Depois do 'Verão da década', setor turístico quer atrair mais visitantes pelo resto do ano

Empreendedores também criam suas próprias medidas

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  • Thais Borges

Publicado em 17 de março de 2019 às 05:19

- Atualizado há um ano

Você deve ter percebido. Do fim de dezembro para cá, Salvador estava lotada. Do Farol da Barra ao de Itapuã, do Pelourinho à Ponta de Humaitá, ouviam-se diferentes línguas e sotaques. A cidade ficou ‘abarrotada’ de turistas, definiram alguns. Para a prefeitura e para os órgãos de turismo, foi o ‘Verão da década’. E é verdade: de 2010 para cá, Salvador nunca tinha recebido tantos visitantes quanto agora. 

No popular, Salvador bombou. Mas, passada a euforia, vem o desafio: manter o fluxo de viajantes ao longo do ano. Entre o poder público, o trade turístico, empresários e microempreendedores, as estratégias já começam a aparecer – e vão desde press trips e um calendário de eventos até promoções. 

O que importa, agora, é aproveitar a visibilidade de Salvador. Além disso, evitar a ‘ressaca’ e não subestimar a divulgação espontânea de quem veio para cá. Só para dar uma ideia, entre dezembro do ano passado e até o fim deste mês, Salvador deve receber 3,7 milhões de turistas, de acordo com a Secretaria Municipal da Cultura e Turismo (Secult). Esse número é 8% maior do que o Verão de 2018 – que ostentava o recorde anterior de público. 

Tanta gente faz crescer também a estimativa de movimentação econômica nesse período em 6,4% em relação aos mesmos meses, no ano passado. A previsão de 2019 é chegar a R$ 5,5 bilhões gastos na cidade.  Número de turistas em Salvador foi o maior da década (Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO) Para não ficar para trás, a Secult vai investir mais na promoção da cidade. Um dos destaques vai ser um projeto de comunicação digital – a websérie Salvador Fashion Race, que deve ser lançada nas próximas semanas.“Todo o conteúdo dela dialoga muito com os ativos que são da Bahia, de Salvador, e que são voltados para a questão estética, do design, da moda. Isso chama atenção, sobretudo, nas plataformas digitais”, analisa o titular da pasta, Cláudio Tinoco. Os roadshows (uma espécie de workshop para operadores e agentes de viagens), que deram certo nos dois últimos anos, devem ser mantidos. A ideia é superar o público anterior – de quatro mil agentes e operadores – em cidades do Brasil e da América do Sul. Para isso acontecer, a estratégia vai ser ir além das capitais. 

Grandes cidades do interior também estão na mira da Secult. “Vamos trabalhar no interior de mercados importantes, como a região Sul do Brasil. Vamos em cidades como Londrina, no Paraná, além das capitais”, explica Tinoco. 

Ainda para esse público, será retomado o projeto Salvador, Nice To Meet You, através da Salvador Destination. São viagens de familiarização para os operadores de viagens e promotores de eventos, com o objetivo de apresentar a infraestrutura, os atrativos e os serviços da cidade. 

Especializados As press trips, viagens para jornalistas especializados na cobertura de turismo, também devem ser intensificadas. "Já temos algumas programadas para o primeiro semestre, para mostrar nossa cidade e fazer isso repercutir através da imprensa especializada”, completa o secretário.Alguns dos exemplos que deram certo foram as reportagens publicadas no jornal The New York Times e na revista National Geographic, no ano passado. 

A secretaria contratou uma empresa de pesquisa para medir o perfil dos turistas que vêm à cidade ao longo do ano – na alta, na média e na baixa estações. Os resultados preliminares já apontam crescimento do número de estrangeiros na cidade. 

A Argentina, país que foi selecionado para receber algumas das press trips, já é um dos que têm resultados mais visíveis. Em 2015, os argentinos correspondiam a 16% dos estrangeiros que chegam à cidade. Em 2018, o percentual saltou para 44%. Salvador sempre participa da feira de turismo de Buenos Aires, que é considerada uma das maiores da América Latina. 

Estão previstas, ainda, pelo menos duas ações de promoção internacional – em Londres (Inglaterra) e na Itália, com a Embratur e a Unesco, respectivamente. 

Na avaliação do secretário, o destaque de Salvador no turismo está intimamente relacionado aos projetos de requalificação da cidade nos últimos anos, além da promoção da capital enquanto destino turístico. Nessa conta, dá para adicionar desde os investimentos em infraestrutura, como a reforma da Orla e a implantação de novos equipamentos de visitação – que devem se juntar a museus como a Casa do Rio Vermelho e a Casa do Carnaval. 

Ainda neste mês, deve ser publicado o edital para a construção do novo Arquivo Público Municipal e Museu da História de Salvador. Até o próximo mês, é a vez da licitação para o restauro da Casa dos Azulejos, onde vai funcionar o Museu da Música Brasileira. Os dois equipamentos ficam no Centro Histórico. 

