Desembargadores anulam júri da médica Katia Vargas

Placar da votação ficou em 2 a 1 pela anulação; ainda cabe recurso

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  • Gil Santos

Publicado em 16 de agosto de 2018 às 14:43

- Atualizado há um ano

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Por 2 votos a 1, desembargadores da Segunda Turma da Câmara do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) anularam o júri da médica Katia Vargas Leal Pereira, 50 anos. Nesta quinta-feira (16), ocorreu o segundo dia de julgamento do recurso pela anulação.

O desembargador Mário Alberto Hirs, que pediu vista no primeiro dia para analisar melhor o recurso, votou a favor da médica oftalmologista, contrariando os dois colegas que optaram, há duas semanas, pela anulação do júri e pela realização de um novo julgamento. Com o resultado de hoje, o júri foi considerado nulo, mas ainda cabe recurso no próprio TJ-BA. 

A sessão começou às 13h40, com a sala do segundo andar do Tribunal lotada. Todas as cadeiras do auditório foram preenchidas e muitas pessoas precisaram assistir à sessão de pé. Um policial militar, na porta, controlava a entrada e saída, enquanto do lado de dentro o desembargador Mário Alberto Hirs lia o voto.

O advogado Daniel Keller, assistente da promotoria, assistiu a sessão sentado na primeira das três fileiras do auditório. Ele contou que já esperava o voto contrário de Hirs e comemorou o resultado da votação.

“Respeito muito o desembargador, mas discordo da decisão dele. O importante pra mim hoje é o resultado, dois votos a um. A anulação julgada procedente e o júri anulado. Entendo e respeito que ele tenha um ponto de vista diferente, mas o que prevalece é a maioria e, conforme a decisão, ela (Kátia) deve ser submetida a um novo julgamento”, disse.

Durante o voto, Hirs desqualificou os depoimentos de algumas testemunhas e disse que a perícia comprovou que elas estavam a mais de 100 metros do local do acidente quando tudo aconteceu e, por isso, não viram com clareza o ocorrido. O desembargador afirmou também que haviam outros erros no processo e frisou que a decisão do júri deveria ser respeitada.

"Consignante a jurisprudência dominante na corte superior, na corte intermediária e nas cortes estaduais, existindo duas teses contrárias e havendo plausibilidade na escolha de uma delas, não pode a corte estadual caçar a decisão do conselho de sentença para dizer que essa ou aquela é a melhor opção. Portanto, eu voto pelo improvimento da pena”, afirmou.

O relator do recurso desembargador José Alfredo Cerqueira da Silva se limitou a dizer que manteria a decisão tomada na última sessão sobre o caso. "Não acrescento nem tiro nenhuma palavra do meu voto", disse.

Teve início então uma discussão entre Mário Alberto Hirs e o desembargador João Bôsco de Oliveira Seixas, que acompanhou o relator e votou a favor de um novo júri. Os dois debateram pontos do processo e a culpabilidade de Kátia Vargas no fato. A sessão foi encerrada por volta às 14h38.

Keller disse que não iria comentar as declarações de Mário Alberto Hirs por respeito ao magistrado, que discorda da interpretação dele e que vai se manifestar nos autos.

A mãe das vítimas, a enfermeira Marinúbia Gomes, não foi ao julgamento. Em entrevista à Record ela pediu que todos rezem por ela e pela família de Kátia Vargas porque as duas estão sofrendo com o processo.

“Muito obrigado as mães que rezaram por mim, mas eu peço que orem por ambas as famílias. A dor que eu sinto não tem tamanho. Peço a Deus que isso acabe, que tudo isso passe. São cinco anos de perda, cinco anos de luta e cinco anos de dor. Há uma saudade muito grande”, disse.

Acusação Já o promotor Luciano Assis informou que o resultado era o esperado e que o Ministério Público da Bahia não fará nenhuma alteração no processo, mantendo a acusação de homicídio doloso contra Kátia Vargas.

