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De volta para casa: projeto da Ufba solta cobras no campus e em parques da cidade


 

Já a apreensão de cobras exóticas aumentou nos últimos meses; para PF, Bahia é um 'polo exportador' de animais de forma ilegal

  • Thais Borges

Publicado em 09/08/2020 às 08:00:00
Atualizado em 21/04/2023 às 11:28:04
. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Entre a vegetação que cresce no campus de Ondina da Universidade Federal da Bahia (Ufba), fica o aviso. Uma placa rente ao chão diz que, se alguém avistar uma cobra por ali, não deve se preocupar: é lá que mora a serpente. Por todo o campus, foram espalhados anúncios como estes. Alguns letreiros são mais específicos: “cobras e lagartos estão sendo monitorados”, dizem.

A mais nova desses habitantes chegou recentemente - nos últimos dias de julho. Com menos de um metro de comprimento, era difícil dizer a idade. Era certo, porém, que aquela jiboia era um filhote. E, agora, tinha retornado para casa - aquele reduto de Mata Atlântica que ainda sobrevive entre os prédios de Ondina.  Placas avisam à comunidade da Ufba sobre a presença de cobras e lagartos (Foto: Marina Silva/CORREIO) Quem assina as mensagens das plaquinhas são os mesmos responsáveis pela soltura da jiboia no campus da Ufba: o Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos da Bahia (Noap), ligado ao Instituto de Biologia da universidade. Desde o dia 18 de março - praticamente ao mesmo tempo em que começaram as medidas de distanciamento social no estado, cerca de 50 serpentes já foram devolvidas à natureza pelo grupo. 

Além do campus da Ufba, que recebeu mais quatro cobras, outras áreas de soltura também receberam serpentes: o 19º Batalhão de Caçadores, no Cabula; o Museu de Ciência e Tecnologia da Bahia, no Imbuí; e o Parque da Cidade, na Pituba, que recebeu 29 animais nesse período.  Filhote de jiboia ficou em quarentena por alguns dias antes de voltar à mata (Foto: Marina Silva/CORREIO) “A soltura é especializada. Tem que ser feita por um pessoal técnico. Você não pode pegar uma serpente, chegar ali  e soltar. Tem que ter um cuidado, mas infelizmente muitas pessoas fazem isso. Aqui, os animais que não são peçonhentos, depois de um mês, são microchipados e soltos na área marcada”, explica a bióloga Rejâne Lira, professora titular do Instituto de Biologia e coordenadora do Noap.  Só que a demanda do Noap é cada vez maior. O núcleo, que existe há 33 anos para trabalhos de pesquisa científica e conservação, tem hoje um plantel fixo de cerca de 110 serpentes. Algumas nunca poderão voltar a natureza - é caso das peçonhentas, como jararacas e corais. Outras, ainda que não tenham veneno, também nunca terão a chance de retornar ao seu habitat: é a situação em que estão as serpentes exóticas, que são pouco mais de 30 hoje. 

Entre as cobras exóticas que vivem no serpentário da Ufba, a maioria é a da espécie conhecida como ‘cobra do milho’ - a corn snake, nativa de países como Estados Unidos e México. Hoje, 22 moram lá. O que chama atenção, porém, é que a chegada desses animais tem se intensificado nos últimos meses: das 22, 15 foram resgatadas por autoridades de segurança pública em 2020. Cobras do milho são maioria entre as espécies exóticas (Foto: Marina Silva/CORREIO) As serpentes exóticas receberam atenção nacional nas últimas semanas, depois que um jovem de Brasília foi picado por uma naja que criava em casa - uma das cobras mais venenosas do mundo, mas que só ocorre naturalmente em países da Ásia e da África. 

O episódio trouxe luz a um possível esquema de tráfico de animais que está sendo investigado pela polícia do Distrito Federal. Um dos suspeitos, Pedro Henrique Krambeck Lehmkuhl, 22 anos, que foi picado pela naja, chegou a ser preso, mas foi solto. A mãe e o padrasto dele, o major da Polícia Militar do DF Elias Condi, também estão sendo investigados. Segundo o portal Metrópoles, que obteve documentos da polícia civil do DF, a corporação não tem dúvidas de que ele "é um traficante de animais silvestres e não mero colecionador" que adquiria serpentes até na Bahia (veja abaixo).  

