Desempregada, professora faz currículo em forma de poesia na Bahia

Licenciada em História, Andrielle se formou no início do ano na Uneb

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  • Thais Borges

Publicado em 10 de novembro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Laiá Films (@laiafilms); Edgar Azevedo (@edgarazevedo) e Rafael Zu (@rafaelzuanny)/Divulgação

“E foi pensando em pedir sua ajuda/que esse poema, talvez poesia, nasceu/terminei a graduação e nada aconteceu. Será que dessa vez minha vida muda? (...) Eu preciso de um emprego agora/pra minha vida não desmoronar”. 

Se você recebesse esse texto em uma mensagem no Whatsapp, qual seria a sua reação? É difícil precisar quantas pessoas leram essas frases nos últimos dias. O que é possível dizer, porém, pela quantidade de reações que o texto provocou na cidade de Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo baiano, é que o poema viralizou entre os moradores de lá, desde a última terça-feira (5). 

Esse trecho, na verdade, é só uma parte dos versos de uma poesia escrita pela jovem professora Andrielle Antonia dos Santos, 25 anos, também radicada no município. “É poema ou poesia? (Poética do desemprego)”, dizia o título do card onde o texto foi originalmente publicado. No cartão replicado pelos amigos nas redes sociais, a poesia foi estratégia, mas também virou currículo. 

Ali, ela se apresenta. Conta que, desde o fim da graduação, não consegue encontrar emprego."Sou graduada em licenciatura em História/ mas já não posso mais esperar/ Moro em SAJ City, mas tenho total interesse/ e disponibilidade para em outra cidade morar", diz, em outro trecho.Ao final, para os interessados em uma introdução mais formal, ela deixa telefone e e-mails para contato. Em toda a Bahia, havia pelo menos 1,2 milhão de pessoas desempregadas no terceiro trimestre do ano, de acordo com o IBGE. Isso representa 17,3% da população com 14 anos ou mais que estava trabalhando ou procurando emprego na época.  Andrielle escreveu o poema em um card distribuído no Whatsapp (Imagem: Reprodução) Professora Desde pequena, Andrielle soube que queria ser professora. Foi por isso que decidiu cursar História, no campus da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) de Santo Antônio de Jesus. Só que ela não imaginava que, depois da colação de grau, em abril, teria tantas dificuldades para arranjar um trabalho na área. 

Assim, se viu sem renda – e longe de uma sala de aula - pela primeira vez desde o segundo semestre da faculdade. Ao longo do curso, ela participou de diferentes iniciativas: foi bolsista do Programa de Iniciação à Docência (Pibid) e teve um estágio remunerado em uma escola. 

Pela primeira atividade, recebia uma bolsa de R$ 400; com o estágio, chegava a ganhar R$796, além de um auxílio transporte. Sob a supervisão de um professor, ajudava no planejamento de aulas e fazia oficinas com os alunos. “Distribuí currículos desde o ano passado, porque defendi meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) em dezembro. Nas escolas, todo mundo fala que é melhor distribuir no finalzinho do ano. Mas nada aconteceu. Bateu o desespero, porque não sou acostumada a ficar sem fazer nada”, explica.Ela fez concursos em municípios como Cachoeira e Cruz das Almas, mas não foi convocada. Pensou em tentar um mestrado e até conseguiu a isenção de pagamento para o processo seletivo para o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Mas, no meio de tanta ansiedade, acabou perdendo a data de envio do anteprojeto.  Andrielle sempre quis ser professora (Foto: Laiá Films (@laiafilms); Edgar Azevedo (@edgarazevedo) e Rafael Zu (@rafaelzuanny)/ Divulgação) Nos últimos dias, Andrielle se inscreveu para a seleção da rede estadual de ensino, que deve contratar 2,4 mil professores pelo Regime Administrativo da Bahia (Reda). Até agora, porém, não conseguiu pagar a inscrição, que vai até o dia 18. 

Sem emprego, ela acaba praticamente dependendo da mãe e da avó, com quem mora. A avó, já idosa, recebe aposentadoria rural. A mãe, desempregada, faz de tudo um pouco para completar a renda da família: faz empadas, vende pintinhos filhotes de uma galinha chocadeira e planta quiabo e abóbora no terreno emprestado por uma vizinha. 

