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Daniel Aloísio
Publicado em 2 de fevereiro de 2021 às 16:27
- Atualizado há 2 anos
Para muita gente, Iemanjá só atende se for chamada da beira da Praia do Rio Vermelho. E, mesmo com as medidas de restrição e o pedido para que as pessoas ficassem em casa ou buscassem outras praias, teve gente que ocupou as ruas do Rio Vermelho nesse 2 de fevereiro histórico. O acesso à faixa de areia estava interditado pela Prefeitura, o que não impediu de gente de todas as religiões ficassem na orla para realizar sua oração. >
Luana Pinheiro, 29 anos, participa todo ano da festa, mas essa foi a primeira vez que ela foi acompanhando o pessoal do seu terreiro, o Ikê Axé Awa Negy, do Engenho Velho da Federação, que elaborou o presente dos pescadores dado à divindade. “Para mim é muito emocionante. O axé é algo familiar, mas a pandemia deixa tudo mais complexo. A gente está acostumado com esse Rio Vermelho em festa, mas o importante é não deixar de ter a oferenda”, disse. >
Já o espírita Gustavo Melo saiu de Piatã para celebrar o Dia de Iemanjá no bairro tradicional. “Eu já participo da festa há 15 anos e não poderia deixar de vir hoje, mesmo em momento de pandemia. Eu estou com máscara, tomo os cuidados e me sinto seguro”, explicou o rapaz, que fez questão de entregar a sua oferenda em alguma praia do próprio Rio Vermelho. “Esse lugar é simbólico, pois é o lugar que a gente tem o costume de saudá-la”, conclui. >
Mesmo católica, Tereza Sonia, 58 anos, era atraída à festa pela sua parte profana. “Eu vinha para a parte da bebida, mas um dia resolvi vir de manhã cedo e me encantei com tudo isso. Nunca mais perdi”, conta a devota, que tinha na ponta da língua o pedido à divindade africana. “Peço pela minha saúde e dos familiares. Tenho um irmão que fez uma cirurgia e quero que ele se recupere logo. Quinta-feira venho novamente fazer outra oração”, garante. >
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Quem conheceu pela primeira vez a devoção logo sente o chamado de viver essa fé por mais vezes. É o caso do casal Claudia Cecilia Costa e Pamela Cristina, turistas de Minas Gerais. “Lá é um estado bem católico, não tem nem praia, então não conhecemos isso. Amanhã (3) estamos indo para Morro de São Paulo e fizemos questão de comprar a passagem para esse dia e conhecer a Festa de Iemanjá. Agora eu quero viver isso cada vez mais”, confessou Claudia Cecilia, que mesmo embaixo de chuva não abandonou a orla da cidade. “Esse é o melhor presente que estamos recebendo”, disse. >
De fato, a chuva que caiu logo após a entrega do presente dos pescadores no mar ajudou a diminuir a quantidade de pessoas presentes, mas não foi o suficiente para impedir que mais pessoas chegassem a todo momento para fazer uma prece. “Eu não costumo vir, pois aqui tem muito assalto, muito tumulto. A gente fica preocupada, né? Mas como está tendo restrições por causa da pandemia, eu sabia que não teria tanta gente como nos dias normais e fiz questão de vir”, confessou uma devota, que não quis revelar seu nome. >
Mais devoção Os 83 anos do pescador Joaquim Manoel dos Santos não impediram que ele participasse da festa de Iemanjá nesse dia. “Meus colegas mais antigos iam para o mar e não traziam mais peixe. Então, eles fizeram um pedido de que quando fossem pescar iriam agradecer a ela, que nos dá a fartura”, explica a história da festa e o motivo de sua devoção. “Ela nunca me desamparou. E eu não poderia deixar de homenageá-la”, explica. >
Para quem depende economicamente da festa, a ausência do festejo tradicional deixa muito a desejar. Desde que foi aberta, em 1997, o jornaleiro Renato Diniz nunca fechou a sua Banca Santana no Dia de Iemanjá. Lá ele vendia cigarro, água, refrigerante e recarga de celular para os devotos. “Esse ano o lucro que tivemos vai reduzir bastante, acredito que uns 30%”, lamentou o rapaz. >
O jeito foi vender para os devotos desobedientes e os atletas que faziam exercício físico e paravam na frente da Colônia de Pescadores, onde fica a barraca do seu Renato, para fazer alguma prece a Iemanjá. “Eu moro no Stiep e vi pela televisão o presente sendo colocado no mar. Então, decidi vir caminhando, me exercitando”, disse Lia Soares, 65 anos, que confessa não ter uma devoção especial à divindade africana. “Venho mais pela tradição e a parte profana”, confessou. >
Para evitar o Rio Vermelho e não deixar de ir ao mar, alguns devotos decidiram procurar outras praias de Salvador, como também foi recomendado pelas autoridades. O CORREIO viu pessoas fazendo suas oferendas na praia de Ondina, Barra e Comércio. O vendedor de flores Ivan Ribeiro, 53 anos, seguiu uma peregrinação pela orla de Salvador para conseguir um dinheiro extra. >
“Às 5h eu estava no Rio Vermelho, mas o movimento lá não tava como antes. Então eu comecei a passar por outras praias. Daqui do Comércio eu ainda pretendo ir para a Ribeira”, disse o ambulante, que vendia uma flor pelo preço de R$ 5. “Devagarzinho tô conseguindo vender. Tento convencer as pessoas de que Iemanjá gosta muito de flor para que a pessoa compre por esse preço”, confessou. >
* Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lobo.>