Derrota da social democracia: ninguém nasce cidadão; os cidadãos são produzidos

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Publicado em 7 de novembro de 2018 às 12:30

- Atualizado há um ano

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A vitória de Jair Bolsonaro (PSL) é fruto da dificuldade da social democracia brasileira de não levar a sério os valores tradicionais incrustados historicamente. O slogan da campanha presidencial: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, uma Constituição em uma mão e a Bíblia na outra, não foi explorada ao acaso, mas por uma sagaz percepção da realidade tupiniquim.

A ideologia progressista no Brasil não considerou que parte significativa da nação não tem um perfil alçada nos valores modernos iluministas do individualismo, do laicismo, e dos direitos humanos. É necessário considerar este fato! A vitória foi chegada de uma direita conservadora nos costumes e pautada em princípios de ordem, com sentimentos reacionários e saudosistas. Foi também a derrota da social democracia, que esteve no poder presidenciável ao longo dos anos.

O cientista político democrata americano, Mark Lilla, ao falar da vitória de Donald Trump, nos EUA, apontou que um dos motivos para a derrota do liberalismo democrático, em 2016, foi a incapacidade dos governos anteriores de internalizar uma consciência coletiva - para além de pautas identitárias – com um liberalismo cívico, um espírito de cidadania atuante, abrangente, para além das diferenças.

Na prática, o cidadão comum que só assiste TV, frequenta shoppings, emerge em grupos excludentes e vai às Igrejas, tende a voltar-se com consumo próprio, entretenimento abusivo e com a salvação individual; desse modo não se cria bases comuns, com intercâmbios negociáveis, com uma linguagem comum, que reiterem a importância da política e do diálogo na Democracia. Não dá para achar que a forma, a Constituição cidadã, vai gerar, como num passe de mágica, ou toque de Midas, a formação de cidadãos ativos, conscientes de seus direitos e com um senso de coletividade, pois “ninguém nasce cidadão; os cidadãos são produzidos”.[1] (p.105)

A esquerda brasileira deve ir além de discursos e políticas identitárias, partidárias, ideológicas ou classistas. Ao apostar somente no assistencialismo, com os projetos sociais, acreditando que ascensão social é sinônimo de fidelidade política, ela também deveria ter dado atenção a um projeto substantivo de educação democrática, propiciando um sentimento de cidadania moderna, com senso de responsabilidade política e social. Outro erro cometido a algum tempo é em negligenciar a pauta sobre um combate sério à violência e a  corrupção, questões tão exploradas pelo candidato vencedor, que soube, ao meu ver, utilizá-las com muita veemência.

Os votos no Brasil soam mais ao interesse do imediatismo, do particularismo, e, portanto, distantes de um sentimento público. Só o voto não basta! É paupérrimo! As pessoas não têm noção de como funcionam as instituições republicanas, as regras do jogo, os direitos.

[1] LILLA, Mark. O progressista de ontem e do amanhã: desafios da democracia liberal do mundo pós-políticas identitárias. São Paulo: Companhia das Letras, p. 105,  2018.

Alan Rangel Barbosa é doutor em Ciências Sociais. UFBA e professor da Faculdade Fundação Visconde de Cairu.

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