Da chicungunha ao coronavírus, vanguarda de Feira nas doenças brabas tem explicação

Alta circulação de forasteiros na Princesa do Sertão é um dos motivos; entenda

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  • Da Redação

Publicado em 7 de março de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

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“No calor de Feira, é só ela sair no quintal que o vírus morre”, orientava uma curandeira freestyle à primeira paciente diagnosticada com o coronavírus na Bahia, nessa sexta-feira (6). 

No embalo, outro piadista de Twitter trazia a velha novidade: “No Feiraguai você já consegue um coronavírus por 9 novo. Ainda leva grátis uma rubéola e uma caxumba”, relata a alminha sebosa, completando as motivações para duas perguntas a serem respondidas neste episódio de Baianidades:  A zorra desse coronga não corria do calor?!  E por que diabos Feira de Santana é tão desenvolvida em matéria de doença escrota? A primeira pergunta é fácil de responder: a ‘paciente nº 1 da Bahia’, de 34 aninhos, veio da Itália sem saber que tava barriada. 

Por sorte, informações seguras que obtive via WhatsApp com meu amigo feirense Sylvio Quadros dão conta de que a situação já foi resolvida da forma mais eficiente possível. Eis o infomeme: “Coronavírus chega em Feira de Santana e é morto a tiros no bairro Aviário”. Foto: Reprodução/WhatsApp Tome, sacana!

Dado o esclarecimento inicial, cabe agora adotar um tom mais solene/sisudo/chato para explicar por que Feira é top em ‘lançar’ moléstias como o coronga e a chikungunya (prefiro chicungunha ou chicu – ‘tá de chicu’), que entrou no Brasil pela cidade nos idos de 2014.

O primeiro motivo, segundo eu mesminho, após uma autoconsulta, está bem claro: azar.

Além da jovem senhora que foi catar o corona na Itália, o primeiro caso de chicungunha com genótipo africano no Brasil, identificado há seis anos, também surgiu da ida de um feirense ao exterior. Feira é o mundo.

Em artigo no site da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), a professora e pesquisadora Maria Glória Teixeira, da Ufba, explica como suspeitou que o ‘caso índice’ (o primeiro de uma série em determinada região) não era de origem asiática, que já circulava em outros países da América Latina.

Morando em Luanda, Angola, o sacaninha visitava a família no Sertão da Bahia quando apresentou os sintomas de chicu do genótipo Leste-Centro-Sul da África (ECSA) do vírus.

“Busquei informações pelo site da Saúde de Luanda, o que confirmou a epidemia da doença. Mas lá não dizia qual o genótipo”, relembrava Maria Glória, que descobriu o caso índice no bairro George Américo.

Dali pro mosquito infectado descer pro Tomba, charlar pela Kalilândia, botar uns ovos na Lagoa Grande, carregar até o Muchila e, por fim, contaminar toda a Turma da Mônica no Limoeiro foi um pulo.

Some-se a isso a vocação natural de Feira para receber gente de todo canto e qualidade, no papel de segundo maior entroncamento rodoviário do país, atrás apenas de São Paulo (outro lugar todo corongueado). Essa vocação se explica até na demografia local: segundo a assessoria do IBGE, dos 556.642 habitantes da cidade, anotados no Censo 2010, 33.413 eram pessoas nascidas em outros estados (número equivalente à população das vizinhas Cachoeira e Riachão do Jacuípe, cada uma também com 33 mil habitantes na época).Essa grande circulação de forasteiros (os flutuantes, no caso) ajuda a Princesa do Sertão a ser majestade também em outras doenças estrambólicas como dengue e zika, segundo médicos e pesquisadores ouvidos pelo CORREIO. 

“Uma explicação para isso é a grande circulação de pessoas de fora, ajudando a disseminar os novos vírus, além da constante vigilância de profissionais de saúde que se dedicam a identificar doenças que estão soltas por aí”, explica reportagem de 2017 assinada pelas coleguitas Amanda Palma e Thais Borges.

Na matéria, o infectologista Antônio Bandeira, que acompanhou a identificação dos primeiros casos de zika no país (em Camaçari), explica que cada doença teve um motivo diferente para chegar aqui, mas a maior parte está ligada, principalmente, à circulação de sujeitos.

“No caso da chikungunya, veio através de pessoas que trabalhavam na África, faziam construção de infraestrutura em Angola. Uma das pessoas era moradora de Feira de Santana, voltou com febre e, na sequência, começou a ter o surto de pessoas acometidas”, relembra Bandeira, conforme eu já havia te avisado.

Ainda segundo Band, “o recuo ou avanço de epidemias ou surgimento de ‘novas doenças’ é resultado de um ciclo natural de aumento e queda dessas doenças”. 

Mas por quê, profe? “Isso ocorre porque, conforme parte da população é infectada, ela desenvolve defesas”, concluiu o pesquisador, talvez prevendo a reação dos comerciantes do Feiraguay (ver abaixo) para tornar as caruaras menos letais. Foto: Reprodução/WhatsApp