Jiboias  As jiboias, por outro lado, são animais que, além de serem nativos, se adaptaram bem à vida nas cidades. “Salvador está dentro do bioma Mata Atlântica. Com a expansão das cidades, várias cobras foram extintas, mas as jiboias, assim como jararacas, se adaptaram porque comem ratos e os filhotes já nascem num tamanho que têm condição de chegar à idade adulta. Elas fazem esse serviço de controlar a população de ratos das cidades”, enfatiza a professora Rêjane. 

Em Salvador, corporações especializadas como o Grupo Especial de Proteção Ambiental (Gepa), da Guarda Civil Municipal, e a Companhia de Polícia de Proteção Ambiental (Coppa) costumam fazer resgates desses animais diariamente. No entanto, antes mesmo de eles serem fundados, a população já recorria ao Noap para ajuda com animais silvestres. Não era incomum que chegassem na Ufba com cobras, aranhas e escorpiões que apareciam em casa. 

Desde 2016, o Noap e o Gepa firmaram uma parceria. As pesquisadoras fazem cursos de capacitação com os profissionais, enquanto eles levam as serpentes capturadas para a universidade.  A maioria das cobras no Noap não é venenosa, mas também há peçonhentas como a cascavel; essas não podem ser soltas na natureza (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Hoje, 90% das serpentes que o Gepa traz para a gente são não peçonhentas, como jiboia e sucuri. Esses animais precisam voltar para a natureza, que é o lugar de origem deles. Quando uma pessoa liga, eles vão buscar, mas eles não têm nem autorização, nem estrutura para ficar com esses animais. Eles precisam levar para alguma instituição e levam para o Noap”, explica a professora. Ao chegar lá, os animais são fotografados, têm um pedaço de tecido recolhido para um banco de tecidos (que é um tipo de memória genética) e são microchipados. As serpentes passam um período de ‘quarentena’ sob os cuidados da médica veterinária Tatiale Rodrigues, para saber se estão saudáveis. São, em média, 30 dias, mas não é uma regra. Desde o começo da pandemia, elas têm tentado agilizar o processo. 

“A quarentena pode durar alguns dias ou até meses, vai depender de como elas chegarem aqui”, explica Tatiale. A questão é que, quanto mais rápido as cobras voltarem para a mata, mais facilmente vão conseguir se readaptar. “Por isso, a gente tenta soltar o quanto antes”, completa. A jiboia filhote que foi solta na Ufba, por exemplo, passou cinco dias no Noap antes de retornar à natureza.  

No campus, a soltura começou há alguns anos, mas foi acontecer de forma sistemática há apenas dois. Geralmente, são jiboias de pequeno porte, mas não somente cobras - há também iguanas, jabutis e cágados. Como explica a professora Rejâne, são animais que já faziam parte daquela fauna.  Iguanas também são soltas no campus, assim como jabutis e cágados (Foto: Reprodução/Instagram) “Os próprios estudantes da Ufba odeiam que a gente solte os bichos lá. Antes da pandemia, a gente ia fazer um projeto para a percepção das pessoas sobre esse trabalho. É uma ignorância porque eles não entendem que aqueles animais já moram lá. Já existiam jiboias dentro do campus antes de a gente soltar”, reforça. No campus de Ondina, de acordo com ela, é comum ainda haver espécies como cobra verde, cobra cipó e cobra d’água. A ideia das placas veio justamente após duas jiboias do próprio campus serem devolvidas à natureza - ou seja, não se tratavam de serpentes novas sendo introduzidas ao ambiente.  Professora Rejâne faz soltura de filhote de jiboia ao lado do Instituto de Biologia (Foto: Marina Silva/CORREIO) Pouco depois, os animais apareceram ao lado da Faculdade de Farmácia, o que despertou  a atenção de um grupo de pessoas. Metade queria matar as cobras, enquanto a outra metade era contra. “A direção da faculdade nos chamou, levamos nossos leitores de microchip e vimos que eram bichos de lá. Deixamos lá, o que várias pessoas acharam ótimo, mas várias não. Vejam o grau de ignorância mesmo no ambiente universitário”, lamenta Rejâne. 