“Elas dizem que a inscrição é investimento, mas, quando você não está trabalhando, não gosto de ficar pedindo. Minha avó usa fralda, tem os remédios dela. O dinheiro é dela. Antes, eu conseguia ajudar em casa. Com minha mãe, sempre foi assim. Quem tiver (dinheiro) no momento ajuda a outra”, explica. 

Whatsapp Foi nesse contexto que veio a ideia do texto. O objetivo, inicialmente, não era transformá-lo em currículo. Queria desabafar. A escrita sempre foi o meio ao qual recorria quando passava por um momento difícil. Em 2011, criou um blog pessoal, onde reúne a maioria dos textos. 

Através da escrita, já tinha conseguido alcançar pessoas. Há quatro anos, descobriu que tinha ceracotone, uma doença degenerativa da córnea. O diagnóstico veio com uma urgência: precisava de uma lente de contato o quanto antes. 

O avanço da doença, inclusive, é um de seus maiores medos. A cada doze meses, as lentes precisam ser trocadas. Juntas, as duas custam R$ 3 mil. Com a lente, o olho direito consegue chegar a 100% da sua capacidade de visão. O esquerdo, por outro lado, mesmo com a lente só chega a 40%. “Escrevi um texto e consegui uma consulta com uma especialista em córnea em Feira pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Em um momento, pensei: se uso minha escrita para tudo, por que não escrever sobre como me sinto nesse momento?”, diz.  Compartilhou o poema com um grupo de amigos e veio de lá a sugestão para tornar o texto mais ‘oficial’. Incentivaram que fizesse o card com a promessa de que, em seguida, compartilhariam. Dito e feito: em poucas horas, a Poética do Desemprego tinha se espalhado pela cidade. 

Foi sem compromisso; sem expectativa de alcançar a repercussão toda. Ao longo da última semana, depois do passa e repassa de mensagens, Andrielle enviou cerca de 10 currículos. E mais: pela primeira vez, desde que saiu da faculdade, conseguiu uma entrevista. 

Era numa escola de Ensino Fundamental I, que não tem vagas no momento. Mesmo assim, saiu de lá com a promessa de uma possibilidade para 2020. “Ainda que eu não consiga o emprego, estou mais aliviada só por ter ido a uma entrevista. É uma conquista, porque eu não tinha ido para nenhuma”. 

Quem quiser entrar em contato com Andrielle pode fazer isso pelos mesmos contatos que ela distribuiu no card: o número de Whatsapp (75) 99128-8886 e o email [email protected]. E, como o poema já deixou claro, ela tem disponibilidade para trabalhar em outras cidades. 

Criatividade De fato, as redes sociais e a internet têm ajudado muita gente a chamar atenção de possíveis recrutadores, como explica o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos na Bahia (ABRH-BA), Wladimir Martins. Quem é criativo, como Andrielle, costuma ser bem visto. 

No entanto, ele reforça que, mesmo numa situação dessas, o que vai ser avaliado é o currículo tradicional – assim como ela tem usado a poesia para enviar as versões mais convencionais.“No final, você vai ter que enviar realmente aquele currículo que tenha as informações para que o recrutador saiba qual é o profissional que ele está buscando”, diz Martins. A pedido do CORREIO, o presidente da ABRH-BA listou algumas dicas para quem quer fazer um bom currículo: Evitar o exagero de informações. É importante ser objetivo desde o início, com os dados pessoais. Basta colocar o nome completo, email profissional, telefone, idade e endereço do perfil atualizado no LinkedIn, se tiver;  Descrever a área de atuação com objetividade. Às vezes, a pessoa coloca currículos para diferentes postos de trabalho, cargos e empresas, mas não tem um foco específico;  Listar apenas referências e qualificações que tenham a ver com a vaga pretendida. Ou seja, não adianta fazer uma linha do tempo da vida inteira;  Usar uma linguagem formal, sem erros de gramática;  Ser honesto acima de tudo – nada de incluir competências ou qualificações que não existem;  Não é necessário usar foto. Se a pessoa usar, deve ser uma foto profissional; Não incluir pretensão salarial, nem assinatura ao final;  Não é preciso escrever Curriculum Vitae no topo da página. O ideal é que o currículo tenha, no máximo, uma folha contando frente e verso (ou seja, duas páginas);