De fato, os feedbacks do Verão de Salvador têm sido positivos – e isso já ajuda na divulgação espontânea.“Estou numa convenção em São Paulo e o retorno dos agentes de viagem é que os clientes que foram para Salvador ficaram surpresos e felizes”, contou a presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens na Bahia (Abav-BA), Ângela Carvalho. Para ela, a capacitação dos agentes de viagem de outros estados e países é importante, justamente para a divulgação da cidade como destino nos próximos meses. “O agente de viagem, de certa forma, influencia o cliente. Às vezes, o cliente quer algo na praia, mas não sabe onde, não tem destino específico. Por isso, o poder de influência nessa decisão”. 

É com esse tipo de trabalho também que os guias turísticos esperam manter o movimento ao longo do ano, de acordo com a presidente do Sindicato dos Guias de Turismo da Bahia (Singtur), Silvana Rós. Só no Carnaval, por exemplo, a demanda por guias foi 45% maior do que no ano passado. Para ela, isso está diretamente ligado à divulgação de Salvador em veículos de comunicação como o The New York Times. 

“Acredito que, com essa indicação, conseguimos mostrar o turismo de experiência. Salvador não é só praia, mas tem um turismo de experiência que faz com que o visitante vivencie a cidade, mesmo na baixa estação”, opina Silvana.  Percentual de estrangeiros entre os visitantes também cresceu (Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO) Calendário Outra das principais estratégias da cidade é fortalecer o calendário de eventos. Com esse planejamento, Salvador não se resumiria ao Carnaval ou ao Réveillon. “Temos a meta de implementar uma plataforma que tenha eventos o ano inteiro”, diz o presidente da Empresa Salvador Turismo (Saltur), Isaac Edington. 

Esses eventos vão desde feiras de gastronomia, cultura pop e artesanato realizadas em todos os fins de semana com apoio da Saltur até a maratona da capital. Ainda este mês, começa o Festival da Cidade, que reúne dezenas de eventos pelo aniversário de Salvador, que acontece no dia 29. Além disso, há destaques como o Festival da Primavera, em setembro e o Festival Náutico, em novembro. A própria Maratona de Salvador, que acontece em setembro pelo terceiro ano consecutivo, é uma das grandes apostas. 

No primeiro ano em que foi realizada, em 2017, 22% dos participantes da corrida eram de fora da capital – de mais de 100 cidades. No ano passado, o número de forasteiros chegou a 40%, vindos de mais de 200 municípios brasileiros.“A gente não tem uma fábrica de automóveis, nem polo petroquímico. A gente tem uma indústria criativa muito forte e vários eixos que vivem do serviço dessa indústria”, justifica Edington. Para completar, em 2019, vai ter Copa América. Salvador vai receber cinco dos jogos da competição em junho, que é considerado um mês de baixo fluxo de turistas. Segundo o secretário Claudio Tinoco, da Secult, a prefeitura já fez reuniões com o comitê gestor do evento para começar a estratégia de promoção como cidade sede. “Vamos ter a representação de países importantes que têm conexão (aérea) com Salvador”. 

Para o presidente da Federação Baiana de Hospedagem e Alimentação (Febha), Silvio Pessoa, o calendário de eventos é “extremamente” importante – principalmente para os turistas que vêm de outras cidades da Bahia. Segundo ele, cerca de 50% dos turistas no estado são provenientes do próprio estado. “Precisamos investir muito em mídias digitais e deixar Salvador no imaginário das pessoas. Tivemos uma grande exposição e devemos continuar com ela. Do dia 20 de setembro para cá, todos os setores da economia tiveram uma boa vendagem. Bares, restaurantes, hotéis, água de coco, baiana de acarajé, setor de horti-fruti. Todo mundo ganha”, diz. Empreendedores como a estilista Najara Black, proprietária da marca NBlack, reforçam que o impacto do Verão foi sentido de forma positiva. Como muitos dos clientes da marca e do serviço de customização de abadás no Carnaval são de fora, ela percebeu até que a estadia deles na cidade foi maior. 

“Normalmente, eles chegavam na quinta de Carnaval, mas percebi que eles estavam se organizando para pegar os bloquinhos desde a semana anterior e curtir um pouco mais. Então, a gente vendeu mais, teve mais oportunidade. Ainda não fiz todos os cálculos, mas teve um aumento entre 20% e 30% em comparação ao ano passado”, afirma.  Muitos turistas chegaram antes mesmo dos dias oficiais de Carnaval (Foto: Betto Jr./Arquivo CORREIO) Conheça alguns dos eventos do calendário da cidade (ainda sem datas fechadas) em 2019: Março – Festival da Cidade Março – Festival de Fotografia Maio – Festival de Jazz (data definida a partir do Dia Internacional do Jazz, comemorado em 30 de abril) Maio – Festival de Reggae (data definida a partir do Dia Nacional do Reggae, comemorado em 11 de maio) Junho – Copa América  Setembro - Festival da Primavera Setembro – Maratona de Salvador  Setembro – Festival Gastronômico  Outubro – Festival de Música Universitária Novembro – Scream Festival (evento de mídia criativa) Novembro – Festival Náutico Dezembro – Réveillon

Empreendedores criam estratégias para manter o movimento após o Verão O Verão já é o ponto alto das vendas das hamburguerias Red Burger. Com um público predominantemente jovem, entre os 18 e os 26 anos, é comum que esse período – justamente o das férias universitárias – seja o de maior frequência. Chega a ser 30% maior do que no resto do ano. Mas, em 2019, o movimento superou as expectativas. 

