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Daniel Aloísio
Publicado em 24 de setembro de 2020 às 20:00
- Atualizado há 2 anos
Fechação, shorts curtos e muito protesto invadiram os corredores do supermercado Walmart, da rede Big Bompreço, no bairro de Itapuã, em Salvador. O local, que foi palco de uma cena de preconceito com repercussão nacional, na qual um segurança tentou impedir o estudante de Psicologia Pascoal de Oliveira, 25 anos, de entrar no estabelecimento por causa do tamanho do seu short, se tornou, na tarde desta quinta-feira (24), um espaço de memória da luta LGBTQIA+.>
“A partir de agora, toda bicha que entrar nesse supermercado vai lembrar do que aconteceu aqui e vai ter um sentimento de resistência e de luta”, explicou o ativista Onã Rudá, em discurso feito para os cerca de 50 presentes.>
A manifestação chamou a atenção de muitas pessoas que estavam na rua ou dentro do mercado, fazendo compras. >
“Toda quinta-feira eu venho fazer as compras da semana e fui surpreendido com essa manifestação. Eu moro atrás do mercado. É bom que as pessoas não se calem quando sofrem preconceito, até mesmo para evitar que isso volte a acontecer”, disse o designer Wendel Moura, 35, que estava com a sua tia, Valdice Moura.>
“Eu achei esse protesto maravilhoso. Temos que acabar com essa discriminação. Tanta mulher que entra nesse mercado de biquíni na época do verão. Esse foi um caso de racismo e homofobia”, defendeu a senhora. Foto: Nara Gentil/CORREIO Já a ambulante Zete Borges, 50, que trabalha na frente do supermercado, disse que no estabelecimento não entram pessoas com traje de banho. Ela conhecia o segurança envolvido na polêmica.>
“Eu achei errado o jovem ter sido barrado, pois ele realmente usava um short e não uma sunga. Mas também não concordei com o afastamento do segurança. Conhecia ele de vista mesmo”, comentou. >
Conscientização Uma possível demissão do profissional foi também criticada por militantes que estavam no protesto.“A gente fala em educação e inclusão. Adianta demitir o funcionário e não qualificar os outros? Não adianta. A empresa está querendo passar uma imagem de que ela se preocupa com a inclusão, quando na verdade ela poderia mesmo era qualificar esses funcionários”, disse Onã Rudá. Em nota, o Grupo BIG confirmou que solicitou o imediato afastamento do funcionário terceirizado e disse que buscará o apoio de instituições ligadas à causa LGBTQIA+ para intensificar os treinamentos de equipes e terceiros, para que situações como essa não voltem a se repetir. Você confere a nota completa da empresa no final do texto. >
O CORREIO procurou o estudante Pascoal Oliveira para comentar o protesto, mas ele disse que não está mais autorizado a falar sobre esse assunto por questões jurídicas.>
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Lacração O protesto começou por volta das 15h e foi organizado nas redes sociais pelos militantes. “Desde que o vídeo se tornou público, a gente começou a conversar sobre a necessidade de se fazer um ato e isso foi ganhando força. Isso daqui é muito mais do que um short. É sobre nossos direitos, o empoderamento”, explicou o ativista Genilson Coutinho, 41. Ele estava acompanhado pelo amigo Franclin Rocha, 40. “Nós queremos falar sobre a nossa existência e o silenciamento dos corpos LGBT e dissidentes. Como a nossa liberdade pode ser cerceada a ponto da gente não poder entrar num mercado e consumir? A questão não está no short e sim no corpo gay, negro. É no ódio que exite contra a gente. Estamos cansados dessa invisibilidade”, desabafou Rocha. Os também amigos Luan Oliveira, 22, e Marcio Santana, 19, foram para o ato motivados pela necessidade de ocupar esses espaços. Eles realizaram compras no mercado, conscientes de que o estabelecimento é um local que pode ser frequentado por qualquer pessoa. “Nós viemos exigir o nosso direito. Eles usufruem do nosso dinheiro e também por isso precisam nos respeitar”, disseram.>
Não foram apenas homens gays que participaram do ato. A primeira mulher lésbica presidente da União dos Estudantes da Bahia (UEB), Layane Cotrim, lembrou que as mulheres também querem entrar nos supermercados – e em outros estabelecimentos – sem sofrer assédio.>
“Precisamos mudar essa cultura de violência e opressão”, disse. Mile Lopes, 22, que faz panfletagem na região do mercado e viu o protesto, concorda. “A gente entra no mercado com a roupa curta e as pessoas ficam olhando, querendo discriminar. Nós percebemos e não gostamos disso”, disse. Foto: Nara Gentil/CORREIO Fechação A drag queen Petra Perón não foi apenas com short curto, mas também salto alto, maquiagem, peruca e uma máscara com as cores do arco-íris, símbolo da luta LGBTQIA+. “Vim preparada para dar muito close para imprimir a nossa arte e a nossa estética”, disse.>
A mulher lésbica Rafaela Garcez também esteve no protesto, por já ter sido vítima de preconceito. “Precisamos dar visibilidade a essa luta e que a justiça aconteça contra os crimes cometidos contra a nossa população”, afirmou. >
Já o professor de capoeira Almiro Vicente, 35, mais conhecido como Zebu, foi para o protesto com as filhas e alunas. Ele não faz parte do movimento LGBTQIA+ e sim do movimento negro. “Isso foi uma questão de racismo. Se o estudante fosse branco, poderia ter entrado com mais facilidade. Esse episódio afeta o corpo preto”, explicou. Pascoal fazia exercício físico antes de ir ao mercado (Foto: Acervo pessoal) Após desfilarem pelos corredores do supermercado, os manifestantes ligaram uma caixa de som na entrada principal do estabelecimento e fizeram discursos e performances. Uma certa aglomeração foi registrada nesse momento. Todos utilizavam máscara e havia pessoas distribuindo álcool em gel para os presentes. >
Os funcionários do mercado em nenhum momento impediram a manifestação. Alguns até apoiavam. “Quero ver vocês aqui todo dia, comprando na minha loja”, dizia uma das funcionárias. Antes de entrar no mercado, todas as pessoas tiveram a temperatura aferida.>
Confira a nota completa do Grupo Big sobre o caso: >
O Grupo BIG informa que o fato ocorrido no supermercado de Itapuã, no último sábado (19/09) é inadmissível e não corresponde aos procedimentos e valores da empresa. O grupo está em contato com o cliente, colocando-se à sua disposição para toda assistência necessária nesse momento. A empresa reitera que esse tipo de situação é inaceitável e reforça o seu pedido de desculpas. >
Assim que tomou conhecimento da ocorrência, o Grupo BIG solicitou o imediato afastamento do funcionário terceirizado. >
Consciente da importância da causa e da gravidade do problema, o Grupo BIG buscará o apoio de instituições ligadas à causa LGBTQIA+ para intensificar os treinamentos de equipes e terceiros para que situações como essa não voltem a se repetir. Por fim, a empresa reforça que o seu código de ética não tolera nenhuma forma de discriminação.>
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.>