“O resultado de hoje foi tecnicamente correto do ponto de vista jurídico. Óbvio que para nós seria mais interessante se houvesse unanimidade, para que não tivesse ainda a possibilidade de recurso no Tribunal de Justiça da Bahia, mas respeito o entendimento do desembargador que votou de forma contrária”, disse.

Ele acredita que se for realizado um novo julgamento o resultado, desta vez, será diferente. “Os fatos que ocorreram após o julgamento não alteram em nada o entendimento do Ministério Público sobre o caso. Vamos manter a acusação por duplo homicídio doloso. Não temos como afirmar o que vai acontecer na cabeça dos jurados, mas a decisão do primeiro júri foi contrária até mesmo ao pedido da defesa, que era de homicídio culposo”.

A médica foi absolvida, em dezembro do ano passado, da acusação de provocar a morte dos irmãos Emanuel e Emanuelle Gomes Dias, 21 e 23 anos, após uma discussão no trânsito, no bairro de Ondina, em outubro de 2013.

O TJ-BA informou que o rito da Justiça determina que o relator do recurso deve ser escolhido através de sorteio, no caso o desembargador sorteado foi José Alfredo Cerqueira da Silva. Em seguida os cargos de revisor e terceiro julgador devem ser ocupados pelos dois magistrados mais antigos da turma, João Bôsco de Oliveira Seixas e Mário Alberto Hirs, respectivamente.

Primeira sessão Durante a análise do recurso, no último dia 2, o desembargador relator do caso, José Alfredo Cerqueira, defendeu que o tribunal do júri que absolveu Katia Vargas deve ser anulado. Ele foi acompanhado pelo revisor, desembargador João Bosco de Oliveira Seixas. O desembargador Mário Alberto Hirs, que hoje votou contra a anulação, alegou, ao pedir vista, que o caso é “contraditório e complicado”.

O desembargador relator, no entanto, não concorda. “Não há provas de que não houve discussão ou a tese que é defendida. (...) O que se vê em todos os depoimentos da defesa são menções a personalidade, perfil psicológico, pessoa solidária e doce, maneira de ser com os que com ela conviveram e que não condiz com a conduta a ela atribuído. Provas materiais consistentes em provas periciais elaborados pelo Departamento de Perícia Técnica, da Secretaria de Segurança Pública, fornece dados que colabora com as testemunhas, evidenciando também o contato havido entre o carro é a moto”, afirmou Cerqueira, no primeiro dia.

Ele defende que as provas apresentadas por três laudos periciais do Departamento de Perícia Técnica (DPT) e dos depoimentos das testemunhas que estavam no momento do acidente, na Avenida Oceânica, são suficientes para condenar Katia Vargas.“Resta evidenciado após a análise que a decisão do corpo de jurados que absolveu a ré optando por uma tese que não foi a apresentada pela defesa está a toda evidência dissociada do lastro probatória”, comenta o desembargador relator.O julgamento analisou se o tribunal popular, realizado em primeiro grau, em dezembro, deveria perder efeito. O pedido de anulação foi realizado pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA). O recurso interposto pelo MP-BA ainda requeria a anulação do perito utilizado pela defesa no primeiro julgamento, o que foi negado pelos desembargadores em unanimidade. Os três desembargadores que votaram no julgamento do pedido foram sorteados dentre os cinco que fazem parte da Segunda Turma da Câmara.

"A defesa poderá entrar ainda com recurso no próprio TJBA. Apesar de cinco Desembargadores integrarem a 2ª Câmara Criminal, apenas três deles participam do rito de apelação. Desta maneira, as Desembargadoras Nágila Maria Sales Brito e Inez Maria Brito Santos Miranda não participaram do julgamento desta tarde", destacou o tribunal, em nota, nesta quinta-feira.