Por isso, as placas têm dado certo. De qualquer forma, é proibido, no Brasil, soltar serpentes peçonhentas. No país, são quatro tipos: jararaca, cascavel, sucuru e coral. Serpentes da família cascavel não podem ser soltas na natureza, se chegarem ao Noap (Foto: Marina Silva/CORREIO) Passeio no parque O Parque da Cidade se tornou uma área de soltura justamente por ser a sede do Gepa. A própria soltura é uma das atividades de pesquisa do núcleo, porque envolve o monitoramento de cada área. Outro dia, cita a professora, uma cobra microchipada pelo Noap e solta no parque foi encontrada em uma casa na Pituba. 

No período de chuvas, é mais comum que elas “apareçam” em outros lugares. Como a chuva alaga espaços onde elas estão, as serpentes são forçadas a se deslocar e migrar para lugares mais altos. 

De acordo com o guarda civil ambiental Cleiton Montino, que atua no Gepa desde sua criação, em 2014, o parque foi escolhido também por ser uma área ampla e que, com o passar dos anos, teve sua fauna afetada pela urbanização. "Isso acabou empobrecendo o que o parque tinha de vida silvestre. Disso, nasceu o sentimento de repovoar ali com algumas espécies", diz.  A soltura acontece também no Parque da Cidade (Foto: Reprodução/Instagram) Para quem vai ao parque e, de repente, der de cara com uma cobra, a primeira orientação é manter a calma. É preciso, ainda, manter uma distância de segurança do animal e, se for necessário, acionar a guarda. Também não se deve tentar pegar a serpente. "Se o animal estiver numa área muito povoada, para a segurança das pessoas e também do animal, para que não seja atacado, podemos colocar numa área mais isolada. Temos agentes treinados para isso", explica Montino. Essa orientação vale para quem se deparar com uma cobra em qualquer lugar - seja na Ufba, seja em alguma das outras áreas de soltura. Para a professora Rejâne Lira, do Noap, uma forma de compreender isso é fazer um paralelo com outros animais. 

"Tenho cachorro, mas jamais vou pegar num cachorro na rua sem saber. Isso vale para qualquer bicho. Se você sentir medo, sai dali e vai para outro lugar, porque ali é a casa da cobra. Você chegou para passear onde ela mora. Se você sentir que tem algum risco, pode chamar o Gepa", explica. 

E não faltam postulantes a moradores dessas áreas. Segundo o Gepa, a demanda por atendimentos só tem crescido. Em 2015, houve 414. Já em 2018, o número tinha pulado para 1.378 animais. Este ano, até julho, foram 589 atendimentos. 

As serpentes são pouco mais de 30% das ocorrências todos os anos. Em um único dia, já chegaram a atender 12 casos de serpente. A única exceção foi em 2018, quando houve casos de febre amarela no Brasil e os macacos, que também podem ser vítimas da doença, viraram foco de atenção. 

"As principais chamadas são para resgate, mas também tem demandas de denúncia, principalmente comercialização em via pública. Nesse caso, as aves são mais comuns, mas em algumas feiras livres pode ter cobras também. Geralmente é algo mais camuflado, mais escondido", diz Cleiton Montino, citando as cobras do milho. 

Criação doméstica No Brasil, não existe uma “lista pet” nacional - como é conhecida a lista de animais que podem ser criados de forma doméstica no país. Alguns estados, porém, como Alagoas e Paraná, já definiram suas listas locais. Ainda assim, a criação de serpentes em casa só é permitida se forem animais nativos da fauna brasileira, não peçonhentos e adquiridos em criadouros legalizados, com autorização de órgãos estaduais.

