Desembargadores decidem manter absolvição de Kátia Vargas

Família vai recorrer da decisão junto ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília

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  • Tailane Muniz

Publicado em 2 de outubro de 2019 às 11:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Por dez votos a quatro, os desembargadores da Seção Criminal Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) decidiram manter a decisão do júri popular que absolveu a oftalmologista Kátia Vargas do homicídio duplamente qualificado dos irmãos Emanuel e Emanuelle Gomes Dias, de 21 e 23 anos. A moto em que as vítimas estavam foi arremessada contra um poste de energia elétrica após se envolver em um acidente com o carro da médica, em outubro de 2013, no bairro de Ondina, em Salvador.

Após dois pedidos consecutivos de vistas, o desembargador Nilson Castelo Branco votou pela manutenção da sentença que, em 6 de dezembro de 2017, absolveu a médica. Castelo Branco manifestou a decisão nesta quarta-feira (2), na sede do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA), no Centro Administrativo (CAB), durante a sessão que analisou os embargos infringentes e de nulidade impetrados pela médica após anulação da decisão do júri pela Segunda Turma da Câmara da Corte baiana, em agosto de 2018.

Mãe e tia dos jovens, Marinúbia e Mércia Gomes se desesperaram pouco depois do desenrolar do julgamento, que não contou com a presença de cinco magistrados. "A justiça não vem de mim, não vem do Tribunal, mantenho minha confiança na Justiça", afirmou Marinúbia ao conter a irmã que, aos prantos, disse que os magistrados tomaram a decisão porque "não eram seus filhos". A família vai recorrer da decisão em Brasília.

Tão abatida quanto nas outras sessões, Marinúbia voltou a dizer que não tem a intenção de ser "injusta" com a médica. "Eu peço a Deus, todos os dias, que se Kátia Vargas não tocou nos meus filhos, que ela não sofra as consequências disso. Mas se ela causou tudo aquilo, ela precisa ser responsabilizada por isso". 

'Democracia participativa' Nilson solicitou o primeiro adiamento da análise do processo em 7 de agosto, ao justificar que, para ele, havia necessidade de um tempo maior, dada a “complexidade do conteúdo”. Ali, o placar era aberto com um empate de dois a dois. Quando Castelo Branco pediu renovação de vistas, em 4 de setembro, a sessão terminou com quatro favoráveis à liberdade de Kátia, e três contra a sentença do júri popular. 

Nesta quarta, na sessão que decidiu manter Kátia livre, o desembargador defendeu “a democracia participativa e representativa”. Em discurso de quase duas horas, Castelo Branco salientou que “a jurisdição superior tem a competência apenas de controlar a legalidade da decisão do tribunal popular", por isso, nas palavras do magistrado, "não cabe rever a matéria porque isso estaria substituindo o papel do tribunal do júri".

Nilson usou o tempo para justificar que o voto precisava ser esclarecido, "ainda que repetitivo". O desembargador leu pontos do processo, incluindo informações do laudo produzido pelo perito contratado por Kátia Vargas, Ricardo Molina, onde o material produzido diz que não houve colisão provocada. Tudo foi acompanhado pelos familiares dos mortos.

"Em todas as vezes em que foi interrogada, a rénegou que tenha discutido. Ela diz que acelerou apenas para ultrapassar a moto, cujo o condutor andava em zig zag na pista", argumentou.

A desembargadora Ivete Caldas, que já havia votado pela anulação, contra-argumentou: "Votar pela anulação não é desrespeitar a soberania do júri, não é bem assim. Houve decisão contrária à prova dos auto", disse, ao reiterar a decisão. Emanuel e Emanuelle Gomes Dias morreram em 2013 (Foto: Acervo familiar) A sessão Embora seja formada por 20 desembargadores, a Seção Criminal do TJ-BA, contou, na prática, com 18 votos. Conforme a Corte baiana, dois desembargadores não participaram do julgamento. Um, por se considerar "suspeito" - ou seja, não se considera totalmente imparcial, e o segundo, foi impedido porque já participou de um ato processual referente ao caso. Os nomes não foram informados.

Relator do processo, o desembargador Lourival Almeida Trindade, decidiu pela manutenção do resultado do já júri na sessão de agosto. Ele foi acompanhado pelo desembargador Mário Alberto Hirs, que já havia pronunciado seu posicionamento no julgamento da Segunda Turma da Câmara Criminal do TJ-BA, em agosto de 2018. Na mesma oportunidade, votaram pela anulação o revisor, desembargador Carlos Roberto Araújo, além da desembargadora Ivete Caldas. 

Na segunda sessão de análise do júri, em setembro, votaram contra a anulação os desembargadores Abelardo Paulo da Mata Neto e Soraya Moradillo Pinto. Na contramão, o desembargador José Alfredo Cerqueira da Silva se manifestou a favor de que haja um novo júri.

Nesta quarta, com mais seis magistrados que se declararam a favor da manutenção da absolvição, incluindo Nilson Castelo Branco, o placar foi elevado a dez, sem chances de ser superado.

Recurso Antes mesmo da sessão ser oficialmente finalizada, o assistente de acusação do processo, Daniel Keller deixou a sala. Ao CORREIO, ele afirmou que vai entrar com recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

"Basicamente, de forma simples, o que se sustenta [o resultado] é o principio da soberania dos vereditos. É aquela história de que a decisão dos jurados é soberana e o tribunal não poderia alterar a decisão, ainda que não tenha sido a mais acertada", disse.

O advogado explicou que, em outras palavras, a decisão do magistrado é "uma discussão técnica". "Tem pormenores que vão ser discutidos no recurso. A decisão do juri é contrária à prova dos autos, ou seja, os jurados defenderam que ela não é autora. Essa decisão é contrária à prova, porque a perícia confirma que houve o choque, a única coisa que contraria isso é o parecer de um assistente técnico contratado pela defesa", comenta, em referência Ricardo Molina. 

Ele afirmou, ainda, que "a tese da defesa é pelo homicídio culposo", ou seja, segundo Keller, os advogados de Kátia reconhecem a responsabilidade sobre as mortes, porém, se apegam ao álibi de que não houve a intenção. À defesa, em caso de decisão pela manutenção da sentença do júri, reforça Keller, cabe recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

"Eu respeito a decisão do tribunal, respeito a decisão dos desembargadores. Nós da acusação, precisamos da maioria dos votos [10] para que o processo seja anulado. A defesa tem o privilégio do empate, então, se prevalecer um empate, a defesa ganha", esclarece, ao citar o princípio penal de que "na dúvida fica-se com a defesa". 

A Seção Criminal Dez desembargadores votaram a favor: Lourival Almeida Trindade Mário Alberto Simões Hirs Abelardo Paulo da Matta Neto Soraya Moradillo Pinto Jefferson Alves de Assis Luiz Fernando Lima Nilson Soares Castelo Branco Nágila Maria Sales Brito Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo Pedro Guerra Augusto Costa Guerra   Quatro desembargadores votaram contra: Carlos Roberto Santos Araújo José Alfredo Cerqueira da Silva Ivete Caldas Silva Freitas Muniz Aracy Borges Lima