Diabético, sim; fitness também: pacientes encaram atividade física como tratamento para doença

Pesquisas apontam que mais de 70% dos diabéticos tipo 2 não fazem o tratamento

Publicado em 23 de junho de 2019 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo Pessoal

Fred dorme de seis a sete horas toda noite. Levanta por volta das 7h, começa a trabalhar às 9h e sempre faz uma pausa para malhar perto de meio-dia. Depois do almoço, vai para o “segundo round”, numa academia em Vilas do Atlântico, às 14h, onde trabalha até as 22h. Duas vezes na semana, faz aulas de muay thai e toda segunda à noite joga bola. Os domingos são dedicados ao filho, Pepeu, 3 anos. “Ele não tem diabetes, graças a Deus. Não desenvolveu até agora e a gente cuida muito para que ele não tenha”, diz o empresário Fred Prado, 30 anos. Ele, sim, é diabético e convive com essa condição há nove anos.

A descoberta veio quando Fred tinha 21. Ele conta que teve cetoacidose, todos os sintomas clássicos de quem descobre a diabetes tipo 1 - quando há destruição autoimune das células do pâncreas que produzem insulina. Quando chegou no consultório, a glicose de Fred estava em 600, acima da capacidade de medição do glicosímetro. O normal é que a glicose fique entre 70  e 100 mg/dL de sangue.

Foi o irmão dele, que era estudante de Medicina na época, que associou os sintomas de Fred à diabetes, doença que afeta, segundo a International Diabetes Federation (IDF), 14,3 milhões de pessoas em todo o Brasil. Na Bahia, só no Centro de Referência Estadual para Assistência ao Diabetes e Endocrinologia (Cedeba), são atendidas 36 mil pessoas. Fred descobriu a diabetes há nove anos; além da atividade física, ele faz tratamento com insulina (Foto: Acervo Pessoal) O CORREIO buscou o total de diabéticos na Bahia, mas a Secretaria de Saúde do Estado não dispõe do número. O Cedeba atende os pacientes que não conseguiram controlar a doença ou que são instáveis. Os demais cabem à atenção básica. No estado, existe um grupo de diabéticos que trabalham pela criação de uma associação, liderado por Taila Barbosa.

Entre 2010 e 2016, as complicações da diabetes levaram a óbito 32,4 mil pessoas na Bahia, segundo pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) apresentada no ano passado. De acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), o número cresceu 18,8% no período (de 4.043 mortes para 4.806).

Rotina estabelecida Quando saiu do consultório, Fred decidiu se inteirar do assunto e, principalmente, não se desesperar. “Eu acho que, para qualquer pessoa que descobre que tem diabetes, a primeira coisa a fazer é não se desesperar. Ninguém morre de diabetes, mas morre de complicações dela. Se você se cuida, tem hábitos saudáveis, come direitinho, faz atividade física, você tem até mais qualidade de vida do que outras pessoas. É ter foco e disciplina”, diz.

Fred, que é coach de diabéticos, fala tudo isso aos seus clientes - tanto do tipo 1 quanto do tipo 2, que desenvolvem a doença quando o organismo não consegue usar adequadamente a insulina que produz ou simplesmente quando não produz o suficiente. A eles, Fred ensina como elevar a performance no tratamento e viver bem. Só no Instagram, ele tem mais de 25 mil seguidores no perfil @vidadediabetico.

Para o endocrinologista Victor Almeida, membro da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a rotina estabelecida por Fred auxilia no controle da glicemia:“A atividade física ajuda a manter a diabetes mais bem controlado. Uma alimentação saudável também ajuda a manter a saúde do corpo e o controle do açúcar”, disse.Isso é importante principalmente quando se observa que a diabetes tipo 2 vem afetando crianças e adolescentes. “E é uma doença muito mais agressiva e difícil de tratar do que nos adultos. Não é simples. São muitos órgãos relacionados e, infelizmente, não há um remédio que trate de todos eles”, afirma a endocrinologista Denise Franco, diretora da Associação de Diabetes Juvenil (ADJ Brasil).

Tratamento Sonia de Castillo, que é educadora em diabetes e membro do Departamento de Educação da SBD, recomenda a atividade física para o controle da doença. No blog DM2 Fora do Armário, ela afirma que alimentação saudável e atividade física ganham força no tratamento da DM2, que afeta 95% dos diabéticos no Brasil e 50% dos atendidos pelo Cedeba.

“Não é por acaso que algumas instituições pelo mundo resolveram apostar fortemente nos hábitos saudáveis não apenas como coadjuvante no tratamento: comida saudável e exercício físico começam a ser prescritos como medicamentos”, escreve.

Foi graças a Sonia que a aposentada Zilda Maria Silva, 67, começou a fazer atividade física. Ela descobriu que tem diabetes tipo 2 há 15 anos. “Diabetes não é um bicho de sete cabeças. É de oito. Eu fui diagonosticada, já fiz algumas cirurgias, mas decidi que ela não ia me dominar. Agora, eu sou atleta”, conta Zilda, que fez corridas de cinco e 15 quilômetros e duas meias-maratonas em São Paulo.

Abandono Além da atividade física e de uma alimentação balanceada, a diabetes é tratada com medicamentos e com injeções diárias de insulina - no caso do tipo 1 - e em alguns casos, no caso do tipo 2. O problema é que nem todo diabético se exercita, como Fred e dona Zilda.