O advogado da médica Katia Vargas, José Luis Oliveira Lima, afirmou que vai interpor os recursos cabíveis."A defesa de Katia Vargas, apesar de respeitar a decisão do Judiciário, não concorda com o seu teor e irá interpor os recursos cabíveis para restabelecer a justa absolvição de Katia Vargas. A prova produzida na ação penal foi bem analisada pelos jurados e comprovou a total improcedência da acusação. A defesa confia na justiça", declarou. Relembre o caso Os irmãos Emanuel, 21 anos, e Emanuelle, 23, morreram na manhã de 11 de outubro de 2013, depois que a moto em que eles estavam bateu em um poste em frente ao Ondina Apart Hotel. Na época, testemunhas disseram que Katia Vargas saiu com o carro da Rua Morro do Escravo Miguel, no mesmo bairro, e fechou a passagem da moto pilotada por Emanuel, que levava a irmã na garupa, no sentido Rio Vermelho.

Após uma parada no sinal, Emanuel teria protestado contra a atitude da médica, batendo com o capacete contra o capô do carro. Foi quando o sinal abriu para a moto, mas não para o carro da médica, que faria um retorno no sentido Jardim Apipema. Katia Vargas deixa local de julgamento após ser inocentada por júri (Foto: Betto Jr/CORREIO) A médica, então, segundo as investigações, furou o sinal vermelho e acelerou o veículo em direção à motocicleta. Foi quando Emanuel perdeu o controle da direção e se chocou contra o poste, em alta velocidade. Ele e a irmã morreram na hora. Após o impacto, a médica chegou a entrar na contramão e bateu, alguns metros à frente, no portão do Ondina Apart Hotel.

Ela ficou internada no Hospital Aliança e saiu de lá direto para o Presídio Feminino de Salvador, na Mata Escura, onde ficou presa por 58 dias, até ter o alvará de soltura assinado pelo juiz Moacyr Pitta Lima, no dia 16 de dezembro de 2013.

O julgamento A expectativa em torno do julgamento de Katia Vargas durou mais de quatro anos. Ela foi para o banco dos réus, durante dois dias em dezembro do ano passado, e acabou inocentada por quatro de sete jurados, que a consideraram inocente da acusação de ter provocado a morte dos irmãos. A sentença causou revolta na família das vítimas.

No fim do julgamento em que Katia foi inocentada, os advogados de defesa dela sustentaram que não havia provas suficientes para condená-la, especialmente pelo fato de não ter um vídeo que mostra o momento em que o carro da médica colide com a moto. “Cadê o vídeo que mostra o impacto? Cadê o vídeo que mostra que Katia perseguiu a moto?”, questionou um dos advogados de defesa.

Apenas um vídeo mostra o carro e a motocicleta passando pela frente do hotel Bahia Othon Palace, mas, no entanto, não chega a mostra o contato entre os veículos. O veículo da médica também perdeu o controle e atingiu a grade do apart hotel, alguns metros adiante do poste onde a moto dos irmãos parou.

Antes da leitura da sentença, diante do tumulto formado no salão, a juíza Gelzi Maria Almeida Souza, que presidia o julgamento, determinou que o espaço fosse evacuado para preservar a segurança de todos os presentes. A sentença foi lida logo em seguida pela juíza às 19h40. Na decisão a magistrada também cita que os promotores Davi Gallo e Luciano Assis deixaram a sala secreta (onde os jurados votaram) e o plenário "sem assinar o termo de votação dos quesitos" e a ata, "numa atitude deselegante e desrespeitosa com o Tribunal do Júri".

Os promotores do MP-BA entraram com pedido de anulação do julgamento um dia após a absolvição. Desde o resultado do julgamento, eles já haviam divulgado que iriam entrar com recurso no TJ-BA.

A enfermeira Marinúbia Gomes, mãe dos irmãos, disse após o julgamento que lutará para que a decisão do júri popular seja revertida. "Eu já esperava por isso. Lutei quatro anos pelo júri popular e agradeço a Deus hoje por ter conseguido o que várias pessoas não conseguem. Ela foi inocentada. Ninguém sabe como. Cabe recurso. Vamos recorrer. Deus está no controle”, comentou ela, ainda durante a confusão na saída do Fórum Ruy Barbosa.

Da parte de Katia Vargas, a sentença foi comemorada. Do lado da família das vítimas do acidente, no entanto, houve muito choro e gritaria.