Dez 'lições' para negociar a mensalidade escolar na pandemia

No dia que as escolas completam um mês sem aulas, o CORREIO traz um guia para se chegar a um acordo com as instituições de ensino

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  • Priscila Natividade

Publicado em 18 de abril de 2020 às 12:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo Pessoal

Pedro tem três anos e no último mês viu o comecinho da sua vida escolar mudar bastante. A hora da história com os coleguinhas foi suspensa. Assim como as brincadeiras no parquinho. O contato com a pró só se dá através de vídeo. E os pais de Peu estão se desdobrando para tentar manter um pouco da rotina que ele tinha na escola antes do danado desse coronavírus chegar e colocar todo mundo em isolamento social.  

“A rotina em casa tem sido quase toda voltada para nosso filho. Em uma idade bastante agitada, cheia de energia e que tem sido a salvação da nossa quarentena, pois anima os nossos dias, o dia todo. Ele brinca muito e a gente também tem feito diversas atividades com ele. O colégio tem enviado alguns vídeos caseiros da professora e coisas para imprimir e desenhar”, conta o advogado e pai do pequeno estudante, Júlio Sanderson. 

No dia que as escolas completam um mês sem aulas presenciais para conter o avanço da pandemia, o pai de Pedro é um dos que ainda tentam chegar a um acordo e conseguir um abatimento no mês de maio. Para ajudar nesta tarefa, o CORREIO conversou com especialistas em direito do consumidor e finanças pessoais que destacaram 10 ‘lições’ que favorecem um acordo possível de redução temporária da mensalidade escolar (veja abaixo).  

Uma das dicas é apresentar uma proposta que equilibre tanto as condições de pagamento dos pais como a necessidade de manutenção da operação da escola – afinal, a gente sabe que não está fácil para ninguém. Segundo o educador e consultor financeiro, Antônio Carvalho, não adianta chegar impondo um abatimento, até porque, legalmente, não há no momento nenhum dispositivo que obrigue os colégios a concederem um desconto. 

“Como em qualquer processo de negociação, o diálogo e a transparência são fatores indispensáveis, logo, para propor uma negociação justa e com chances de êxito é preciso apresentar fatos, argumentos e, se possível, documentos que comprovem que houve interrupção ou redução da renda da família”, diz. 

Outro conselho é oferecer a troca do abatimento por um serviço para a escola. “Na condução da negociação, exponha sempre que a educação é uma das prioridades da família, trazendo uma proposta que seja, de fato, viável”. 

Os dois lados

Júlio Sanderson paga por mês pela escola de Pedro, R$ 1.219 (R$ 900 da mensalidade + R$ 319 pelo turno estendido). A receita da família teve uma redução significativa.  A esposa está grávida e foi afastada do trabalho e ele, mesmo trabalhando em regime de home office não vai conseguir manter a renda de antes da quarentena. 

“Nesta idade em que o processo de ensino-aprendizagem requer interação, vejo a modalidade virtual na educação infantil com uma tentativa de ‘forçar a barra’ e justificar uma cobrança. Simplesmente mandaram um comunicado enviando os boletos com o valor total do turno regular de abril acrescido de 50% do período estendido deste mês”.  Para Júlio, os serviços que estão sendo prestados pela escola, ainda que de forma remota, não estão de acordo com o contrato (Foto: Acervo Pessoal) Mas afinal, o que os pais estão obrigados a pagar? Para advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Igor Marchetti, os pais têm o direito de reivindicar que a escola apresente as medidas que serão implementadas para superar a crise. A base de cálculo da mensalidade leva em consideração todas as despesas para manutenção da escola com pessoal, equipamentos, energia elétrica, tributos.  

“É obrigação legal que os pais possam ter acesso à planilha da escola. A partir da apresentação dos cálculos é que eles podem questionar o valor aplicado pela instituição de ensino, inclusive coletivamente com outros consumidores”, explica.