Os répteis adquiridos em criatórios legalizados já vêm, inclusive, microchipados, como explica o médico veterinário Paulo Bahiano, membro da Comissão de Animais Selvagens e Meio Ambiente do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) e mestre em Ciência Animal nos Trópicos pela Ufba. Esse microchip serve como uma identidade. Assim, se o dono algum dia vier abandonar o animal, é possível que as autoridades cheguem até ele. "Temos dois tipos de pessoas: a que pega para criar porque é apaixonada, fissurada por serpentes e não vai abandonar de jeito nenhum; e o aventureiro, que pode abandonar, principalmente nesse período, por medo da ação fiscalizatória", analisa o médico veterinário. As cobras venenosas, de qualquer forma, só podem viver em locais como instituições e centros de pesquisa. Para Bahiano, quem pretende criar uma serpente de forma doméstica deve ter em mente que são animais com necessidades nutricionais e biológicas diferentes. 

"Eles têm metabolismo mais lento, dependem da temperatura externa e podem viver mais de 20 anos. Tem que saber também se, na sua cidade, tem especialista na área veterinária para esses animais", alerta. 

O médico veterinário Moacyr Moraes Neto foi dono do último criadouro legal na Bahia, que manteve por 12 anos. No ano passado, porém, ele decidiu encerrar as atividades do Sítio Haras da Mata, que funcionava em Lauro de Freitas, pelo que chamou de burocracia e legislação rebuscada. 

Segundo Moraes Neto, desde que o Inema assumiu a responsabilidade pelos criatórios - o Ibama passou para os órgãos estaduais naquele mesmo ano - houve mudanças na legislação obrigatório. 

"Já tinha uma carga pesada de burocracia e uma ausência de fiscalização. Depois, ficou ainda mais ineficiente, para não dizer inexistente, e a burocracia aumentou. Para renovar a licença do criadouro, ia ter custo de R$ 16 a R$ 18 mil, que o criadouro não cobre. A conta não fecha", explica ele, que criava jiboias e salamantas (também conhecidas como jiboias arco-íris), além de aves como araras e papagaios.  Espécie nativa e não peçonhenta, a jiboia arco-íris, como essa do Noap, pode ser criada em casa se for legalizada (Foto: Marina Silva/CORREIO) Mesmo assim, ele garante que não era por falta de demanda. Os animais eram procurados, principalmente, pelos baianos. Poucos clientes eram de outros estados. Um filhote de jiboia podia custar até R$ 3 mil, enquanto uma salamanta poderia chegar a R$ 3,5 mil. "Porém, os nascimentos são inferiores à demanda e às necessidades financeiras para os custos do criadouro. Não é um troço muito lucrativo", explica. 

A professora Rejâne Lira, coordenadora do Noap, por sua vez, é contra a criação doméstica de serpentes. O principal motivo para isso é justamente o fato de que as cobras não estabelecem vínculos afetivos com os tutores. 

"Não é que a cobra não queira, mas ela não tem cérebro para isso. A relação que vai existir vai ser sempre da pessoa para a cobra, nunca o contrário. Tivemos a jararaca que morreu depois de viver por 19 anos com a gente. Se eu colocasse minha mão e ela se sentisse atacada, ela ia me picar, porque é um animal selvagem. Por isso, sou contra da mesma forma que sou contra alguém criar uma onça, um tatu". 

Além disso, enquanto os animais domésticos precisam dos tutores, quando uma cobra é retirada da natureza, ela não pode se reproduzir ou viver livremente. Ao mesmo tempo, se um dia ela voltar, vai ter mais dificuldade que outros animais para se alimentar. Em um processo de competição no habitat natural, esse animal estará mais frágil. "Você vai condenar esse animal ao cativeiro pelo resto da vida", defende.  Jararacas também não podem sair no serpentário, se forem resgatadas ou apreendidas (Foto: Marina Silva/CORREIO) Cobras exóticas podem ser traficadas ou 'filhas' do tráfico; entenda O caso que está sendo investigado como um possível esquema de tráfico de animais no Distrito Federal levantou questionamentos sobre a situação das serpentes exóticas em todo o Brasil. De acordo com especialistas, a Bahia não está muito distante disso - e, sim, há tráfico desses animais no estado. O próprio caso do DF indica a relação de moradores da Bahia no esquema: a polícia de lá teve acesso a uma troca de mensagens do suspeito picado pela naja que dizia estar voltando de Ibotirama, no Vale do São Francisco, com uma cobra. 