O grupo abriu, inclusive, a quarta das lojas um pouco antes do Carnaval. Localizada na Rua Sabino Silva, nas imediações do circuito de Ondina, a hamburgueria funcionou ao longo de todos os dias da folia. No carnaval, chegaram a vender entre 400 e 500 hambúrgueres por dia. Até então, o recorde era de 407 unidades vendidas num único dia, na unidade da Pituba, a matriz e a mais antiga das casas. 

Fora isso, ainda forneceram hambúrgueres para camarotes.“Como a gente tem um tempinho no mercado, já estamos indo para o terceiro ano, a gente sabe que a demanda cresce (nessa época do ano). Então, a gente fez um planejamento prévio para contratar pessoas novas até pela nova casa”, conta o sócio-administrador da Red, Pedro Magalhães. Em janeiro, foram contratados 14 novos funcionários – o quadro total, agora, passa dos 50. Eles chegaram para reforçar o Verão, mas foram incorporados ao número fixo. Uma parte foi diretamente para a nova filial, enquanto o restante foi dividido entre as outras lojas. “A gente não costuma contratar e demitir, não é uma estratégia que adotamos. A gente tem um plano de cargos e salários para fazer carreira, então, quando a gente contrata, é para ficar”, explica Pedro.  Pedro, sócio-administrador da Red: Verão com incremento de 30% (Foto: Divulgação) Nas outras estações, a maior frequência nas lojas ocorre aos finais de semana. Por isso, atrair o público durante os outros dias de funcionamento é uma das estratégias da Red. “A gente tem foco na experiência mais intensa. Tem uma ação que é o Burger Sounds, que trazemos uma bandinha, todas às quartas-feiras, na loja da Barra ou de Jaguaribe, para incrementar o público”. 

Proprietária da marca de roupas NBlack, a estilista Najara Black também investiu no Verão. Dias antes do Carnaval, abriu pontos de venda em três locais da cidade – que funcionaram também durante todos os dias da folia. “Foi bem bacana, porque peguei públicos diferentes. Um dos pontos era um hotel, que achei que não ia ter tanta demanda, e teve”, conta.  A estilista Najara Black, da NBlack, investiu no verão (Foto: Marina Silva/CORREIO) Para dar conta, os funcionários passaram de 12 para mais de 20 nesse período. Ainda que ela não incorpore os temporários ao quadro fixo, garante que deixa numa espécie de lista de espera.“Já deixo um grupinho organizado porque, durante o ano, faço muitas convenções em Sauípe e na Praia do Forte com customização de abadás. Normalmente, levo esse pessoal que trabalhou como temporário no Verão”, explica Najara. Entre as estratégias para manter o movimento estão a produção de eventos próprios. No sábado (13), ela promoveu um baile infantil no Rio Vermelho. A festa sempre acontecia antes do Carnaval, mas, esse ano, para prolongar o engajamento, decidiu fazer depois do período momesco. Em abril, que é um dos meses mais fracos para vendas, ela planeja lançar uma nova coleção. Assim, já começa a aquecer as vendas, pensando no Dia das Mães, em maio. 

Planejamento estratégico pode ajudar empresas na baixa estação Em uma cidade como Salvador, o Verão vai ser bom para a maioria dos negócios sazonais. O desafio dos empreendedores acaba sendo não deixar as vendas caírem muito no restante do ano. Uma das maneiras de conseguir isso é estabelecer um relacionamento com os clientes, como aponta o técnico do Sebrae Fabrício Barreto. 

“O planejamento estratégico vai ajudar a definir essas ações. Claro que, quando falamos em turismo, precisa de atrativos, mas tem como trabalhar o cliente soteropolitano aproveitando as datas em que a cidade se transforma também”, diz. 

Em abril, por exemplo, com a chegada da Páscoa, uma dica é criar pacotes e produtos específicos para a data. Com o São João, em junho, as oportunidades são parecidas. Assim, é uma forma de atrair os que já moram na cidade a usufruir dos novos produtos e pacotes criados especificamente para essas datas.  

Além disso, ‘inovação’ continua sendo uma das palavras de ordem no mundo dos negócios.“A sazonalidade existe, mas o mercado precisa estar atento e sempre inovar. A empresa não pode dormir. Ela precisa sempre inovar, principalmente, nesses momentos. Por isso, temos restaurantes típicos que conseguem vender o ano todo”, diz Barreto. É natural que uma empresa que vende picolés e sorvetes, por exemplo, tenha maior faturamento no Verão, durante a época de calor. No entanto, se foram feitas ações como promoções e divulgação nas redes sociais, é possível manter um fluxo de consumidores. “Você não vai deixar de faturar, ainda que fature numa proporção menor, desde que inove para esse público que está presente na cidade”.