Da infância pobre ao Congresso, biografia conta a história de Jean Wyllys

Ao CORREIO, jornalista baiano fala sobre ameaças e fake news: 'A verdade se tornou uma questão de opção e isso é muito grave'

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  • Laura Fernades

Publicado em 17 de agosto de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Por questões de segurança, o número de telefone só foi revelado para a reportagem em cima da hora da entrevista. “É um cuidado que tenho que ter. Saí do Brasil por causa das ameaças de morte. Apesar de estar livre da ameaça física, ainda existe uma campanha sistemática. Não é fácil conviver com isso, não é fácil acordar todo dia com uma difamação nova”, desabafa o jornalista e ex-deputado baiano Jean Wyllys, 45 anos, em conversa com o CORREIO.

Autoexilado na Alemanha desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro, Jean participa hoje, por videoconferência, da Feira Literária de Mucugê (Fligê), onde será lançada sua biografia. Escrita com a jornalista Adriana Abujamra, a obra O Que Será: A história de um defensor dos direitos humanos no Brasil (Objetiva | 224 páginas | R$ 34,90) já estava quase pronta quando o então deputado federal abriu mão do mandato e decidiu deixar o país.

 A única pendência da obra era contar como estava sua realidade no exterior. “Estou em Berlim, no apartamento de um amigo, até que possa ajeitar minha vida (...). Emagreci, virei um fiapo. Só conseguia dormir à base de remédios. Ainda preciso de medicamento para pegar no sono, mas cada vez menos”, revela Jean, em um trecho do livro criado a partir da provocação da historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz. Foi ela que, após assistir a uma palestra de Jean, achou que o jeito dele de articular análise política com a própria história era “interessante e devia ser compartilhado”, lembra o baiano.   'Viado’ Foi assim que Jean decidiu eternizar a vida em livro. Logo no primeiro capítulo, destaca que apenas 10% da população concentra quase metade da renda do país, enquanto o resto “vive como pode”. “É o que fazíamos em Alagoinhas”, lembra, na biografia, antes de contar como era sua infância na periferia rural e detalhar a casa de taipa onde morava com a família: sem banheiro, luz elétrica e água.

Foi lá que apanhou do pai, disse à mãe que entraria na universidade para tirar a família da miséria e ouviu “faculdade não é pra você”. Ainda em Alagoinhas, foi chamado de “viado” pela primeira vez, só por ter usado o plural corretamente numa padaria, ao pedir “três pães”.“Eu tinha seis anos. Por mais que o significado do termo ‘viado’ me escapasse, entendi que não era positivo”, narra Jean,  homossexual assumido, único no Congresso por quase dez anos.Contrariando todas as expectativas, foi aprovado na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e tornou-se  jornalista. Na carreira, atuou como repórter do CORREIO e foi  professor, antes de surpreender a todos ao ingressar e vencer a quinta edição do Big Brother Brasil. Mas sem se acomodar com a fama, Jean resolveu abraçar a política.

Mentira Eleito deputado federal três vezes consecutivas pelo Rio de Janeiro, levou para a Câmara o debate sobre os direitos LGBT e de outras minorias, além de pautas ligadas aos direitos humanos. É essa luta por igualdade que atravessa a biografia, apesar de Jean lamentar que “a ideia de direito humano esteja tão em declínio”.

Para ele, um dos responsáveis por isso é o fênomeno das fakes news (notícias falsas), que influenciam as pessoas na percepção da realidade.“A verdade se tornou uma questão de opção e isso é muito grave”, alerta. “No Brasil, 78% das pessoas nunca leram um livro na vida. Essa subjetividade não está preparada para se defender da mentira”, acredita.Apesar de todos os problemas, o jornalista segue esperançoso. “Nós já atravessamos outros períodos tenebrosos. Não sei quanto tempo vai durar, mas a gente vai atravessar essa noite. Minha história de vida me faz não ser pessimista em relação ao futuro. Nós, jornalistas, teremos que resistir e ser corajosos, porque essa espiral vai fazendo as pessoas aderirem à barbárie”, alerta.

Ficha Livro: O Que Será: A história de um defensor dos direitos humanos no Brasil Autor: Jean Wyllys e Adriana Abujamra Editora: Objetiva (224 páginas | R$ 34,90 ou R$ 49,90/ e-book)