Para a professora Rejâne Lira, até a quantidade de serpentes exóticas no plantel do núcleo é um indicativo disso. Hoje, das cerca de 110 que vivem no serpentário, quase um terço é de espécies não nativas do Brasil. “Isso não existia há dez anos. As pessoas querem as cobras como um brinquedinho exótico. É muito para a vaidade delas, não porque gostam das cobras. Elas gostam do close que vão dar na internet com seus seguidores”, afirma a professora. Nesse contexto de redes sociais, as cobras exóticas foram se destacando. O que ela acredita ter acontecido é que, antes, muita gente já criava - ilegalmente - cobras brasileiras, como as jiboias. No entanto, as jiboias foram se tornando cada vez mais comuns. “Essa vida virtual também foi trazendo nossas características mais obscuras. Aí, foram partindo para animais diferentes”, diz Rejâne. 

Hoje, a maioria das serpentes exóticas no Noap são as chamadas cobras do milho. A facilidade para criação - por ser considerada tranquila e fácil de alimentar, além de não ser venenosa - também pode ter contribuído para a espécie ter se tornado popular, além da possibilidade de obter diferentes padrões de cores.  Entre as exóticas, cobras do milho se popularizaram no Brasil. No Noap, são maioria entre as estrangeiras (Foto: Marina Silva/CORREIO) Das 22 cobras do milho que vivem lá, 15 chegaram em 2020. Isso seria um indício, para ela, de que não apenas o tráfico tem se ampliado como também que a investigação está mais eficiente. “As máquinas também se sofisticaram, porque muitos animais que a gente recebe são (originalmente) enviados através dos Correios”, explica. 

Serpentes exóticas peçonhentas, como a naja, não podem ser criadas de forma alguma no país. No caso delas, é ainda mais difícil encontrar uma destinação depois que são apreendidas. O Noap, por exemplo, não poderia recebê-las - já que, lá, não dispõem de soro antiofídico para o caso de acidentes durante o manejo.  

“Mas as pessoas começaram a achar chato também criar serpentes que não eram venenosas. Decidiram partir para coisas que achavam mais interessantes, como a naja”, diz a professora. 

No caso do Distrito Federal, a polícia chegou a levantar a hipótese até de que os suspeitos tinham intenção de comercializar o veneno da naja para produzir drogas. No entanto, para a professora Rejâne, apenas a investigação pode esclarecer esses aspectos, já que o veneno da naja não é alucinógeno. 

O caminho De fato, muitos desses animais chegam aos donos através dos Correios. As transações começam pela internet - de grupos de Whatsapp e Facebook a anúncios. De acordo com um relatório produzido no ano passado pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), após monitorar mais de 250 grupos de Whatsapp, as cobras exóticas vêm de países da África e da Ásia, além da Austrália. 

Elas entram no Brasil, em geral, através de fronteiras com o Suriname, a Guiana e o Uruguai. Dentro do país, circulam pelas vias terrestres, como carros particulares, ônibus e caminhões. Mas os Correios também são utilizados para enviar os animais a vários compradores.  Entre as exóticas na Ufba, há ainda a píton regius (Foto: Marina Silva/CORREIO) Em nota, a empresa informou que trabalha em parceria com os órgãos de segurança pública para prevenir o tráfico de drogas e de outros itens proibidos através do serviço postal. Porém, por motivos de segurança, não divulga detalhes para não interferir em investigações. 

“Os empregados atuam de forma diligente e são capazes de identificar qualquer postagem cujo conteúdo esteja em desacordo com a legislação. Quando algum objeto proibido e/ou ilícito é detectado, os Correios acionam os órgãos competentes. Muitas das operações policiais começam por apreensões realizadas pela fiscalização dos Correios”, dizem. 