O custo do tratamento, a quantidade de medicamentos a se tomar, o fato de ser vitalício, além da necessidade da mudança do estilo de vida são alguns dos pontos destacados por médicos que dificultam a adesão total do paciente ao tratamento da diabetes.

Em alguns estados do Brasil, ainda há o problema do acesso à medicação entregue pelo SUS. De acordo com um estudo da Faculdade de Medicina da USP, 77,2% das pessoas com diabetes tipo 2 não eram aderentes ao tratamento. No Brasil, eram 77%.

Além disso, dados de um estudo do IMS Consulting Group apontaram que 48,4% dos diabéticos administravam a medicação de forma errada. Os números foram apresentados, na semana passada, em um workshop sobre diabetes promovido pela ADJ Brasil.

O abandono, claro, é prejudicial. “Hoje tem aparelho que você coloca sensor subcutâneo no braço e escaneia a glicose até com celular. Isso dá muito conforto ao paciente. A tecnologia está favorecendo”, afirma a endocrinologista Reine Marie Chaves, coordenadora de relações governamentais da SBD e diretora-fundadora do Cedeba.

Mas nada disso adianta se o paciente não tiver consciência. “Você não gosta de ginástica, tá bom. Mas você não gosta de dançar? Vai dançar com a sua mulher. Não dá para sair com o cachorro? Melhor ele fazer um pouco do que nada”, diz o endocrinologista Walter Minicucci.

Monitorar glicemia e escolher bem o tênis são alguns dos cuidados A atividade física é mais do que recomendada por especialistas para pessoas com diabetes, tanto do tipo 1 quanto do tipo 2. Mas é preciso tomar alguns cuidados. “A atividade física causa uma redução do açúcar. Mas a pessoa com diabetes não pode perder açúcar de forma brusca nem além do que a gente quer, senão causa hipoglicemia, que gera tontura, mal-estar, pode levar ao desmaio. Para evitar isso, é preciso medir a glicemia antes, durante a após a atividade física”, recomenda o endocrinologista Victor Almeida. Se estiver muito baixa, é aconselhável ingerir carboidrato durante a atividade.

A advogada Rafaela Santos, 35 anos, já sentiu mal-estar algumas vezes. “Meu principal cuidado é com a baixa de açúcar repentina que pode acontecer quando tem muito exercício de ficar de cabeça para baixo, mas hoje consigo sentir a hora de ir mais suave nos exercícios ”, diz ela, que tem diabetes tipo 1 e decidiu fazer crossfit e natação depois de médicos insistissem para que ela se exercitasse.

Há, ainda, os cuidados para aqueles pacientes que já desenvolveram o pé diabético.“Quando o diabetes está mal controlado, acaba atingindo  coração, olhos, nervos distais e isso gera mais facilidade de infecção. É preciso ter cuidado, usar uma meia especial que ajude no retorno venoso, que evite lesões, usar tênis sempre com um número a mais para evitar calos, ferimentos que possam gerar infecções”, completa.Rafaela anda de olho nos pés: “Tenho cuidado para não ficar suado/molhado no pós-treino e criar bolhas. O mesmo é com a mão para não abrir ferida por conta dos exercícios mais puxados”.

Laboratórios criam alternativa à injeção de insulina As injeções diárias de insulina são companheiras de boa parte dos diabéticos do Brasil. Mas o procedimento, muitas vezes, é considerado incômodo pelo paciente. A diabetes é responsável por complicações, como a doença cardiovascular, diálise por insuficiência renal crônica, cegueira e risco de amputação de membros.

Novas formas de tratamento buscam dar mais opções. Na última semana, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a comercialização do Afrezza, uma insulina para inalação de ação rápida. A Biomm, que tem os direitos do produto no país, estima que a venda comece a partir do quarto trimestre do ano.

A insulina inalável chega como alternativa para a injetável, mas não para substituí-la. A versão do tipo rápido é usada próximo às refeições e deve ser aplicada com insulinas de ação lenta, que controlam a glicose por períodos longos. O pó é colocado no inalador, aspirado e absorvido pelo corpo em segundos. Serve para diabéticos dos tipos 1 e 2, não sendo recomendado para menores ou pessoas com problemas respiratórios. A endocrinologista Denise Franco, diretora da ADJ, falou sobre as dificuldades do tratamento medicamentoso (Foto: ADJ/Divulgação) Também chegou ao Brasil no mês passado a semaglutida injetável, que ajuda no controle da glicemia. O medicamento é um análogo ao GLP-1, hormônio liberado quando comemos. “Além da redução expressiva de glicemia, ele também tem redução de peso associada”, explica Priscilla Mattar, diretora-médica da Novo Nordisk, que produz o medicamento. O remédio é aplicado semanalmente com uma caneta.

Uma versão oral está em fase de aprovação nos EUA, onde deve ser lançada ainda este ano – a previsão para chegada no Brasil é 2021. Os últimos resultados dos testes com a versão oral da semaglutida, que deve facilitar mais seu uso, foram apresentados no 79º Congresso da Associação Americana de Diabetes (ADA), em San Francisco, nos EUA, na última semana, mostrando segurança cardiovascular.

*As repórteres viajaram para São Paulo e San Francisco (Califórnia) a convite da ADJ Brasil e da Novo Nordisk