Nenhum contrato de nenhuma escola previa uma estado de pandemia. Por outro lado, caso haja inadimplência, as instituições de ensino podem incluir o nome dos responsáveis financeiros nos órgãos de proteção ao crédito, porém, não devem reter documentos nem impedir que os alunos cursem o ano letivo ou não tenha acesso às atividades mesmo que digitais. “O diálogo é necessário para que tanto o consumidor como o prestador de serviços não sejam prejudicados”. 

Bom senso

A executiva de relações institucionais da Proteste Associação de Consumidores, Juliana Moya, concorda: “Como esses valores pagos estão sendo utilizados nesse momento que as aulas estão suspensas? Se a escola teve uma redução significativa no seu custo operacional, os pais têm direito ao abatimento proporcional no valor da mensalidade”. 

A especialista reforça ainda que serviços extras separados da parte pedagógica como aulas de esporte, cursos de dança, prolongamento de horários, alimentação e transporte escolar também devem ser negociados. “Uma vez que os alunos não podem usufruir destes serviços durante a suspensão das aulas, eles devem pedir a suspensão do pagamento”, acrescenta. 

Mas o diálogo, na verdade, Júlio só conseguiu ao decidir mudar Pedro de escola assim que passar a pandemia. Na escolha da nova instituição contou a flexibilidade do pagamento da mensalidade neste momento de crise. E aí, o que se aprende é que a melhor lição está no bom senso. 

“Essa postura irredutível na forma de cobrança foi o primeiro motivo para tomarmos esta decisão, apesar de já termos outras insatisfações com o colégio. A outra escola para onde vamos transferi-lo está dando um abatimento de 30% aos alunos que estavam matriculados antes mesmo da pandemia. É o momento de cada um ajudar o outro como pode”. 

DEZ ESTRATÉGIAS PARA UM ACORDO POSSÍVEL

1. O histórico de positivo de pagamento e de bom rendimento do aluno serão sempre um argumento válido. Saiba utilizá-lo na hora de buscar um desconto. 

2. Qual a real situação financeira da família? Seja honesto com a escola. Converse francamente sobre a redução da renda no período, suspensão de contratos e perda de emprego por conta da pandemia

3. No jeito. Não dá para chegar na escola impondo um desconto, até porque, legalmente nenhuma instituição de ensino tem obrigação de ofertar a redução. Há projetos de lei sendo discutidos, mas, efetivamente, o que os pais precisam apostar neste momento é em um bom acordo para os dois lados. 

4. Traga uma proposta viável. Exponha seu lado, mostre suas possibilidades, mas seja justo com o que, de fato, pode pagar neste momento.

5. Troque serviços. Trabalha com TI? Que tal ajudar a escola a desenvolver um aplicativo, por exemplo? As permutas por serviços de assessoria jurídica, contábil e empresarial podem acabar ajudando os pais na barganha por desconto.

6. Tudo que for extra pode ser suspenso. Aulas de esporte, cursos de dança, prolongamento de horários, alimentação e transporte escolar também devem ser negociados.

7. Pais unidos, jamais serão vencidos. Movimente os grupos de pais e formulem uma proposta conjunta para a direção da escola. Mais uma vez, fica a dica: peçam uma redução que leve em consideração também os custos operacionais que a escola ainda precisa manter. 

8. Exija e analise bem a planilha de custos da instituição. As escolas precisam disponibilizar para os pais os cálculos de sua operação  bem como ser transparentes quanto às medidas que estão sendo adotadas na crise. 

9. Fique atento. É importante que os pais verifiquem a qualidade do serviço telepresencial ou online, e caso ocorram problemas, não deixem de questionar a escola, pois se o serviço está sendo cobrado a qualidade deve ser mantida.

10. Participação. Vale também chegar junto com a escola e outros pais para sugerir e mobilizar para alternativas que possam ajudar tanto a instituição de ensino como a família neste momento.  É entender que todos estão passando por uma crise inédita e que o engajamento coletivo é capaz de fazer a diferença na busca por soluções.