Difícil de engolir: itens do café da manhã estão mais caros em Salvador

Baianos abrem mão do queijo e presunto, abandonam pão quentinho e já pensam em deixar leite de lado

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  • Gil Santos

Publicado em 10 de setembro de 2021 às 06:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

O café da manhã é a refeição mais importante do dia, é o que defendem profissionais de saúde, mas ele está custando cada vez mais caro, e nem mesmo o pãozinho seco com o menorzinho, como chamam o copinho pequeno de café preto, estão escapando do aumento dos preços. Uma pesquisa divulgada essa semana revelou que Salvador foi uma das 13 capitais em que tomar café ficou mais caro, e onde a cesta básica apresentou variação de quase 16% nos últimos 12 meses.

Seja na rua ou seja em casa, o café ficou salgado e o pão está uma dureza. Isso porque o preço do açúcar e do próprio café em pó subiram, junto com o pão e a manteiga. Leite também virou artigo de luxo e está sendo dispensado por algumas famílias. Na casa da técnica de enfermagem Elisangela Lima, 46 anos, o pão está sem recheio há meses e no mercado ela passa pela manteiga e vai direto na prateleira da margarina.“Eu não lembro quando foi a última vez que comprei queijo ou presunto para o café da manhã. Quando dá, a gente pega mortadela, mas nem isso tem dado nos últimos meses. Então, é só o pão com margarina mesmo. Usamos café, açúcar e leite em líquido. Os meninos preferem leite em pó, mas está impossível, e o em líquido pode ser o próximo que vamos cortar”, conta.O marido de Elisangela está desempregado, fazendo alguns serviços aleatórios, e o salário dela é a única fonte de renda garantida da casa. É com esse dinheiro que ela faz as compras e paga as contas. “Como moro em cima da casa de minha mãe não tenho despesas com aluguel, mas somos cinco lá em casa, então, qualquer reajuste nos preços causa um impacto grande no final do mês”, diz.

O reajuste veio, e foi considerável. A Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada mensalmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), divulgada esta semana, revelou que nos últimos 12 meses a variação nos preços foi de 15,93% em Salvador, e os itens do café da manhã ajudaram a puxar esse número para cima. O crescimento foi percebido também na comparação entre os meses de julho e agosto, com o café em pó (4,88% de aumento), a manteiga (4,20%) e o leite integral (2,20%) liderando o ranking. A variação mensal da cesta básica ficou em 0,59% e a anual em 1,33%.

A recepcionista Ana Luísa Moreira, 35, mora com a mãe e duas filhas e é quem faz as compras. Ela contou as estratégias que tem adotado para driblar a alta dos preços.“Trocamos marcas famosas por outras mais baratas, e sempre pergunto qual o barato ou a promoção do dia. A gente está comendo mais raízes e tapioca do que pão, porque rende mais e também é mais saudável. Aqui perto de casa, dia de quinta-feira hortifruti é mais barato, então, deixo para fazer as compras nesse dia. Fora isso, são os cuidados de sempre para não desperdiçar comida e sempre pesquisar preços”, diz.Ela contou também que vai substituir o café do mercado pelo moído da feira e que tem comprado mais frutas para fazer suco. Já a aposentada Inês da Conceição, 67, encontrou um substituto. “Eu gosto de chá. Sei que muita gente não gosta, mas tenho trocado o café pelo chá alguns dias para poder economizar”, explica.

Mau tempo A supervisora técnica do Dieese na Bahia, Ana Georgina Dias, conta que a pesquisa foi realizada durante 22 dias em mais de 100 estabelecimentos, como supermercados, feiras, açougues e padarias, e em diversos bairros. Esse estudo começou em São Paulo, em 1959, e atualmente acontece em 17 capitais. Em Salvador, existe deste 1983. Ela explica que o aumento dos preços se deve a fatores internos e externos.

“O café está em período de safra, mas mesmo assim os produtores preferiram reter os estoques até o preço elevar, o que acontece quando se oferta menos produtos. Além disso, houve a questão das geadas, então, os produtores tinham essa expectativa de alta nos preços. O açúcar também é resultado direto do clima, que está seco e com geadas fortes no Sudeste, um dos maiores produtores, o que acabou afetando os preços”, diz.

A supervisora explica que o período de entressafra do leite acontece entre maio e agosto, quando a quantidade de chuvas diminui e a qualidade das pastagens fica comprometida. O resultado é que a captação de leite diminui e, com menos produto no mercado, o preço sobe. Em 2021, o cenário foi agravado também pelas geadas que surpreenderam os produtores e prejudicaram as pastagens.

A manteiga, produto derivado do leite, também foi afetada. Já a alta no preço do pão foi provocada por fatores externos. “O que tem afetado o preço do pão é uma coisa que acontece normalmente quando o câmbio está desvalorizado. A maior parte do trigo utilizado no Brasil vem de fora, é importado. Então, como nesse momento o dólar está mais caro que o real isso acaba refletindo nos preços dos produtos importados, como é o caso do pão, por conta da farinha de trigo”, conta Ana Georgina.

Segundo a pesquisa, o valor da cesta básica para a sobrevivência de uma pessoa adulta, por 30 dias, está custando, hoje, R$ 485,44, em Salvador. O valor corresponde a 47% do salário mínimo, e inclui doze itens: carne bovina, arroz, feijão, farinha de mandioca, açúcar, óleo de soja, café, manteiga, leite, tomate, banana e manteiga. Artigos básicos para a alimentação, mas que para algumas famílias estão se tornando produtos de luxo.

A dona de casa Francisca Oliveira, 55 anos, ficou surpresa ao saber que o salário mínimo necessário para viver no atual cenário brasileiro deveria ser de R$ 5.583,90. “Estou chocada e decepcionada. Já cortamos tudo o que não é essencial. Vamos ter que parar de comer também?”, questiona.

Confira dicas de como economizar no café da manhã:Substitua marcas famosas por outras mais baratas; Troque produtos mais caros, como queijo e manteiga, por outros mais simples, como mortadela e margarina; Busque alternativas para substituir o pão, como raízes ou bolachas; Escolha produtos que podem render mais, como tapioca ou cuscuz; Deixe para fazer as compras em dias promocionais; Pergunte ao vendedor sobre as promoções do dia; Pesquise e compare preços; Sucos e chá podem ser uma solução no lugar do café; Forme grupos de amigos e compre em atacado; Troque produtos industriais por in natura, geralmente são mais baratos; Veja a alta dos preços da cesta básica em Salvador de julho para agosto:Café em pó (4,88%); Manteiga (4,20%); Leite integral (2,20%); Farinha de mandioca (2,07%); Açúcar cristal (1,16%); Óleo de soja (1,00%); Carne bovina de primeira (0,96%); Pão francês (0,61%); Feijão carioquinha (0,54%); Banana (0,25%) Tomate (-3,23%); Arroz agulhinha (-1,66%). Confira a evolução do preço da cesta básica em Salvador, em agosto, nos últimos 10 anos:2011 / R$ 209,35 2012 /R$ 225,23 2013 / R$ 257,54 2014 / R$ 266,34 2015 / R$ 305,11 2016 / R$ 376,45 2017 / R$ 332,10 2018 / R$ 311,92 2019 / R$ 350,75 2020/ R$ 418,72 2021 / R$ 485,44 *Fonte Dieese.