre 30% e 50%, pelos cálculos da Caixa Econômica Federal, e, consequentemente, o acesso de mais pessoas ao sonho da casa própria.>
"Com o valor da parcela mais baixo, a renda exigida para ter acesso ao empréstimo também tenderá a ser menor. A quantidade de gente que vai se colocar para dentro do mercado será uma coisa absolutamente brutal", estima o diretor financeiro e de relações com investidores da incorporadora Eztec, Emílio Fugazza. "Cidades como São Paulo terão uma explosão na facilitação nas compras", conclui. >