Dia da Água: trecho do Rio Cascão é o único com boas condições em Salvador

Situação de 80% dos rios da cidade é ruim ou péssima, diz especialista; leia entrevista

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  • Fernanda Santana

Publicado em 22 de março de 2018 às 21:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Márcio Costa e Silva/Arquivo CORREIO

De 2014 até hoje, Dia Mundial da Água, pouco avançou a consciência ambiental da população de Salvador. Naquele ano, a química Helena Andrade, especialista nos mananciais, elaborou, com outros quatro colegas, uma avaliação da qualidade dos mananciais que abastecem a cidade. E, apesar de bom, o resultado alertou: o uso e cuidados com a água nas metrópoles, e especialmente na capital baiana, precisa mudar. Mas, o alerta não foi convertido em ação.

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Em análise divulgada nesta quinta-feira (22), quatro anos depois, o Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) mostra que o único corpo d’água satisfatório de Salvador, em meio a 53 opções, é um trecho do Rio Cascão, em uma área remanescente de Mata Atlântica e sem acesso direto da população. Rio Cascão é o mesmo que passa pelo Imbuí; obra cobriu trecho transformado em praça (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) Quando realizou a pesquisa em mananciais da Região Metropolitana de Salvador (RMS), Helena e os parceiros já percebiam a relação entre a ação antrópica (das pessoas) e a natureza.

“Os pontos mais próximos de cidade continuam mais degradados. Mais longe, estão mais limpos”, comenta a gerente técnica dos laboratórios Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (Ceped). Quanto mais próximos de áreas densamente habitadas, piores estavam os rios Paraguaçu, Joanes e Jacuípe, por exemplo. Esgoto é despejado em trecho do Rio Joanes, em Lauro de Freitas (Foto: Márcio Costa e Silva/Arquivo CORREIO) Se a avaliação da qualidade da água em quatro pontos do Rio Paraguaçu era boa, próximo de Feira de Santana, o recurso estava longe da excelência. Significa, então, que a vilã de todas as vezes é a vida nas cidades? Não necessariamente, avisa Helena. A questão é mais complexa.“Nos interiores, onde a agricultura é mais forte, os agrotóxicos podem carrear para os rios, contaminá-los. Quem bebe dessa água também pode ser contaminado. E só com o tempo gente vê as consequências”, disse em entrevista ao CORREIO.Também nas áreas mais distantes de cidades, portanto, falta conscientização. E a mudança de postura apenas será possível com ações de educação ambiental, ressalta. Quem sabe, assim, no Dia Mundial da Água dos próximos anos os resultados sejam mais positivos.

Na entrevista, a especialista Helena Andrade também conversou sobre políticas de preservação da água, o poder das gerações mais jovens e projeções para o futuro.

Confira o bate-papo na íntegra

Hoje, quatro anos depois da análise dos mananciais que abastecem Salvador, como você acha que a população ainda se relaciona com os mananciais? Quanto mais perto das cidades, os mananciais são mais comprometidos, mais degradados. Mais longe, estão mais limpos. Se você ver os rios de Salvador, você vai ver o quanto estão comprometidos. O que é despejado. A população também não ajuda. O próprio pessoal do interior não tem essa consciência; o que acarreta essa piora é a densidade demográfica. Nos interiores, onde a agricultura é mais forte, os agrotóxicos podem carrear para os rios, contaminá-los. Quem bebe dessa água também pode ser contaminado. E só com o tempo gente vê as consequências.

As políticas de preservação da água têm conseguido melhorar a condição de manaciais? É uma resposta muito ampla, porque cada órgão tem uma finalidade. Por exemplo, as tomadas da decisão não são do Inema; o Inema informa. Por outro lado, a gente vê que tem águas que estão impróprias permanentemente, mas ninguém faz nada. Os rios de Salvador também estão bem comprometidos, mas o que está sendo feito? Falo isso como cidadã que olha, monitora esses dados. 

De que maneira você acredita que as entidades governamentais e a população podem atuar para, gradativamente, melhorar a qualidade das águas? Antes de tudo, é preciso educação, consciência ambiental. Se existir o propósito de que a água é nossa responsabilidade, com certeza teremos uma mudança. Tem que começar na base, na escola. Desde o pré-escolar. Isso é a base de tudo. As crianças, quando recebem as informações, inclusive, levam para casa, mostram os pais. Mas aí surge também o problema da tomada de consciência da importância da educação. Além disso, também é preciso continuar com as campanhas. A internet e os meios de comunicação são tão fortes, poderiam ajudar tanto nisso.

A água sai dos mananciais e segue, após a captação e distribuição, para a casa das pessoas. A qualidade das águas nesses reservatórios está garantida? Quando a água chega na sua casa, no reservatório, ela pode ter alterações. Normalmente, em condomínios, shoppings, acontecem limpezas semestrais. Em locais como hospitais, por exemplo, a limpeza pode até ser mensal. Às vezes, as pessoas contaminam uma água que era limpa. Em instituições públicas, a Vigilância Sanitária exige que apresente um laudo de qualidade. Até porque, se não exigir, ninguém apresenta. 

Mas, o que pode ser feito caso a pesssoa percebe algum processo incorreto de limpeza de reservatório? Para o uso básico, precisa existir a limpeza do reservatório. E, após essa limpeza, o ideal é que haja uma análise química de como estava antes e como ficou. Normalmente, é uma empresa especializada que faz isso, alguém que trabalha com limpeza de reservatório: porque eles têm que clorar (colocar cloro), têm que limpar. Se não fizer direito, acaba contaminando mais. O primeiro passo é exigir do síndico um registro que mostre que essa empresa presta um bom serviço.

Neste Dia Mundial da Água, quatro anos após a apresentação dos resultados, você acha que algo mudou para as águas baianas? Eu acho que a população continua sem consciência. Digo isso até por experiências em reuniões de condomínio. A gente fala de descargas que economizam, por exemplo, e as pessoas não têm consciência. Dizem: "ah, eu vou pagar a mesma coisa, porque gastar menos águas?" Se você ouve isso de pessoas adultas, teoricamente instruídas, imagine do resto. A população acha que é inesgotável. É pena que só vamos nos dar conta quando faltar. Eu acho que os jovens têm mais essa consciência. Mas, com os mais velhos, é complicado. Eu acho que, para os mais velhos, só sentindo no bolso.