Segundo o delegado Leonardo Rodrigues, chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Ambientais e Patrimônio Histórico da Polícia Federal, as espécies exóticas estão protegidas pelas mesmas leis sobre a fauna nacional. 

Só que a Bahia acaba se destacando, de acordo com ele, em outros aspectos: de enviar animais para outros estados."O que a gente pode dizer efetivamente é que a Bahia é mais um polo exportador. Daqui saem animais para outros estados do Brasil", diz, reforçando que, até o momento, ainda não há registros de envio de animais para o exterior. Daqui, especialmente da região da Chapada Diamantina, saem animais que vão para estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, criados de forma ilegal. Não são apenas serpentes - aranhas e iguanas também estão entre os mais comercializados. 

Vindo para cá, ele cita um registro de uma corn snake apreendida nos Correios e de um filhote de aranha localizado pela empresa também no mês passado. A fiscalização, porém, cabe à polícia civil de cada estado. 

"Apenas se o animal estiver em risco de extinção ou for tráfico internacional, que seria uma atribuição nossa. Mesmo assim, nós temos atuado em algumas situações, mesmo sem ser nossa atribuição. A gente precisa que todos os órgãos envolvidos na parte de repressão sejam chamados a atuar", diz o delegado. 

Através da assessoria, a Polícia Civil informou que tem uma Delegacia de Proteção Ambiental em Praia do Forte e que crimes ambientais podem ser registrados também nas delegacias territoriais. "Contudo, sobre tráfico de animais, quando constatada origem e espécie de outro estado ou país, o caso é encaminhado à Polícia Federal", disseram. Os delegados responsáveis pela unidade de proteção ambiental não quiseram dar entrevista. 

Comprar ou vender animais fora das vias legais é um ato que pode ser enquadrado no artigo 29 da lei de crimes ambientais, que prevê uma pena de seis meses a um ano, além de multa. No entanto, há outras situações. Quem comprar uma cobra naja, por exemplo, pode responder pelo crime de receptação, cuja pena pode chegar a quatro anos de prisão.  As diferentes tipos de píton estão entre as exóticas mais vendidas ilegalmente (Foto: Marina Silva/CORREIO) Mas é válido lembrar que uma serpente tem vida longa. Varia de espécie para espécie, mas, em geral, elas podem viver até por mais de 20 anos. Por isso, para alguns especialistas ouvidos pelo CORREIO, muitas cobras exóticas que hoje circulam pelo Brasil são, na verdade, nascidas aqui. Elas seriam "filhas" e "netas" de serpentes traficadas 20, 30 anos atrás e que começaram a ser reproduzidas aqui. 

Para o médico veterinário Moacyr Moraes Neto, que até o ano passado manteve o último criatório legalizado de serpentes na Bahia, quem cria animais de forma ilegal nem deveria ser chamado de 'criador'. No fim da década de 1990, segundo ele, alguns pesquisadores já faziam levantamentos de locais onde pessoas soltavam pítons e mesmo najas na natureza, em outros estados. "Não sei a origem e nem entendo de serpentes exóticas, mas a essa altura, elas já são reproduzidas aqui no Brasil e estão escondidas. O bicho entrou aqui há muito tempo e os órgãos não viram", afirma. O relatório produzido pela Renctas encontrou situações assim. Um indício dessa criação tem a ver com a queda nos preços. Há diferenças dentro da própria espécie: uma naja trazida do exterior pode custar R$ 7 mil, enquanto filhotes nascidos no Brasil, em criadouros clandestinos, podem ser vendidos até por R$ 1 mil. No passado, segundo a ONG, uma naja poderia ser comercializada por R$ 15 mil. 

Entre as cobras exóticas não venenosas, os anúncios são mais comuns. As corn snakes, em alguns sites de anúncio, variam entre R$ 200 e R$ 600. 

Procurados pelo CORREIO, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) não se pronunciaram até a publicação da reportagem.